Jackson: A crise do Carioca é de identidade

No Rio, não se vê oportunidade nas crises e na raiz de todas elas estão uma crise de identidade, com os sintomas mais graves

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Ilha Fiscal - Foto: Rafa Pereira/Diário do Rio

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

Crise é uma palavra que não sai de moda aqui no Rio de Janeiro. Pode conferir. Temos crises para todos os discursos políticos, em todas as épocas, e não seria eu a pessoa a fugir dela quando escrevo sobre a cidade e sua história.

O Presidente John Kennedy criou um significado romântico e motivador para as crises quando, de modo próprio e exclusivo, traduziu o ideograma chinês que representa a palavra. O Presidente, num discurso que fez em abril de 1959, referiu-se à palavra no chinês como sendo a representação de perigo e oportunidade.

Uma vez me engracei a citar Kennedy e a frase dele numa reunião-palestra com colegas do Banco do Brasil, quando se criou o Banco do Brasil de Investimentos, BB-BI. Yan, um colega chinês, enfureceu-se comigo e deitou falação: “Essa tradução faz a gente gostar das crises e só doentes se sentem bem em crise. A leitura correta do ideograma é: “a crise é um perigo num momento crucial”. Yan faleceu cedo, mas deixou a lição.

As crises que os cariocas conhecem e sobre as quais discursam quando estão na política confirmam o entendimento do meu colega Yan, mais do que o entendimento do grandioso Kennedy. As crises aqui sempre representaram e representam um perigo crucial de piora de nossa situação, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, como aconteceu não poucas vezes.

No Rio, não se vê oportunidade nas crises e na raiz de todas elas estão uma crise de identidade, com os sintomas mais graves: falta de estima e depressão. Ficamos tristes e com raiva, porque insistimos em viver algo que não dá mais para viver.

Em 1889, o Brasil livrou-se da monarquia, para o bem e para o mal, mas os cariocas vivem ainda os costumes da Corte. Os governantes gostam dos palácios como moradia e local de trabalho e exportaram o costume para o Brasil todo.

Esse comportamento monárquico me chamou a atenção em 2018, quando a Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, convidou o empresário, hoje deputado federal por São Paulo, Luiz Philippe Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, para uma resenha sobre o livro que ele escreveu: “Por que o Brasil é um país atrasado”.

O título dado a Luiz Phillipe no encontro foi o de “Príncipe” e nenhum outro. Príncipe ele não é e nem precisa ser, porque, sem ser, ele mostra que é um intelectual liberal de valor. Um professor; um escritor. Existiram muitos títulos engrandecedores para identificar Luiz de Bragança, mas os organizadores do evento preferiram o de “Príncipe”.

O plebiscito de 1993, que decidiu sobre monarquia e república, mexeu com os cariocas, mais do que com o resto do povo brasileiro. Em todo o país, a monarquia obteve melhores resultados no Rio e em SP. Quem sabe se no Rio por esperança e saudade e, São Paulo, por ser cômico, ou por ter por lá um número bom de cariocas perdidos.

O Rio deixou de ser Capital da República em 21 de abril de 1960. Trinta e dois anos depois, cariocas importantes ainda insistiam no retorno dela para o Rio de Janeiro. Houve até um movimento político, noticiado intensamente pela imprensa.

No dia 13 de março de 1992, o Jornal do Brasil publicou “Uma defesa intransigente do Rio”, matéria assinada por Angela Regina Cunha: “Apesar do sobrenome, o professor de Filosofia, João Ricardo Moderno, 38 anos, prega uma volta ao passado, quer a desfusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, a volta da Capital para o Rio e que a cidade fique sem pivetes, trombadinhas, mendigos, camelôs e violência”.

No dia 15 de setembro do mesmo ano, houve, no mesmo jornal, “Órfãos do Rio Capital”. Lá está uma declaração do governador Marcello Alencar, que recepcionava a ECO-92: “A vocação do Rio é ser Distrito Federal”. Portanto, a oportunidade – um evento de visibilidade internacional positiva – fez-se perigo num momento crucial, na tradução do meu amigo Yan.

No próximo artigo, porque este já vai longe demais, tratarei ainda dessa crise de identidade, que é algo sem sentido para quem vive as belezas naturais e históricas do Rio de Janeiro. Será o momento de falar sobre a crise de identidade das pessoas honradas com as oportunidades de governar a Cidade.

Os médicos sabem que só há um meio para curar as doenças sem matar o paciente: conhecer com clareza os sintomas para fazer o diagnóstico correto.

Até lá, gente boa. Obrigado pela audiência.

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Formado em Ciências Econômicas na Universidade Católica de Brasília e Ciência Política na UNB, fez carreira com dezenas de cases de campanhas eleitorais majoritárias e proporcionais. É autor de, entre outros, “Que raios de eleição é essa”, Bíblia do marketing político.

2 COMENTÁRIOS

  1. Silvio, concordo contigo. E digo mais, a capital não voltará – a monarquia um dia talvez volte, ok, mas o mais importante aqui é falar do RJ. Esta preguiça e improviso que você fala são cantados em prosa e verso como coisas BOAS por nossas elites e os artistas. Essa indolência malemolente é vista como coisa boa. Cumprir ordem para que o respeito à coisa alheia seja garantido… não existe! O Estado e a Prefeitura são encarnações históricas ainda do antigo Estado do RJ e da Guanabara. E infelizmente ambas não respeitam a coisa pública: não respeitam contratos, não pagam pontualmente, estouraram suas capacidades de investimento, permitem a bandidagem grassar. Já no campo privado, deixe a sua propriedade quieta sem monitoramento um tempo: em poucos dias já lhe depredam tudo, levam-lhes até as esquadrias de alumínio e a saqueiam. Dinheiro não aceita desaforo: não há negócio que sobreviva assim!

    O ressurgimento do RJ virá quando nos convencermos que o caminho a trilhar é pelo respeito pela coisa pública e pela coisa privada do próximo. Reduzir impostos, pagar o que se deve, cumprir a lei e fazer cumprir a lei.

  2. Seu texto inicial, Sr. Jackson Vasconcelos, vem discutir um tema muito importante. No caso, acho que o problema de muitos cariocas, em destaque alguns dos “formadores de opinião”, é se apegarem a hábitos anacrônicos, e insistir em converter defeitos em virtudes. Por exemplo, a preguiça e o improviso são tantas vezes “exibidos” como ‘esperteza’ e ‘jogo de cintura’ naturais do carioca! Se a vocação óbvia e histórica da cidade do Rio de Janeiro é como polo comercial e turístico – pela posição geográfica e topografia -, então temos que atualizar nossa forma de lidar com a educação, o trabalho e a interação social de uma forma atualizada, necessária e urgente. Ou seja, para “as coisas darem certo” tem-se que dispender esforço de organização, cooperação e observação ao que já deu certo pelo mundo. Temos que abandonar o comodismo, a arrogância e a irresponsabilidade, buscando assim uma nova IDENTIDADE que somente de uma forma objetiva e integrada será CONQUISTADA. Jamais “achada” ou “(re)vista”!

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