Em 29 de abril de 1945, o mundo assistiu a um dos episódios mais impressionantes da Segunda Guerra Mundial:
15 mil soldados inimigos se renderam à Força Expedicionária Brasileira (FEB), nos arredores de Fornovo di Taro, na Itália.
Sob o comando do General João Baptista Mascarenhas de Morais, os pracinhas brasileiros cercaram e derrotaram o que restava da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, reforçada por unidades da 90ª Divisão Panzergrenadier e por duas divisões italianas fascistas.
O saldo da rendição foi histórico:
14.779 prisioneiros (incluindo soldados alemães e fascistas italianos);
4 generais capturados;
Mais de 4.000 veículos apreendidos;
Cerca de 80 tanques e blindados rendidos;
Centenas de peças de artilharia, morteiros e metralhadoras.
Essa vitória brasileira foi decisiva para o colapso final das forças nazifascistas na Itália.
Foi, aliás, a maior rendição de tropas inimigas a uma força latino-americana em toda a história.
E é essa façanha — muitas vezes esquecida — que celebramos hoje, 80 anos depois.
A participação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial
A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial não foi imediata. O então presidente Getúlio Vargas titubeou entre apoiar os Estados Unidos ou manter a neutralidade, buscando obter vantagens econômicas e militares tanto dos Aliados quanto da Alemanha nazista.
Foi apenas após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães — e diante da crescente pressão popular, especialmente de movimentos como a União Nacional dos Estudantes (UNE), que organizou grandes manifestações patrióticas — que o governo brasileiro declarou guerra ao Eixo, em agosto de 1942.
A parceria estratégica com os Estados Unidos resultou na construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e marcou o início da modernização das Forças Armadas brasileiras, além de consolidar o alinhamento definitivo do Brasil ao lado dos Aliados na luta contra o fascismo.
A Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi enviada ao Teatro de Operações da Itália entre 1944 e 1945.
Composta por 25.334 combatentes, a FEB atuou bravamente ao lado das forças aliadas, libertando cidades, vencendo batalhas decisivas e provando o valor do Brasil perante o mundo.
A participação brasileira em números:
25.334 combatentes enviados;
1.577 feridos em combate;
487 acidentados em combate;
658 acidentados fora de combate;
457 mortos em combate;
35 prisioneiros em poder dos inimigos;
23 desaparecidos.
O Brasil foi o único país da América Latina a enviar tropas para combater na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto o México participou das ações aéreas no Pacífico, com sua Esquadrilha de Caça nas Filipinas, o Brasil destacou uma divisão inteira para a Itália — missão muito mais arriscada, complexa e extensa.
Ao lado dos aliados, a FEB libertou cerca de 50 localidades italianas e participou diretamente da derrocada final do nazifascismo na Europa.
O símbolo da FEB: “A Cobra Vai Fumar”
Antes da formação da Força Expedicionária Brasileira, muitos duvidavam que o Brasil realmente fosse entrar na guerra.
A frase popular dizia:
“É mais fácil uma cobra fumar um cachimbo do que o Brasil ir para a guerra.”
Quando a FEB foi criada e enviada para o front, os próprios soldados se apropriaram da ironia e a transformaram em grito de guerra:
“Agora a cobra vai fumar!”
A cobra fumando um cachimbo foi bordada nos uniformes dos pracinhas, tornando-se um dos símbolos mais emblemáticos da Segunda Guerra Mundial.
O símbolo da cobra fumando ganhou ainda mais força simbólica quando, em 1944, a pedido do jornal O Globo, o estúdio de Walt Disney criou uma versão especial da cobra com cachimbo em homenagem à Força Expedicionária Brasileira — um gesto que eternizou o espírito de bravura dos nossos pracinhas também no imaginário mundial.
Além disso, o 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, que também atuou na Itália, popularizou outro lema cheio de bravura:
“Senta a Pua!”
Essa expressão brasileira significava “atacar com tudo”, sem hesitação ou medo.
Veja esses símbolos no sítio abaixo:
https://drive.google.com/file/d/1pSWj9S0LzIddHuFK0AqIRgOnND7NUo46/view?usp=drivesdk
O termo “pracinha”: carinho e resistência
O termo “pracinha” vem de “praça”, no jargão militar, que se refere a soldados de graduação mais baixa — cabos, soldados e sargentos.
