Por Pe. Carlos Augusto Azevedo da Silva
O Rio de Janeiro é mundialmente conhecido como a Cidade Maravilhosa, seja por suas belezas naturais, seja por seu povo acolhedor. No entanto, nas últimas décadas, essa imagem maravilhosa começou a ser ameaçada por outras realidades que nos causam tristeza e preocupação. Cada vez mais, tornou-se comum nos meios de comunicação ver a imagem da Cidade do Rio de Janeiro sendo associada à violência, à desigualdade social, muitas vezes passando a imagem de um verdadeiro caos instalado na cidade.
Contudo, em tempos em que tantos buscam respostas rápidas e superficiais, é necessário lançar um olhar um pouco mais detalhado para essa realidade que é complexa, preocupante, no entanto, do ponto de vista eclesial, traz, também, um aspecto de esperança e por que não dizer? Profetismo.
Os problemas relatados pela grande mídia não são uma exclusividade do Rio de Janeiro. Essas realidades complexas e estruturais, seja do ponto de vista da segurança pública, seja do ponto de vista da desigualdade social, acabam assolando toda grande metrópole. É claro que no Rio de Janeiro ela ganha uma proporção na divulgação nos meios de comunicação muito maior, talvez por termos aqui representações de todos os grandes meios de comunicação do mundo, além de ser o destino de grande parte dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil. Nesse sentido, o Rio de Janeiro é a vitrine do Brasil para o mundo, seja com notícias boas, seja com notícias ruins.
Muitos dos problemas que assolam nossa cidade têm sua origem em um processo de ocupação urbana de áreas periféricas e, muitas vezes, não próprias para habitação, que se deu sem o acompanhamento e regulação do poder público. Aqui surgem já duas questões importantes para compreender esse processo complexo: de um lado, a necessidade de moradia em local acessível e próximo ao trabalho, na medida em que cada vez mais as opções de habitação se tornavam distantes; de outro, a ausência do Estado (poder público), garantindo os serviços essenciais e a dignidade humana para aqueles que ali se instalavam.
Nesse processo de ocupação urbana desenfreada, ficou cada vez mais nítida a ausência do poder público, seja através dos serviços mais essenciais como luz, água, esgoto, pavimentação, transporte público etc., seja através da presença do Estado com a fiscalização e garantias básicas do Estado de direito.
Aos poucos, fomos percebendo uma verdadeira divisão no meio da grande cidade: o morro e o asfalto. Percebemos que muitas das comunidades mais carentes de nossa cidade surgiram, justamente, nas inúmeras encostas dos nossos morros, que se antigamente eram ocupados por uma imensidão verde da floresta atlântica, aos poucos foi sendo substituída pela imensidão populacional que passou a encontrar ali uma alternativa de moradia, ainda que precária e perigosa.
Nessa realidade que começa a se espalhar e crescer pela cidade, começam também a se multiplicar os problemas. Diante da ausência do poder estatal, outra forma de mediação dos conflitos se estabelece; em lugares onde o poder público não está presente, uma outra forma de poder se organiza, até chegarmos ao cenário que verificamos hoje. De acordo com o Ministério Público do Estado (MPRJ), a partir de dados da Prefeitura do Rio de Janeiro, na cidade, em 2019, era possível identificar 1825 ocupações irregulares (favelas + loteamentos irregulares ou clandestinos). Essa realidade estaria diretamente relacionada ao controle ilegal de território e ao índice de letalidade violenta.
É justamente nessa realidade complexa e desafiadora que podemos encontrar uma presença constante e concreta. A Igreja Católica, através da Arquidiocese do Rio de Janeiro, em suas 292 paróquias e 1112 locais de culto, cerca de 800 padres (diocesanos e religiosos), mais de 300 diáconos permanentes, além de milhares de agentes pastorais, que são a verdadeira força viva da Igreja, está presente em todas as regiões da cidade.
Essa presença não se dá apenas com visitas periódicas ou esporádicas, mas é uma presença diária e constante. Além das celebrações dos sacramentos, a Igreja está presente através de todas as ações sociais que realiza. Podemos afirmar que a Arquidiocese do Rio de Janeiro, através das diversas iniciativas sociais, acompanhadas de perto pelo Vicariato Episcopal para a Caridade Social, é a maior promotora de assistência social da cidade, se levarmos em conta os dados do relatório das ações sociais da Arquidiocese do Rio de Janeiro, anualmente cerca de 1 milhão e 800 mil pessoas são alcançadas com a distribuição de cestas básicas, cerca de 160 mil atendimentos na área da saúde, 70 mil pessoas na área da educação, cerca de 39 mil pessoas na área de capacitação através de oficinas, além de outras cerca de 600 mil pessoas alcançadas através de grupos informais, serviços e das ações das Pastorais Sociais. Resultando em 2.675.395 pessoas atendidas pelas ações sociais da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Se por um lado vemos uma realidade social fragmentada e dividida, por outro vemos uma realidade eclesial unida e em comunhão. Através da unidade institucional da Arquidiocese do Rio de Janeiro, é possível, por exemplo, ações imediatas e eficazes quando alguma tragédia ocorre na cidade, seja um alagamento ou deslizamento de encosta; imediatamente a rede de ação social da Arquidiocese se mobiliza, isso é possível de modo rápido e eficaz, justamente por conta da capilaridade da presença da Igreja em todas as comunidades do Rio de Janeiro.
Essa presença é presença profética, pois é presença de anúncio do Evangelho, mostrando que no meio de uma realidade dividida e fragmentada é possível construir unidade. É presença pacificadora, pois, através do diálogo ecumênico e interreligioso, a Arquidiocese do Rio de Janeiro busca participar e incentivar iniciativas conjuntas com diversas outras denominações cristãs e outras diversas religiões não cristãs, testemunhando que professar uma fé diferente não nos torna inimigos. É presença de esperança, através de suas ações pastorais e sociais, a Arquidiocese do Rio de Janeiro semeia a esperança de construirmos um mundo melhor, mais humano e fraterno.
Em meio às dores e tristezas, alegrias e esperanças, ali está presente a Igreja Católica do Rio de Janeiro, com uma presença contínua, efetiva e concreta. Testemunhando unidade em realidades fragmentadas. Construindo pontes de diálogo e cooperação em realidades cada vez mais desconexas e afastadas. Semeando esperança onde muitos só veem desilusão. Uma Igreja viva, missionária, atenta aos desafios da grande cidade, mas sem jamais deixar de anunciar a alegria do Evangelho de Jesus Cristo, que quer alcançar a todos.
Por Pe. Carlos Augusto Azevedo da Silva do clero da Arq. do Rio de Janeiro, é doutorando em Direito Canônico na Pont. Univ. Gregoriana – Roma.