A Cedae não é confiável. Poucas vezes o foi. Se tiver de escolher acreditar entre o que diz a Cedae e a UFRJ e UERJ obviamente escolherei quem não engana a população há 45 anos. Aliás, o que andou fazendo a Cedae pela cidade do Rio de Janeiro ao longo de mais de quatro décadas, além de cobrar a sétima tarifa mais cara do país sem oferecer tratamento de esgoto e agora entregando água de péssima qualidade? Sabemos boa parte da resposta.
Todos conhecem minha luta pelo saneamento municipal de qualidade. Cansei de denunciar a ineficiência e os crimes ambientais praticados pela Cedae, bem como o absurdo instrumento da delegação de serviços assinado pela Prefeitura em 2007 e a transferência, daqui para outras cidades, de recursos através de subsídios cruzados, sem qualquer transparência. A Cedae recebe na Cidade do Rio de Janeiro 80% da sua receita, que é usada para dar garantias de empréstimo internacional de R$ 3,2 bilhões. Que são, acredite, totalmente investidos fora daqui!
Nos últimos tempos, havia sinais de que, enfim, as coisas poderiam melhorar. Primeiro, a Justiça Federal havia acolhido as alegações da Prefeitura que, cansada, decidiu acionar a empresa, questionando, entre outros absurdos, o esdrúxulo instrumento jurídico da delegação municipal do serviço de saneamento chamado curiosamente de Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações, assinado por Sérgio Cabral, Cesar Maia e Wagner Victer, então presidente da Cedae.
Mais: enfim o Ministério Público Federal havia denunciado cinco diretores da empresa por crime ambiental. Pois como repito há anos, ocorre crime ambiental continuado contra nossa cidade com corpo, testemunhas, provas e culpados conhecidos – só nunca houve punidos.
E para completar as noticias favoráveis, o Marco Legal do Saneamento, legislação de primeira grandeza, havia sido, finalmente, aprovado na Câmara dos Deputados.
Aí veio a surpresa: a Cedae consegue estender sua incompetência para além da falta de tratamento de esgoto. O serviço de água tratada também foi comprometido.
Logo no começo do ano, desde o dia 4, comecei a receber denúncias de cariocas que conhecem meu trabalho em defesa do saneamento de qualidade da cidade: a água saía das torneiras suja e malcheirosa. Poderiam ser casos isolados, mas logo as denúncias se espalharam por todas as zonas da cidade. UERJ e UFRJ denunciaram a situação e, daí em diante, houve uma cadeia de especialistas e instituições com alta credibilidade confirmando as reclamações dos cariocas. Já a Cedae, em breve comunicado, informava que a água fornecida “estava dentro dos padrões para consumo”.
Não é preciso ser especialista para saber que a água turva, marrom com cheiro e gosto de terra não deve ser consumida. E por que a empresa não admitiu a gravidade da situação da falta de qualidade da água e quer evitar que a população conheça a raiz do problema?
Respondo. Por duas razões principais: primeiro porque a responsabilidade é dela, que tomou decisões equivocadas e foi incompetente ao longo de 45 anos de péssima gestão; em segundo lugar porque admitir o grave problema fará reduzir ainda mais o preço em eventual leilão da companhia, dada como garantia pelo Estado do Rio de Janeiro para obter as vantagens do regime de recuperação fiscal.
Explico: a Cedae capta água do Rio Guandu. Quanto melhor a qualidade da água captada, mais barato é o tratamento necessário para torná-la potável. Pois é, hoje a “água” captada é uma verdadeira “pasta de cocô”, para usar expressão do biólogo Mário Moscatelli. Transformar esse material em água potável exige da companhia grande investimento e muito uso de produtos químicos. Verdadeira alquimia.
O fato é que, se as cidades da região tivessem serviço de coleta e tratamento de esgoto e não o despejassem in natura no Rio Guandu e afluentes a situação seria mais simples. Mas por que a estatal não investiu no tratamento de esgoto dos municípios que jogam esgoto exatamente no local onde ela capta a água? Preferiu investir na ampliação do serviço de fornecimento de água tratada, que lhe permite a cobrança de gordas tarifas e o uso político da empresa. Já o serviço de esgoto é cobrado a partir da tarifa da água, dobrando-se o seu valor, ainda que não ocorra a devida prestação do serviço.
O Estado do Rio de Janeiro entrou em colapso financeiro. As causas são conhecidas. Para tentar sair da crise, assinou um acordo com a União, o regime de recuperação fiscal, e deu como garantia de empréstimo seu único ativo – a Cedae. Avaliada na época – sabe-se lá como – por R$ 2,9 bilhões, o Governo estadual terá de vender a empresa para pagar a dívida, que já está em volta de R$ 4 bilhões.
Qualquer fato que ressalte a situação jurídica vulnerável da empresa – que não tem contratos formais com os municípios que atende – ou outras condições que possam derrubar o seu valor de venda em eventual leilão ou abertura de capital é rapidamente abafado. Por isso, além da enorme incompetência, já conhecida pela falta de tratamento de esgoto, agora estendida ao fornecimento de água, é que não se pode confiar no que o Governo do Estado e representantes da empresa dizem.
