19 de abril, 20 anos do atentado de Oklahoma City; o extremismo e o verdadeiro patriotismo

Em 19 de abril de 1995, o atentado de Oklahoma City matou 168 pessoas e escancarou o perigo do extremismo interno nos Estados Unidos, travestido de patriotismo.

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Foto: Staff Sergeant Preston Chasteen - DefenseImagery.mil

O DIA EM QUE O TERROR SE VESTIU DE PATRIOTA: 19 DE ABRIL E O ATENTADO DE OKLAHOMA CITY

No dia 19 de abril de 1995, os Estados Unidos viveram uma de suas maiores tragédias. Às 9h02 da manhã, uma poderosa explosão destruiu parcialmente o edifício federal Alfred P. Murrah, no centro de Oklahoma City. O atentado matou 168 pessoas, entre elas 19 crianças que estavam em uma creche no prédio, e deixou mais de 600 feridos. Foi o ataque mais letal em solo americano até então — superado apenas pelos atentados de 11 de setembro de 2001.

Imediatamente após a tragédia, a comoção tomou conta do país. As primeiras suspeitas recaíram sobre grupos estrangeiros, especialmente fundamentalistas muçulmanos. Naquele contexto de insegurança e desinformação, foi fácil para a opinião pública associar o atentado a um inimigo externo. Mas a verdade era ainda mais assustadora: o responsável era um cidadão americano, branco, loiro, ex-combatente do Exército dos Estados Unidos.

O nome dele era Timothy McVeigh. Seu cúmplice, Terry Nichols, também havia servido às forças armadas. Juntos, eles planejaram e executaram o ataque com motivação política. Construíram uma bomba de fertilizante e combustível, colocaram-na em um caminhão Ryder e o estacionaram em frente ao edifício federal.

O ato foi milimetricamente calculado — até a data foi escolhida com simbolismo: 19 de abril marca o início da Revolução Americana, em 1775, e também o segundo aniversário do fim do cerco de Waco, outro episódio trágico envolvendo o governo federal e um grupo radical religioso fortemente armado, os Branch Davidians, liderados por David Koresh, que se consideravam escolhidos por Deus e esperavam um apocalipse iminente.

Esse episódio teve um fim trágico devido a erros da intervenção do FBI, que resultaram em um cerco de 51 dias e culminaram, em 19 de abril de 1993, na morte de 76 pessoas, entre elas mulheres e crianças, durante o incêndio que consumiu o complexo da seita no Texas.

A FACE DOMÉSTICA DO TERRORISMO E A RADICALIZAÇÃO DA EXTREMA-DIREITA AMERICANA

Timothy McVeigh não era um “lobo solitário” desorientado, tampouco um psicopata isolado. Ele era parte de uma rede de ideias radicais e discursos inflamados que há décadas alimentam o submundo da extrema-direita americana. Esses grupos — compostos por milícias armadas, supremacistas brancos, fundamentalistas religiosos e conspiracionistas libertários — enxergam o governo dos Estados Unidos como um inimigo interno. Negam a autoridade federal, veneram o direito irrestrito ao porte de armas e acreditam que cabe ao “verdadeiro patriota” resistir, inclusive com violência, contra o que chamam de “tirania estatal”.

O atentado foi, para eles, uma forma de “retaliação” pelas mortes ocorridas em Ruby Ridge (1992) e no cerco de Waco (1993), ambos envolvendo civis ligados a esses mesmos grupos extremistas.

Sobre o cerco de Waco, já comentei acima. E antes que algum leitor me pergunte, informo que o episódio de Ruby Ridge envolveu a família de Randy Weaver, um simpatizante de ideologias supremacistas brancas que havia se isolado com sua família em uma cabana nas montanhas de Idaho. Weaver havia sido acusado de vender ilegalmente armas de fogo e se recusava a comparecer ao tribunal. Isso levou a uma operação de vigilância do FBI e da ATF (Bureau de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo), que culminou em um cerco de 11 dias, entre 21 e 31 de agosto de 1992.

