Márcia Silveira – Filosofias Africanas: por um pensamento filosófico decolonial

Filosofias Africanas deixa clara também a importância, para estas culturas, da oralidade e do senso de comunidade

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As filosofias africanas por muito tempo foram negadas por filósofos europeus, que consideravam que “mentes primitivas” não seriam capazes de refletir sobre os mistérios do Universo. Devido a este preconceito, ao longo dos séculos ocorreu o processo de epistemicídio, conceito desenvolvido pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos para designar a inferiorização e aniquilamento das epistemologias negras e indígenas, numa deliberada hierarquização do saber, que considera o padrão eurocêntrico como o ideal a ser seguido.

O livro Filosofias Africanas: uma introdução,escrito por Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, tem como objetivo oferecer uma base para o conhecimento do pensamento tradicional africano, rompendo com essa concepção unicamente eurocêntrica que domina a filosofia. Os autores desejam esclarecer que anteriormente ao colonialismo já existiam os saberes africanos tradicionais que até hoje influenciam as comunidades afrodescendentes.

Lopes e Simas trazem referências como o antropólogo belga Jacques Maquet e o cientista congolês Kimbwandènde Kia Bunseki Fu-Kiau para mostrar que existem alguns conceitos comuns entre as culturas africanas, como, por exemplo, a ideia de que o Universo é um organismo vivo e em constante movimento. O Ser Supremo, criador do Universo, também é uma concepção comum, assim como a Força Vital, energia responsável pela manutenção da vida de todos os seres – quanto maior a Força Vital, maior a sensação de bem-estar: “O remédio contra a morte e os sofrimentos é, portanto, reforçar a energia vital, para resistir às forças nocivas externas e afirmar a alegria da vida.”

Apesar das ideias comuns, no continente africano existem diversas concepções sobre o mundo e a existência humana – o que é demonstrado pelo título do livro, no plural. O livro mostra que cada povo – os Iorubás, os Dogons, os Kongos, os Igbos, dentre outros – possui a sua ideia sobre a nossa forma de ser e estar no Universo.

Filosofias Africanas deixa clara também a importância, para estas culturas, da oralidade e do senso de comunidade. A transmissão oral do conhecimento é fundamental para manter a força das histórias passadas de geração em geração. Segundo a tradição africana, a palavra falada, por ser um eco da palavra divina, é carregada de um caráter sagrado, uma força que é perdida num texto escrito. E a vivência em comunidade garante a transferência da tradição através das histórias contadas aos descendentes: “Pertencer a uma comunidade estabelece sentido para a vida de cada indivíduo”.

O livro de Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, apesar de ser apenas uma introdução, é muito rico em conhecimentos sobre os saberes tradicionais africanos. Com linguagem clara e acessível, a obra torna possível compreender como os povos africanos pensam a questão do tempo e da morte; como se dá a relação entre o ser humano e seus ancestrais e como o comportamento do homem pode ser um fator de desequilíbrio das forças do Universo, provocando transformações prejudiciais ao mundo.

Ao final do livro, os autores disponibilizam uma lista de provérbios que contêm “a essência dos ensinamentos indispensáveis à vida, ou seja, o sumo da filosofia das sociedades que os criaram”, além de um glossário e uma breve apresentação de alguns pensadores africanos e afrodescendentes contemporâneos, como Achille Mbembe, Muniz Sodré e Ama Mazama.

Filosofias Africanas foi lançado em 2021 pela editora Civilização Brasileira.

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Livro: Filosofias Africanas: uma introdução

Autores: Nei Lopes e Luiz Antonio Simas

Editora: Civilização Brasileira

Páginas:144

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