O Governo estadual tem feito planos absolutamente delirantes de obter R$ 10 bilhões no leilão de venda da empresa que, hoje, talvez não valha nem mesmo os R$ 2,9 bilhões da avaliação inicial. Afinal, a Cedae corre risco de perder seu maior cliente, o Município do Rio, e nesse momento, sofre a exposição da grave situação do Rio Guandu.
Ao optar por investir tudo em ampliação da oferta de água e não na coleta e tratamento de esgoto e nos cuidados com seus mananciais, colocou a si mesma em sinuca de bico, talvez xeque-mate. Cometeu erro estratégico de tal dimensão que dificilmente será corrigido.
Como digo há tempos, não confio na Cedae e, diante das fanfarronadas sobre a qualidade da água fornecida, gostaria de ver o seu presidente beber um copo dessa água, que ele garante potável, na casa de um dos cariocas que está sendo obrigado a gastar suas reservas para comprar água mineral, pois sabe muito bem que água marrom e com cheiro ruim não deve ser ingerida. Duvido que o faça…
Enquanto isso, é recomendável que não se consuma a água entregue pela empresa até que sejam realizados todos os testes exigidos pelo Ministério da Saúde, de preferência por instituição independente confiável, e que haja total segurança de que é realmente potável. A falta de confiança é plenamente justificada, minha e de todos os cariocas.
O Rio tem pressa e não pode esperar mais pela Cedae. Existem outros modelos bem sucedidos. Será necessário investimento privado para alcançarmos a universalização. Já passou da hora de pararmos de insistir em velhas práticas e cometermos os mesmos erros. Estamos iniciando um novo momento e nele não há lugar para esta Cedae.
Antes da privatização não faltava água, depois da privatização não tem água.
Simples assim!
Ja estamos a dois dias sem água, todo final de semana é a mesma coisa
Parabéns Dr. Alexandre. Morei no Rio de Set/78 a Mar/1990 e sempre questionei a idoneidade da CEDAE, a qualidade da água e má gestão quanto ao tratamento de esgoto. Nunca concordei com os emissários e o lançamento de esgoto, sem qualquer tratamento, na região da Barra.
Parabéns!!!
Artigo muito relevante, feito por quem pensa em servir ao povo e não em se servir do cargo que ocupa no governo.
Enquanto estudante de Engenharia Química no Fundão, em 1974, visitei a CEDAE com meu professor que me ensinou muito sobre tratamento de água.
Muitos equipamentos ainda eram novinhos e outros aguardavam a lerdeza e a indolência do servidor e a burrocracia politiqueira do serviço público, para serem instalados.
No entanto, o rio Guandu já era, nesta época, um despejo de esgoto fedorento.
No início do tal processo de tratamento da água fétida, cheguei a ver um corpo humano e uma vaca.
E não acredito que tenham sido estes os únicos corpos em decomposição que este esgoto a céu aberto já tenha levado em suas correntezas, até as torneiras dos consumidores.
Portanto, aprovo não só o que foi dito no artigo, como também atesto a pouca vergonha que sempre rondou a administração deste instrumento de falcatruas políticas e de envenenamento da população.
Ou descobrimos que o povo merece mais do que a indecência administrativa de governos corruptos ou continuaremos a corroer nossos intestinos e nossos bolsos, enquanto desavergonhados se locupletam de dinheiro e poder, sem se importar minimamente com a responsabilidade que deveriam ter com os cargos públicos que ocupam e, principalmente com o seu próprio senso de respeito decência no cumprimento de obrigações ao país e ao povo.
Artigo muito bom. Quem tem mais de 65 anos sabe que a Cedae sempre foi um piada. Ela sempre foi usada como instrumento político. Como foi usado a Light,metrô,Banerj, trens e barcas. Estes não ficaram excelentes. Mas pelo menos não são aquelas porcarias de antigamente.
E se bobear, pessoas com pouca inteligencia, daqui ha 1 ano e meio quando a ETA Guandu 2 ficar pronta e colocar mais 12.000 L/s, vao dizer que com a empresa privada que pegou a Cedae, nao tem mais falta de agua! Óbvio, a CEDAE aumentou em 30% a produção de água e vai entregar de mao beijada pros amigos empreiteiros do exterior (a base de muita propina,diga-se de passagem), e com a tarifa indo la pras alturas pra satisfazer as metas de lucro absurdas deles, e com um serviço a meia boca (vide a concessionaria Foz, atual Zona oeste mais, e seu pessimo atwndimento a populacao).
E voce acha que privatizando, a tarifa vai ficar mais barata? Obras de 4 bilhoes sendo tocadas agora com dinheiro público, que ficarao prontas ate o fim do ano que vem (apenas 20% da baixada fluminense (4 milhoes de pessoas) pagava conta de água, e agora com as obras e o Guandu II ao menos 50% da baixada vai pagar agua, e tudo entregue de mao beijada pro capital americano e chinês? Das duas, uma: ou voce é burro ou mal-intencionado.