
Após as eleições de 2024, janeiro é o mês da posse dos prefeitos e vereadores escolhidos nas urnas. Tempo da chamada dança das cadeiras e nomeação de novos secretários e gestores. Acompanho de perto as políticas locais porque fui criado na Baixada Fluminense (Mesquita/RJ), onde a máquina pública sempre exerceu muito maior influência (inclusive financeira) na vida das pessoas.
Lá atrás, no início da minha carreira, trabalhei no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac, entre 2008 e 2015. Dez anos se passaram desde minha saída. Fiz muitos amigos. Sinto saudade deles e orgulho dos nossos feitos, só possíveis porque há muita gente séria e comprometida no serviço público -mesmo com todas as dificuldades.
Naquele período, criamos um portal de inventário e outro somente para bens culturais procurados (BCP) (ainda disponíveis no site do Instituto), publicamos dois catálogos da Arte Sacra Fluminense e iniciamos os Seminários para a Preservação de Bens Móveis e Integrados – que chegará à sexta edição em 2025.
Eram tempos de transição do mundo analógico para o digital; as redes sociais ainda engatinhavam (Orkut e o velho Facebook estavam no hype) e não havia o arcabouço tecnológico atual, onde imagens, informações e até textos em inteligência artificial são gerados com poucos cliques ou toques no celular.
Vivíamos (sem saber) a última era do contato presencial, do tête-à-tête. Aplicativos tipo Google Meet, Zoom, Teams etc. eram ferramentas que a gente só via nos filmes. No máximo, havia o Skype. E quase todo mundo se comunicava mesmo era por SMS e MSN; o Zapzap tava começando sua dinastia…
Por conta dessa circunstância histórica, fiz amizade e estabeleci parcerias com muitos proponentes e autoridades dos municípios do interior e região metropolitana do estado.
A chegada do Inepac nesses locais era motivo de entusiasmo e expectativa. Afinal, nós (altivos representantes do Governo do Estado) gozávamos do protagonismo na elaboração de planos, estratégias e na execução finalística das políticas ligadas ao patrimônio cultural. Noutras palavras, a bola estava conosco, mesmo com o orçamento exíguo típico das pastas da cultura.
Hoje, com o reordenamento das correlações de força e novas composições legislativas, percebo pela primeira vez que talvez os municípios já não dependam exclusivamente dos órgãos de museus e patrimônio (alguns vivem uma profunda crise de desmonte institucional) para alicerçarem e fomentarem políticas culturais.
Por um lado, há a internet. É fato e é inexorável. Pessoas de fora do estado e do país podem ser consultadas numa chamada de vídeo. Há plataformas ensinando de tudo um pouco. Sabendo formular as perguntas adequadas, obtém-se respostas satisfatórias para muitas coisas do mundo prático e até teórico.
Por outro – e esse sim me preocupa – há uma mudança no fluxo do dinheiro: os novos gestores buscam se associar aos parlamentares na esperança de receberem emendas e outras formas de incentivo. Secretários e secretárias são nomeadas porque “conhecem o deputado fulano, que vai mandar emenda pra nós.”
Ora, se o poder executivo perde a prerrogativa de traçar prioridades de fomento e investimento, cria-se um modelo teratológico de gestão pública.
Fortalecer laços com o Ministério da Cultura – MinC e a Secretaria de Estado de Cultura – SECEC virou, portanto, um escopo secundário; é um sintoma do semi-parlamentarismo oficioso que vigora atualmente no Brasil.
E eu não tiro a razão dos gestores municipais (e nem tenho a intenção de criticar parlamentares que apoiam a cultura): o campo quase sempre precisa escapar da inanição com muita criatividade e prospectando oportunidades.
Mas não podemos deixar de sublinhar a discrepância de o legislativo capitanear o orçamento e entregá-lo na ponta final aos municípios, onde estão as comunidades que realmente precisam do fomento cultural, sem um diálogo mais profícuo com o executivo.
É chegada a hora dos planos e programas culturais trazerem o legislativo para a roda de conversa.
Ou, em alguns anos, o MinC, a SECEC e suas vinculadas terão pouca ou nenhuma influência sobre as políticas culturais brasileiras que chegam de fato até as populações.