…Deus não dá nada de graça!

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Wolf Kilss Lamb por Lukas Koster

O que há é o ser humano. Isso significa que sempre teremos problemas no desenrolar de uma vida. Me aponte alguém que não seja problemático. Isso não existe e nunca existirá!

Foi o que levou Freud a descobrir a psicanálise: o sujeito humano é todo crise consigo mesmo, é ele contra ele próprio. É assim, não tem jeito, nascemos doentes de nós mesmos. Todos carregamos uma existência de conflitos, maiores ou menores, que podem levar à uma vida difícil, insuportável. Suicídios e homicídios: uma mesma raiz! Mas, existe a lei a ser cumprida, e o discurso público – de onde nasce a escrita da lei – nem sempre se torna simpático com aquilo que se estruturou de uma vida privada, que herdamos do papai e da mamãe!

Os delitos praticados pelos menores nascem de um não suportar as suas angústias internas. Quando falta no sujeito uma capacidade de pensar ele é levado a promover atos abusivos. A violência é falta de pensar. Os atos transgressivos brutos são frutos de impulsos que não foram mediatizados pelas palavras dos pais. Isso leva alguém a esbarrar nos limites e nos direitos do outro. O respeito é a verdadeira conquista no trabalho da educação que é ministrada pelos pais e pelos professores. Os atos abusivos impedem o nascimento do respeito por si mesmo e pelo outro. O abuso está presente na origem da história do nosso País: somos frutos dos abusos praticados pelos nossos “civilizadores”. Somente a educação conseguirá construir um luto verdadeiro no sentido de nos separarmos de uma posição de desejo de submissão. Os nossos menores que praticam atos delinquentes são filhos de um abuso que diz respeito a todos nós!

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É o caso de menores infratores que, por terem tido uma infância muito pobre – aqui, em todos os sentidos -, agora acreditam que tem o direito de serem recompensados. Eles podem delinquir por acharem que a vida lhes deve, eles querem de volta uma infância, supostamente roubada, e se acham no direito de matar, de tomar do outro objetos desejados. Como lidar com essas questões limites na ordem civilizatória?

Esses jovens não conseguem pensar – isso deve ser bem pensado, refletido, pois trata-se do bom uso da capacidade de pensar e de julgar -, pois têm uma certeza de que nasceram lesados e que, portanto, o outro lhe deve. O menor que transgride uma lei há muito deu provas de uma dificuldade no ato do pensar. Por isso mesmo, a importância de uma boa intervenção nas escolas.

Os menores que sobrevivem numa transgressão vivem – ou viveram – imersos num espelho familiar adoecido, confuso, que os lançaram frente à uma realidade que lhes é insuportável. Eles agem sem saber a consequências de seus atos, pois não conseguiram assimilar, em seu psiquismo, o que poderia levar ao ato de responsabilidade. Não lhes foi passado na infância. Muitas vezes filhos de ninguém! O trabalho com os menores que transgridem deve se apoiar no um por um: são intervenções de retificação de uma vida.

Não existe ninguém que não carregue, nas suas costas, o peso dos traumas de seus antepassados. O problema maior, desde uma primeira infância, será de como lidar com isso que se herdou, e que precisa ser transformado em coisas novas, próprias, dentro do prisma de uma ordem de lei. O pecado original de cada um ter nascido, isso deve ser tomado em sua responsabilidade, é o custo que pagamos de um compromisso com os pequenos pecados dos pais.

De quê maneira vamos conseguir fazer com que um menor infrator, de alguma maneira, possa se responsabilizar pela sua existência! Cada um, à sua maneira deve procurar uma saída, não existe lobo sem cordeiro, somos responsáveis em nossa opção de viver.

Eu mesmo vim de uma história muito pesada. Passei pelos meandros do céu e do inferno. Cometi erros, transgressões, sofri o pão que o diabo amassou. Foi difícil mudar, mas não foi impossível. Isso é importante: esta questão da redução e de uma nova abordagem, da redução da maioridade penal, é difícil. Mas não é impossível!

Ontem, na solidão dos meus pensamentos, me recolhi no livro das minhas memórias, e procurei por uma, pelo menos uma, lembrança alegre da minha infância e adolescência. Não encontrei nada, nada mesmo. Mas, pude aprender à duras penas, que Deus não dá nada de graça pra ninguém! Estou errado?

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Médico, Psiquiatra e Psicanalista. Especialização e Mestrado em Psiquiatria (UFRJ); Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Brasília, Rio de Janeiro e Vitória; Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); Editor-chefe da Companhia de Freud Editora
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