Um caso inédito no Brasil abalou o sistema de saúde do Rio de Janeiro. Seis pacientes testaram positivo para HIV após receberem órgãos transplantados, o que resultou em investigações sobre falhas graves no processo de triagem de doadores e controle de qualidade dos órgãos. As consequências legais e as medidas jurídicas a serem tomadas estão no centro das discussões entre especialistas, que apontam a responsabilidade do Estado e do laboratório envolvido no caso.
Investigações e falhas no processo
As investigações iniciais apontam que o erro ocorreu no processo de triagem dos doadores e no controle de qualidade dos órgãos transplantados. A Secretaria Estadual de Saúde confirmou a contaminação e tomou medidas emergenciais, enquanto o laboratório responsável pelo procedimento foi interditado. Para o advogado especialista em Direito da Saúde, Washington Fonseca, tanto o Estado do Rio de Janeiro quanto o laboratório podem ser responsabilizados legalmente.
“O Estado tem o dever de responder em casos como este, em que falhas graves resultaram na contaminação de pacientes por HIV durante procedimentos de transplante. A responsabilidade não recai apenas sobre os entes públicos, mas também sobre o laboratório responsável pela apuração da aptidão dos órgãos e doadores. Trata-se de um erro absolutamente desumano,” destaca Fonseca, sócio do escritório Fonseca Moreti Advogados.
Consequências jurídicas
Além da responsabilização civil, Fonseca aponta que o Ministério Público deve agir com rigor, solicitando medidas como prisão preventiva dos envolvidos e a apreensão de documentos para garantir a preservação das provas.
“O crime contra a saúde pública é grave, e o Ministério Público tem o papel de iniciar a investigação criminal e promover ações penais contra os sócios e funcionários do laboratório. Os pacientes contaminados têm o direito de buscar reparação judicial tanto na esfera penal quanto civil,” explica Fonseca.
Os pacientes prejudicados podem processar tanto o Estado quanto o laboratório responsável. De acordo com Fonseca, o juiz determinará o valor da indenização com base nos danos sofridos, mas, mesmo que o valor não seja o esperado, o direito à reparação é inquestionável.
Impacto médico e avaliação de danos
A especialista em medicina legal e perícia médica, Caroline Daitx, explica que a contaminação revela falhas que podem ocorrer em várias etapas do processo de transplante, como a janela imunológica — fase inicial em que o HIV pode não ser detectado.
“A transmissão de HIV em transplantes de órgãos aponta para falhas no processo, que podem incluir desde a janela imunológica até falhas humanas e administrativas,” comenta Daitx.
A perícia médica terá um papel crucial na análise de cada caso, avaliando o impacto do erro médico nos pacientes. No caso do paciente que recebeu um transplante hepático e faleceu, a perícia deverá verificar se o HIV influenciou diretamente na causa da morte. Já os pacientes que receberam transplantes renais passarão por uma análise que levará em consideração as consequências atuais e futuras da infecção.
Consequências penais
O advogado especialista em Direito Penal, Rafael Paiva, explica que, se for comprovado que os responsáveis sabiam da contaminação ou assumiram o risco, o crime pode ser enquadrado como lesão corporal gravíssima pela transmissão de enfermidade incurável, com base no Artigo 129, parágrafo 2, inciso II, do Código Penal. A pena para esse crime varia de 2 a 8 anos de reclusão.
“Havendo a comprovação de falsificação dos resultados dos exames de liberação dos órgãos, há ainda a possibilidade de responsabilização pelo crime de falsificação de documento,” acrescenta Paiva.
Além disso, dependendo do andamento da investigação, podem ser imputados crimes contra as relações de consumo, associação criminosa e infrações sanitárias.