“Sentar praça” é a expressão usada para quem ingressa no serviço militar.
O diminutivo “pracinha” foi adotado com carinho pelo povo brasileiro para homenagear a coragem e simplicidade desses soldados que cruzaram o oceano para lutar contra a tirania.
Mas muitos expedicionários não gostavam do termo, achando que dava uma conotação de inferioridade, incompatível com a bravura demonstrada em batalha.
O retorno dos heróis e o impacto na queda da ditadura de Getúlio Vargas
O retorno dos heróis da Força Expedicionária Brasileira, que combateram bravamente as ditaduras de Hitler e Mussolini em solo europeu, imprimiu no Brasil uma força simbólica irresistível pela democracia.
Após ver seus filhos derramarem sangue pela liberdade em terras distantes, a Nação não mais toleraria o jugo da tirania.
Assim, sob o peso da própria história que ajudaram a construir, os atos dos pracinhas da FEB na Itália tornaram-se agentes silenciosos que justificaram a queda do Estado Novo, levando à derrubada de Getúlio Vargas e abrindo caminho para a redemocratização do país em outubro de 1945.
Os soldados brasileiros que haviam lutado contra o fascismo não aceitavam retornar a um país sem liberdade.
Como vários parlamentares da época reconheceram, a experiência democrática vivida nos campos de batalha europeus influenciou diretamente a exigência popular pela redemocratização no Brasil.
O fascismo hoje: o ovo da serpente que nunca deixa de ameaçar
O heroísmo da FEB deve ser lembrado não apenas como memória histórica, mas também como advertência para os tempos atuais.
O fascismo, embora derrotado nas batalhas na 2ª Guerra Mundial, nunca foi inteiramente extinto.
Como já alertava a metáfora do “ovo da serpente” — muito usada para descrever o surgimento do nazifascismo na Europa —, os germes do autoritarismo, do ódio e da intolerância continuam incubados.
Se negligenciados, podem chocar novamente e ameaçar a democracia.
Hoje, setores extremistas tentam relativizar ou apagar os horrores do fascismo.
Mas o exemplo dos pracinhas permanece como uma luz a nos guiar.
Eles lutaram para que a liberdade, a democracia e a dignidade prevalecessem.
E continuam, mesmo em memória, a lutar conosco.
Os heróis em 2025: o Censo dos Veteranos da FEB
Graças ao trabalho dedicado do Censo Permanente da FEB, conseguimos manter viva a memória daqueles que, com bravura, escreveram uma das páginas mais gloriosas da história brasileira.
Segundo a última atualização (01/03/2025), existem ainda 43 veteranos da FEB vivos.
Distribuição dos veteranos por estado:
Ceará – 2 veteranos
Distrito Federal – 1 veterano
Espírito Santo – 1 veterano
Goiás – 1 veterano
Mato Grosso – 1 veterano
Mato Grosso do Sul – 1 veterano
Minas Gerais – 5 veteranos
Pará – 1 veterano
Paraíba – 2 veteranos
Paraná – 2 veteranos
Pernambuco – 3 veteranos
Rio de Janeiro – 6 veteranos
Rio Grande do Sul – 5 veteranos
Santa Catarina – 2 veteranos
São Paulo – 10 veteranos
Você pode conferir a relação atualizada dos nossos heróis expedicionários vivos no seguinte sítio:
https://docs.google.com/spreadsheets/d/137J1MQZ6FZfwpZ06t7WjtAIegwIgFPsF8coogX2IkPE/htmlview
Análise das idades dos veteranos:
Mais novo veterano: Joaquim Ignacio Goulart Mayer (nascido em 06/11/1925) — 99 anos.
Mais velho veterano: Nestor da Silva (nascido em 13/07/1917) — 107 anos.
A maioria dos heróis ainda vivos tem atualmente entre 99 e 104 anos. Não temos nenhuma mulher nessa lista.