Durante a operação, um agente federal, o filho de Weaver de 14 anos e sua esposa foram mortos.

Esses dois cercos e a forma como foram conduzidos geraram fortes críticas à atuação do governo federal e passaram a ser utilizados como exemplo, entre militantes da extrema-direita, do que consideram um “Estado tirânico” em guerra contra cidadãos. 

McVeigh acreditava estar sendo fiel à Constituição, à liberdade e ao espírito revolucionário americano — uma interpretação delirante, que substitui o patriotismo pela destruição e a liberdade pelo caos.

A tragédia de Oklahoma City escancarou ao mundo o perigo do terrorismo doméstico. Foi um alerta brutal de que a violência ideológica não conhece fronteiras e pode surgir de dentro, impulsionada por discursos que, sob o verniz do nacionalismo, espalham ódio, medo e intolerância.

Passadas duas décadas, os Estados Unidos ainda enfrentam os fantasmas desse radicalismo interno. O discurso da extrema-direita continua ativo, agora potencializado pelas redes sociais, pela desinformação e por líderes que, muitas vezes, legitimam essas ideias em nome de uma liberdade deturpada.

O atentado de Oklahoma City não foi apenas um crime hediondo. Foi um grito de alerta. Um aviso de que o extremismo, mesmo quando se fantasia de patriotismo, pode se tornar a maior ameaça à própria democracia. Lembrar esse episódio é também resistir ao avanço da intolerância — e defender, com firmeza e serenidade, os valores que realmente sustentam uma nação civilizada.

A PÁTRIA DOS OUTROS: QUANDO O EXTREMISMO SE DISFARÇA DE PATRIOTISMO

O patriotismo é, em sua essência, um sentimento elevado. É o amor pela pátria, o respeito por sua história, a vontade de construir um país melhor para todos. No entanto, ao longo da história — e também nos dias atuais — esse sentimento tem sido sequestrado por ideologias autoritárias, racistas e violentas. Em vez de servir à união, ele passa a ser usado como justificativa para excluir, perseguir e oprimir. Em tempos de polarização extrema, é urgente reafirmar: patriotismo verdadeiro não se confunde com extremismo, nem se expressa por ódio ao diferente.

Nos regimes democráticos, o patriotismo se manifesta no compromisso com as instituições, no respeito à diversidade, na defesa do Estado de Direito e da convivência pacífica entre diferentes. O verdadeiro patriota sabe que o país não pertence a um só grupo, a uma religião, a uma cor, a uma ideologia. Ele ama, sobretudo, o povo — todo o povo.

Mas há quem tente reescrever esse conceito. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns extremistas de direita mantêm em suas estantes um livro considerado símbolo do radicalismo branco: The Turner Diaries (Os Diários de Turner), de William Luther Pierce, escrito sob o pseudônimo de Andrew Macdonald. A obra, uma ficção distópica, narra a luta de um grupo revolucionário branco que declara guerra ao governo federal americano, às minorias e ao que chamam de “decadência” da sociedade ocidental: negros, judeus, homossexuais, liberais, jornalistas e políticos.

Apesar de ser uma ficção, o livro serve como um verdadeiro manual para movimentos neonazistas, supremacistas brancos e milícias armadas. O FBI chegou a classificá-lo como “a bíblia da direita racista americana”. Não à toa, The Turner Diaries influenciou diretamente Timothy McVeigh, autor do atentado de Oklahoma City em 1995.

Um dos trechos desse livro ilustra com clareza como os extremistas distorcem a ideia de patriotismo para justificar a violência:

“Que impacto foi para nós! E como nos envergonhou! Toda aquela conversa valente dos patriotas: ‘O governo nunca tomará minhas armas’, mas nada além de submissão calada aconteceu.”

Nesse fragmento, fica evidente que os extremistas de direita gostam de se autodenominar “patriotas”, mas o que entendem por esse termo está longe de qualquer ideal democrático. Para eles, o verdadeiro “patriota” é aquele que está disposto a confrontar o Estado — inclusive com armas — sempre que suas convicções ideológicas forem contrariadas. A palavra, que em regimes democráticos remete ao amor à pátria, ao respeito às instituições e à convivência com a diversidade, é ressignificada como um símbolo de resistência armada contra qualquer forma de autoridade estatal.

