Escrita e Pontuação Gráfica: Parte 1

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Dots por Francisco Barberis

Caros amigos leitores do Diário do Rio!

Vamos, ao longo de algumas colunas, publicar sobre um tema da língua que interessa de perto a todos aqueles que desejam escrever adequadamente: a pontuação gráfica.

É bastante frequente que se ensine em escolas e cursos que a pontuação gráfica diz respeito diretamente a aspectos que se consubstanciam antes na fala. Ou seja, diz-se, assiduamente, que a pontuação gráfica — sobretudo a vírgula — é um reflexo das pausas e das entonações típicas da língua falada.

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Até certo ponto isso é verdade — mas só até certo ponto! Como veremos, existem fatores de ordem sintática, semântica e estilística que também são decisivos para que o escritor decida por um ou outro sinal de pontuação.

Então, vamos começar nosso estudo sobre esse tema tão importante. Na semana que vem, publicarei mais uma dúvida de leitor que foi direcionada ao CEFIL — Centro Filológico Clóvis Monteiro —, da UERJ, de cuja equipe de consultoria gramatical sou coordenador.

Lembro aos leitores que, em caso de dúvidas atinentes ao português ou à redação, encaminhem suas dúvidas ao e-mail cefiluerj@gmail.com, e teremos prazer em responder todas as dúvidas, mesmo aquelas que porventura não sejam publicadas aqui no Diário do Rio.

Abraços,

Marcelo Moraes Caetano

Vírgula

Serve a vírgula para:

1. Separar termos ou orações com igual função sintática (isto é, coordenados), desde que não haja conjunção (isto é, desde que sejam assindéticos):

EXEMPLOS:

A casa, o campo, a cidade, tudo me atrai.

Pedro, José e Maria sairão cedo.

Gosto de maçã, de pera e de uva.

“Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela… Que linda manhã!” (Eça de Queirós)

“(…) está chovendo, estou com fome, o dia está belo.” (Clarice Lispector)

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” (Fernando Pessoa)

Bem como ocorre com orações, a vírgula poderá separar membros coordenados de frases nominais, isto é, destituídas de verbos:

EXEMPLOS:

“Acusações fáceis, provas difíceis.” (Jorge Amado)

“Aqui tão pouca força tem de Apollo

Os raios que no mundo resplandecem

Que a neve está contínuo pelos montes,

Gelado o mar, geladas sempre as fontes” (Camões, Lus., III, 8: 5-8)

2. Isolar o vocativo

EXEMPLOS:

Pedro, venha cá.

Ainda que em frases nominais:

Aqui, Pedro!

“Não sabes, criança? ’Stou louco de amores…” (Castro Alves)

“Temos embargos, donzela,

a serdes deste lugar, (…)” (Padre José de Anchieta)

Senhor, os reis são vassalos de Deus, e, se os reis não castigam os seus vassalos, castiga Deus os seus.” (Padre Antônio Vieira)

“Não vejas, Nise amada,

A tua gentileza

No cristal dessa fonte. (…)” (Claúdio Manuel da Costa)

“— Ó Meneses, aquilo que é?” (Camilo Castelo Branco)

3. Isolar o aposto (exceto o especificativo):

EXEMPLOS:

“A Rua Nova, a aorta de Lisboa, rica de seiva, chamara a redor de si toda a vida da população.” (Alexandre Herculano)

Temos aí dois apostos: “a aorta de Lisboa” e “rica de seiva”, ambos circunstanciais: “a aorta de Lisboa”- aposto comparativo; “rica de seiva” – aposto causal (q.v. nota n. 1). Poder-se-á interpretar “rica de seiva” como predicativo do sujeito, mas dificilmente se verá nela um mero aposto explicativo: na pior das hipóteses será, como o foi “a aorta de Lisboa”, um aposto comparativo.

4. Para marcar a elipse (ou a zeugma, simples ou complexa) de um verbo:

EXEMPLOS:

Um grande amigo, você.

Minha mãe foi ao cinema, eu, ao teatro.

Repare-se neste trecho de Guimarães Rosa, sem nenhum verbo – sem que, com isso, deixemos de reconhecê-los todos -, e como promoveu o Autor a substituição das ações (verbos) por vírgulas (e mesmo pontos):

“Na sala de jantar. A lamparina, no meio da mesa. Nos consolos, os grandes lampiões. O riso de Glória.”

5. Para evidenciar a ordem inversa, mormente se se desloca o adjunto adverbial:

EXEMPLOS:

Nos idos da infância, Pedro costumava ser gentil conosco.

Ao cair da tarde, nos encontraremos.

6. Isolar certas expressões explicativas, recapitulativas, enumerativas, retificadoras etc. (marcadores discursivos ou operadores argumentativos):

na verdade, por exemplo, com efeito, aliás, isto é, digo, ou melhor, a saber, ademais, então, outrossim, no fundo, apesar disso etc.

EXEMPLOS:

Ele, na verdade, já chegou.

7. Isolar orações ou termos intercalados:

EXEMPLOS:

Pedro saiu, amigo de sempre, para defendê-la.

Não vamos fazer nada, disse Pedro.

Isso não é bom, penso eu.

“Em cima da caixa emproava-se um tipo de chicote e bigode, um cocheiro, segundo me disseram, nome inadequado, na minha opinião.” (Graciliano Ramos)

8. Separar algumas orações subordinadas adverbiais, sobretudo (mas não exclusivamente) se vierem antes da principal, o que configura ordem inversa, recaindo, portanto, no item 5:

EXEMPLOS:

Quando cheguei, não havia ninguém ali.

Se eu quisesse delatar o que vos ouvi, não fora tão louco que vos falasse.” (Alexandre Herculano)

Falava tão alto, que sua voz nos incomodava.

9. Separar algumas orações reduzidas (gerúndio, particípio e infinitivo), mormente se vierem antes da oração principal:

EXEMPLOS:

Dadas as cartas, comecemos o jogo.

Vindo a noite, saíamos.

Para serem ouvidos, pegaram o microfone.

10. Separar adjetivos (e orações adjetivas) de cunho explicativo:

EXEMPLOS:

A irmã de Pedro, inteligente, aprende tudo com facilidade.

A irmã de Pedro, que é inteligente, aprende tudo com facilidade.

11. Separar do resto de uma datação o nome do lugar:

EXEMPLOS:

Rio de Janeiro, 22 de março de 1977.

Trazemos a datação dada ao final do prefácio à quinta edição do romance Amor de perdição, prefácio este escrito pelo próprio Camilo Castelo Branco:

“São Miguel de Seide, 8 de Fevereiro de 1879.”

12. Separar certos adjuntos adnominais, principalmente para dar-lhes ênfase e, mais corriqueiramente, dar-lhes característicos de expressão explicativa:

EXEMPLOS:

Este livro, de grande valor literário, comecei a lê-lo ontem.

Se se optasse pela ausência de vírgulas, estar-se-ia, no fundo, dizendo a mesma coisa, com diferença, entretanto, de ênfase: com as vírgulas fica esta mais bem evidenciada.

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PhD em Língua Portuguesa pela UERJ. É professor adjunto de língua portuguesa e filologia românica da UERJ e author and content developer da California State University. Tradutor de inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, latim e grego, pesquisador das filologias russa e mandarim. Escritor com mais de 40 livros publicados e premiados no Brasil e no mundo. Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia, do PEN Club Rio-Londres, da Académie des Arts, Sciences et Lettres de Paris e da Academía de Letras y Artes de Chile. Em 2011, recebeu a Comenda e a Médaille de Vermeil do Governo francês.
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