Crítica de teatro: O alienista. De médico e de louco todos nós temos um pouco

Colunista Claudia Chaves fala sobre peça da Cia Teatro Epigenia

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A novela  O Alienista, de Machado de Assis,  marca a obra do autor como uma metáfora do principal embate do Século 19, ainda que a ação se passe no Século 18. O cientificismo como norma, estrutura de poder em detrimento da vida cotidiana, dos prazeres. O personagem principal, Doutor Simão Bacamarte, revela a dedicação do médico, obcecado com seus estudos na área de psiquiatria.

Publicada como folhetim, O Alienista fala do  assunto da época, a loucura, as casas de loucos, a procura da cura e a mistura com as questões de interesses políticos, da ambição e do poder como derivativos dos comportamentos psicóticos. A importância de Porfírio que de antagonista se transforma em duplo faz com que toda ação se realize sempre em dois planos: o ponto de vista dos personagens e a ação dos outros que devem se submeter a esse ponto de vista.

É desse caldeirão de temas, personagens emblemáticos, da estrutura dupla que a Cia. Teatro Epigenia, comemorando 22 anos, reinventa o Alienista, com  texto de Gustavo Paso e Celso Taddei, direção do primeiro e elenco de 14 atores em cartaz na Sala Principal da Cidade das Artes. Apesar de o texto machadiano ser leve e crítico,  a trama fica pesada, difícil, pelas ações que se desenvolvem.

A opção pelo tom farsesco apoiada em um cenário e figurinos de cinza e preto, com os atores maquiados com as máscaras comuns da Commedia Dell’arte mantém a bela  contradição do original que faz com que o leitor/espectador se envolva com prazer, pois as palavras nos divertem, enquanto as ações nos perturbam.

A dupla operação permite que o texto incorpore frases e atitudes que marcam o absurdo que vivemos em nossos dias. A brincadeira contínua é viga mestra. Episódios como a viagem aos Estados Unidos, as idas e vindas do Legislativo, o estabelecimento do que é certo ou errado, do que é loucura ou normalidade, quem deve ser internado e quem não deve fazem de Simão como um deus que se permite jogar seus raios, escolher uns alvos e salvar a outros.

A direção de Gustavo Paso valoriza o grupo de atores que ora são parte do Coro, ora são personagens com vida própria, ainda que o uso de microfones leve a um tom mais alto do que necessário. Quando coro, estão na passarela, uma instância superior. Como personagens, se movem em torno de uma grande mesa. Atrás da passarela, os vidros se colorem de verde para determinar que estão no hospício, denominado de Casa Verde. Assim, o cenário é um elemento narrativo que muito colabora para o clima de entendimento.

Em quase duas horas, assiste-se à subida ao poder e a queda; a loucura  como desvio mental e o que chamamos de normalidade como loucura. O Alienista acaba por ser uma tradução de  duplo sentido da palavra: aquele que aliena e aquele que se aliena. E, com acerto, nos remete ao dilema de hoje no Brasil. Quem se submete às regras da instância superior ou fica alienado ou se aliena. Atitude de total loucura no momento atual.

Texto- ****

Direção -***

Interpretação – ***

Cenário – ****

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Jornalista, publicitária, professora universitária de Comunicação, Doutora em Literatura, Bacharel em Direito, gestora cultural e de marcas. Mãe do João e do Chico, avó da Rosa e do Nuno. Com os olhos e os ouvidos sempre ligados no mundo e um nariz arrebitado que não abaixa por nada.

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