Essa apropriação indevida do termo não é nova. No livro Mein Kampf (Minha Luta), escrito por Hitler e que tem 489 páginas, a palavra “pátria” aparece 141 vezes — uma média de uma menção a cada 3,47 páginas. Ou seja, até mesmo regimes totalitários e genocidas invocaram reiteradamente a “pátria” para legitimar o autoritarismo e o ódio.

“DEUTSCHLAND ÜBER ALLES”: A EXALTAÇÃO DA PÁTRIA COMO ARMA IDEOLÓGICA

Tanto é que, durante o regime nazista, a expressão usada por Hitler e amplamente repetida nos comícios do Terceiro Reich era: “Alemanha acima de tudo” — em alemão, “Deutschland über alles”.

Essa frase fazia parte do hino Das Lied der Deutschen (A canção dos alemães), composto por August Heinrich Hoffmann von Fallersleben em 1841, quando a Alemanha ainda era fragmentada em dezenas de pequenos estados. À época, a expressão expressava um anseio de unidade — colocar a ideia de uma Alemanha unificada acima dos interesses regionais.

No entanto, sob o nazismo, “Deutschland über alles” foi ressignificado como exaltação da superioridade nacional e racial. Transformou-se em grito de guerra, em mantra de um projeto autoritário e que exterminaria milhões de pessoas.

Após a queda do regime nazista, a Alemanha manteve o hino, mas baniu o uso da primeira estrofe, que continha esse verso. Hoje, apenas a terceira estrofe, que fala de liberdade, unidade e justiça, é considerada o hino oficial do país. O uso isolado da expressão “Deutschland über alles” está associado à apologia ao nazismo e, fora de contextos acadêmicos ou históricos, pode configurar crime — algo punido com rigor na legislação alemã.

Esse episódio mostra, mais uma vez, que expressões aparentemente patrióticas podem ser sequestradas por regimes autoritários para justificar violência, exclusão e morte.

O QUE É SER PATRIOTA, DE VERDADE

Essa é uma estratégia conhecida: envolver o extremismo em bandeiras, transformar ideias radicais em “defesa da pátria” e rotular opositores como traidores.

Um exemplo contemporâneo é o de Jared Taylor, ideólogo da supremacia branca nos Estados Unidos. Taylor defende abertamente que os Estados Unidos devem preservar sua identidade branca e europeia. Em suas declarações, ele associa o verdadeiro patriotismo à manutenção da predominância racial branca, o que torna seu conceito de pátria intrinsecamente excludente.

O verdadeiro patriota, ao contrário, é aquele que defende o país real — com sua pluralidade, suas contradições, suas cores, culturas e crenças. Patriotismo não é exclusão. não é silenciar adversários. não é gritar slogans agressivos enquanto se nega o direito dos outros existirem. Patriotismo é respeitar, proteger, construir. É conviver.

Ser patriota não é agredir. É acolher. É fazer do país um lugar melhor para todos — e não apenas para os que pensam igual a você.

Porque, no fim das contas, a bandeira é de todos. e ninguém ama o país sozinho.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Eu acredito que tais acontecimentos encontram um ambiente perfeito nos EUA.
    Ambiente perfeito está em que permitido o home school e as liberdades em sentido amplo. O ser humano já adora uma teoria da conspiração. Com aqueles elementos, então, seitas e pensamentos fundamentalistas se proliferam.

    Embora ao menos a resposta existente na maioria dos estados – pena de morte – seja proporcional como retribuição ao mal praticado (quanto ao método, injeção letal ou cadeira elétrica – talvez não; ideal seria enforcamento como no Japão). Muito preferível que a punição máxima no Brasil que os condenado por crimes gravíssimos passam no máximo uma fração de tempo da pena presos pela ilusão de ressocialização e enganosa ideia de humanidade.

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