Amigos, ganhei na mega. Não é fake news. Um amigo me ligou, alertando. Ele disse: “ganhamos na mega”. Eu perguntei: “mega-sena?” Ele acrescentou: “isso, nosso bolão”. Eu duvidei: “é pegadinha?”. Ele confirmou: “dessa vez é sério”. A partir daí, entrei em um estado meio febril, meio delirante, e não consegui mais acompanhar o que ele dizia, sua voz ficou longe. Só me lembro dele comentando algo como doze pessoas, ou doze milhões, e eu concordando com tudo, naquela concordância besta dos afortunados.
Estava sem o meu cartão premiado comigo, é claro, pois um volante da mega-sena é algo que não saímos carregando por aí, por medo de perder ou por medo do ridículo. A probabilidade de ganhar com uma aposta simples é uma em 50 milhões, segundo os estatísticos, duas vezes menor do que a de ser canonizado. Então, mais seguro mantê-lo em casa.
Atordoado, parei pra tomar um chope no balcão de um boteco. “Não posso perder esses hábitos”, comentei comigo mesmo, em voz alta, para o estranhamento do sujeito ao meu lado, que preenchia continuamente seu copo americano com o conteúdo da garrafa de cachaça à sua frente. “Pois não perca”, disse ele, levantando o copo, do alto de sua sabedoria.
Lembrei-me do meu avô paterno, que uma vez acertou os 13 pontos na loteria esportiva, a mega-sena da época. Era início dos anos 70, ele e a família já vivam em Brasília, e o prêmio então só era entregue no Rio de Janeiro. Meu avô não hesitou: colocou todo mundo em um avião e se mandaram para a Cidade Maravilhosa, esperando o resultado do rateio, que demorava alguns dias, naquele mundo analógico. Gastaram por conta da fortuna que inevitavelmente chegaria em algumas horas, despedindo-se da vida de classe média para entrar no clube dos milionários. Só faltou ele acender seu inseparável Hollywood sem filtro com notas de dólares. Ainda bem que não o fez, pois nesse concurso muita gente acertou os 13 pontos, e, nas contas mais otimistas, meu avô gastou 4 vezes mais do que ganhou.
Eu, escaldado por essa história, não repeti o mesmo erro. Apenas passei em casa, peguei o bilhete premiado, fui a uma loja chique e comprei os melhores queijos importados e a melhor garrafa de vinho (“Não quero ver o preço. Passa no débito. Parcelar?, claro que não. Tá aqui uma gratificação. Obrigado”). Comemorar, sim, mas discretamente.
Cheguei à lotérica meio constrangido, meio com medo de me revelar em frente aos outros clientes. Cochichei à caixa: “Vim re…er um …êmio”. Ela gritou: “É o quê?”. Aumentei um pouquinho a voz: “Prêmio. Vim buscar”. Ela berrou: “Ah, é um prêmio, é?”. Eu: “É…”. Ela: “Dá aqui o cartão”. Eu: “Toma”. Ela: “É da mega!”. Nesse momento, todos os clientes me olharam, e eu já pensava em contratar dali mesmo uma escolta para me acompanhar em casa.
Ela continuou: “Tô vendo aqui, são doze”. Eu: “Milhões?”. Ela gargalhou alto, acompanhada dos demais ali presentes: “Doze ganhadores, meu lindo”. Pensei que não seria mal dividir o prêmio acumulado com onze pessoas: “Então, quanto dá?”. Ela: “Deixa ver…”. Fiquei tenso. Aquele número mudaria minha vida. Agora, poderia me dedicar exclusivamente à escrita e ao ócio, “a ave onírica que choca os ovos da existência”, como dizia meu professor Eli.
“Então”, disse ela. “Depois da divisão, dá cento e cinquenta e cinco e trinta e dois”. Assustei: “Milhões?”, pensando em quantas instituições e necessitados iria poder ajudar. Ela: “Claro que não, meu lindo”. Corrigi, meio frustrado: “Mil?”, diminuindo consideravelmente a lista de beneficiados. Ela: “Cento e cinquenta e cinco reais e trinta e dois centavos, você acertou a quadra, meu lindo, e o prêmio foi dividido pelos doze do bolão, essa é a parte que te cabe nesse latifúndio”, vaticinou, me esticando cinco notas e uma moeda, que caiu e saiu rolando pelo chão, eu correndo atrás.
Ótimo, gostei…
O onirismo mais tentador do homem, encontrando-se com a realidade daquela vital moedinha fujona…
Ou um sonho momentâneo, que inesperadamente se choca com o triste pesadelo existencialista da escassez…
O negócio é continuar sonhando com os seis números mágicos ou, quiçá, com a canonização, patrocinada pelo tão angustiante calvário desses dados caprichosos…
Ah, desta vez vai!… Ou rarara, racha?…