As técnicas que mantiveram viva a memória dos pracinhas
As informações apresentadas no Censo em tela foram fornecidas pelas diversas seções regionais da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB) e da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil (AECB), além de algumas organizações militares, variados historiadores, pesquisadores independentes, familiares de veteranos e postagens localizadas na imprensa e nas redes sociais. Cada nome localizado ou indicado teve as informações cruzadas com os dados disponíveis no portal BancoDeDadosFeb.com.br e no livro Almanaque Segunda Guerra Mundial (Luiz Fagundes, 2015).
O Censo Permanente da FEB utilizou também metodologias específicas para localizar e preservar a história dos veteranos:
Micro-história: Foco em trajetórias individuais para compreender a história em escala humana.
Técnica de “bola de neve”: Um veterano indicava outro, que indicava outro, expandindo assim a rede de localização de combatentes.
Essas técnicas foram essenciais para resgatar as últimas vozes vivas de uma geração que salvou o mundo do horror fascista.
A Canção do Expedicionário: a voz da saudade, da coragem e da vitória
Poucas músicas expressaram tão bem o espírito dos soldados brasileiros quanto a Canção do Expedicionário.
Letra completa da “Canção do Expedicionário”:
(Letra: Guilherme de Almeida | Música: Spartaco Rossi)
Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
Das selvas, dos cafezais;
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais.
Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Do pampa, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal.
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil!
Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão.
Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim.
Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil!
Você sabe de onde eu venho?
É de uma pátria que eu tenho
No bojo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreiro,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina
Onde canta o sabiá.
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil!
Composta por Spartaco Rossi e com letra de Guilherme de Almeida, a canção nasceu de um concurso promovido pelo jornal Diário da Noite, de São Paulo, para homenagear os heróis brasileiros enviados à Itália.
Francisco Alves, o lendário “Rei da Voz”, foi o primeiro grande intérprete da obra, em gravação histórica realizada em 8 de setembro de 1944, acompanhada pela Orquestra Odeon, sob a regência do maestro Fon-Fon.
A canção é uma verdadeira “rapsódia” nacional: seus versos fazem referências ao Hino Nacional Brasileiro, a poemas de Gonçalves Dias, a trechos de José de Alencar, e a músicas populares como Meu Limão, Meu Limoeiro e Luar do Sertão.
O refrão inesquecível ecoa a esperança e a fé dos nossos pracinhas:
“Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá…”
Eu me emociono profundamente sempre que ouço essa canção — símbolo do sacrifício, da bravura e do amor à pátria que animou nossos expedicionários.
Durante o período sombrio da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), a Canção do Expedicionário voltou a ecoar como símbolo de esperança e resistência.
Seu trecho mais emblemático — “Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que volte para lá” — foi utilizado em campanhas e manifestações que exigiam o retorno dos exilados políticos ao país.
O canto dos pracinhas, que simbolizara a luta contra o fascismo na Europa, transformou-se novamente numa bandeira pela liberdade em solo brasileiro.
Ouça a Canção do Expedicionário nos seguintes sítios:
Canção do Expedicionário – versão moderna:
Canção do Expedicionário – versão histórica com Francisco Alves (1944):
https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65620/cancao-do-expedicionario
Sobre a trajetória da FEB: vídeo recomendado
Para quem deseja conhecer melhor a epopeia dos nossos heróis, recomendo assistir ao excelente vídeo que acompanha a história da FEB, desde a partida do Brasil até a vitória na Itália:
O vídeo traz imagens históricas, músicas compostas pelos próprios soldados e trechos de radioteatro da época.
A chama da liberdade permanece acesa
O exemplo dos soldados da FEB permanece vivo, como sentinelas da liberdade que nunca abandonaram seu posto.
O fascismo, o autoritarismo e o ódio nunca desaparecem totalmente: eles se escondem, disfarçados, aguardando a oportunidade de romper novamente o ovo da serpente, como alertava a metáfora usada para descrever o surgimento do nazifascismo.
Hoje, mais do que nunca, devemos relembrar o heroísmo dos pracinhas para resistir a todas as formas de tirania que ameaçam a democracia.
Eles lutaram para que a liberdade, a dignidade e os direitos humanos prevalecessem.
E continuam, mesmo em memória, a lutar conosco.
A Cobra Fumou. E continuará fumando sempre que for necessário defender a liberdade!