A lógica do desenvolvimento e seus efeitos colaterais: o caso do PEU da Ilha do Governador

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Estátua de um gato-maracajá (um dos primeiros nomes conhecidos da ilha), construída em 1920 na Praia da Guanabara por Marcio Dutra

O assunto do momento na cena pública insulana e na agenda do debate político e acadêmico local é o chamado PEU da Ilha do Governador, abreviação de Plano de Estruturação Urbana, um PLC (Projeto de Lei Completar) de número 107/2015 que o Poder Executivo municipal elaborou e que nos últimos meses chegou à Câmara de Vereadores para sua tramitação e votação. Na prática, diz respeito a um planejamento de desenvolvimento urbano da área, que, entre tantas propostas (positivas e negativas), mudará os parâmetros construtivos nos bairros historicamente conhecidos como “bucólicos”, embora hoje experimentem os efeitos de um capitalismo avassalador.

Antes de nos atermos a alguns pontos do PEU, gostaria de trazer à luz duas tendências, apresentadas e discutidas pela professora da Escola de Administração da UFBA Suzanne Moura em seu texto Cidades empreendedoras, cidades democráticas e a construção de redes públicas na gestão local. Segundo ela, duas tendências impulsionaram a inovação e a renovação da gestão pública na esfera local na atualidade, ambas ocorridas entre os anos 70/80, associadas a um processo de descentralização do Estado, resultante tanto do avanço do neoliberalismo quanto de transições democráticas em países de capitalismo avançado e latino-americanos. Estas tendências, segundo a autora, enfatizaram, por um lado, as virtudes do local em matéria de desenvolvimento e/ou, por outro, de exercício da democracia. Denominam-se como “empreendedorismo competitivo” e “ativismo democrático”. A autora, por fim, tomará dois casos para a análise desses métodos de gestão: a experiência do Planejamento Estratégico de Barcelona, que se desenvolve desde 1988, e a do projeto Cidade Constituinte de Porto Alegre, implementado a partir de 1993. Tendo em vista que a primeira tendência servirá de inspiração para a implementação do primeiro plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro, em 1992, me debruçarei, por ocasião, apenas nesta expressão, observando o seu conceito e sua eventual contribuição para o novo PEU da Ilha.

A tendência de empreendedorismo urbano indica um movimento de redefinição no papel e atuação dos governos locais, com ênfase no desenvolvimento de virtualidades competitivas, visando a integração na concorrência do mercado global de cidades. Nessa perspectiva, destacam-se alguns elementos característicos, tais como: privilegia-se a construção de espaços e mecanismos de cooperação público-privado; a utilização de práticas de gerenciamento empresarial na gestão local e o marketing urbano, visando a promoção externa e interna da cidade. É este modelo, com estas características apresentadas por Moura, que vemos muito fortemente hoje na cidade.

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Partindo deste princípio de projetar o desenvolvimento da cidade num horizonte de futuro, a prefeitura do Rio de Janeiro, após atualizar seu Plano Diretor, em 2011, estabeleceu que, entre as novas quatro macrozonas, a macrozona incentivada, onde situa-se a Ilha do Governador, passaria por uma revisão de sua legislação de uso e ocupação do solo, para promoção – segundo eles – de melhorias específicas. Esta é a justificativa oficial, segundo os técnicos, para a elaboração do PEU. Nesse aspecto, prevê-se avanços, como ampliação do sistema de barcas, modernização e padronização de quiosques, requalificação de vias e calçadas, e até o tombamento e preservação de monumentos históricos. Porém, ao custo destes benefícios de desenvolvimento local beira sobre nós, insulanos, a ameaça da possibilidade de um adensamento construtivo e populacional, à reboque das mudanças de gabarito (padronização de três andares para todas as zonas, eliminando a atual ZR-2, cujas edificações só possuem dois andares) e permissão de empreendimentos imobiliários do tipo vila (grupamentos com até 12 unidades) no qual não será obrigatória a existência de estacionamento e guarda de veículos (traduzindo: mais carros nas ruas e calçadas). Enfim, um pacote de mudanças, sob a ótica do desenvolvimento, que poderá custar caro ao bem-estar da população insulana, cujos efeitos colaterais só serão sentidos em médio e longo prazos.

A Ilha do Governador está diante deste desafio: apoiar este projeto em sua integralidade e aguardar para ver os seus desdobramentos ou tomar conhecimento desta iniciativa do governo local, aprofundar a análise e a reflexão, e propor – democraticamente – que adequações sejam feitas para não prejudicar o futuro da região. Seja um ou outro caminho, fato é que, se a prefeitura tivesse desenvolvido redes públicas e plurais com a sociedade civil, considerando-se que estas são um mecanismo básico do processo de planejamento (e traço característico dessas duas tendências), nenhum impasse estaria hoje existindo, e a proposta do tão sonhado e necessário desenvolvimento seria fruto de uma construção coletiva e não resultado de um trabalho de gabinetes.

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Nascido e criado na Ilha do Governador, a família está lá desde o final do século XIX. Seu bisavô foi André Gomes Bonel, popularmente conhecido como “Seu André”, proprietário da primeira farmácia da da Ilha, no Zumbi. Com 28 anos, Allan possui graduação em Sociologia pela Universidade Candido Mendes (UCAM – RJ) e Pós-graduação em Política e Planejamento Urbano, pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR – UFRJ).
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