André Luiz Pereira Nunes – Argentina, 1978: A Copa do roubo

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Partida entre Argentina e Peru válida pela Copa do Mundo de 1978/ Foto: Reprodução Internet

Mais de 40 anos se passaram, mas a polêmica goleada da Argentina frente ao Peru, válida pela Copa do Mundo de 1978, ainda suscita dúvidas e levanta muitas questões. Os anfitriões precisavam vencer a partida por pelo menos quatro gols de diferença para ir à final, caso contrário, o finalista seria o Brasil. Porém, sem muito esforço, bateram o adversário, considerado de bom nível técnico, por 6 a 0, levantando graves suspeitas de que o Mundial foi manipulado para o benefício político do sangrento regime que vicejava naquele território.

De acordo com o escritor argentino Edgardo Martolio, autor de “A Glória Roubada”, em todo esse lamentável episódio esteve presente a mão sangrenta e corrupta da ditadura argentina, além da total complacência da FIFA, então dirigida pelo brasileiro João Havelange. A versão é veementemente corroborada pelo atacante Gil, integrante do selecionado brasileiro, em dois depoimentos ao MUSEU DA PELADA. Ele qualifica aquele torneio como a “Copa do roubo”. Segundo Búfalo Gil, os atletas brasileiros, ao serem recepcionados no aeroporto por Havelange, teriam ouvido do dirigente as seguintes palavras: “agradeço a todos vocês pelo empenho, mas desejo que o Brasil não seja campeão“. O estranho incidente, obviamente, causou estranhamento e constrangimento por parte dos jogadores. O ex-atleta ainda recorda que na estréia contra a Suécia o juiz anulou um gol legítimo de Zico ao final da partida, alegando fim do tempo regulamentar. Eram prenúncios de que as coisas não estavam nada boas.

Um dos maiores indícios de que realmente teria havido um conluio por parte dos generais argentinos com o total beneplácito de Havelange decorre que, em cima da hora e desrespeitando totalmente o regulamento, a FIFA arbitrariamente mudou o horário da primeira partida da semifinal, fazendo com que Brasil e Polônia se defrontassem três horas antes do cotejo de Argentina e Peru. Os maiores rivais sul americanos se igualavam em pontos. Caso ambos triunfassem, a classificação se daria por saldo de gols. Como o Brasil atuaria antes, os argentinos saberiam exatamente quantos gols precisariam obter para chegar à almejada decisão contra a Holanda. 

Vale ressaltar que a CBF, sentindo-se prejudicada, apresentou protesto junto à comissão organizadora, mas o mesmo foi imediatamente rejeitado. O Brasil, portanto, venceu os poloneses por 3 a 1, esticando em três gols a vantagem sobre a Argentina. Esta teria que derrotar o Peru, já desclassificado, por mais de três gols. Só que durante o torneio os argentinos não haviam batido nenhum adversário por essa diferença. O placar por 4 a 0 seria suficiente, mas cabe uma importante ressalva. E se o Peru fizesse um gol? Afinal de contas, aquela era uma geração composta por grandes jogadores como Oblitas e Cubillas. 

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Em seu livro “Como eles roubaram o jogo”, o jornalista britânico David Anthony Yallop relata que o general Jorge Videla convocou o capitão da Marinha argentina Carlos Alberto Lacoste e lhe concedeu uma ordem taxativa: “garanta o resultado contra o Peru!” Lacoste, que teria em torno de duas horas para concluir sua missão, contatou três oficiais que acompanhavam a seleção peruana e lhes ofereceu entre 30 e 50 milhões de grãos de toneladas de trigo de ótima colheita. Coincidentemente, os andinos também viviam sob uma ditadura comandada por Francisco Morales Bermúdez. Isso foi fundamental para o acerto imediato. Para o mandatário peruano o trigo era muito mais importante do que um jogo no qual a sua seleção já estava desclassificada. O resultado, portanto, não mudaria em nada o destino de seus governados na Copa do Mundo. Lacoste então informou a Videla que tudo estava certo. É importante frisar que os jogadores argentinos não tomaram parte da combinação já que, de todo modo, teriam mesmo que fazer a maior quantidade possível de gols. 

Segundo Edgardo Martolio, Videla também fez algo que nunca acontecera antes de qualquer um dos jogos. Visitou  na companhia do secretário de estado americano, Henry Kissinger, o vestiário da equipe peruana antes do jogo. Era a senha de que tudo estava realmente combinado em altas esferas. Conta-se que o próprio presidente da nação andina também teria feito telefonemas para o vestiário de seus atletas para lhes dar “algumas orientações”. Na obra “Fuimos campeones”, o jornalista portenho Ricardo Gotta relatou que um craque peruano, referindo-se aos militares do país, teria proferido as seguintes frases: “turma de merda. Pelo menos distribuam o dinheiro entre nós, jogadores.”

Em março de 2018, em entrevista ao jornal peruano “Trome”, José Velásquez, ex-jogador da seleção peruana, declarou que seis companheiros “se venderam” naquela partida. Um dos acusados é o goleiro Ramón Quiroga, coincidentemente argentino de nascimento e naturalizado peruano. “Seis de nós nos reunimos um dia antes com o treinador, Calderón, para pedir que Quiroga não jogasse por ser argentino. Ele aceitou. Mas no dia seguinte mudou de ideia. O que eu devo pensar, que se vendeu ou não?”, questionou. 

Coube ao Brasil decidir a terceira colocação da Copa do Mundo contra a Itália, seu futuro algoz no Mundial posterior, disputado na Espanha. Os comandados de Cláudio Coutinho venceram por 2 a 1, com gols de Nelinho e Dirceu, e voltaram para casa com o honroso título de campeão moral invicto.

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André Luiz Pereira Nunes é professor e jornalista. Na década de 90 já escrevia no Jornal do Futebol e colaborava com Almir Leite no Jornal dos Sports. Atuou como colunista, repórter e fotógrafo nos portais Papo Esportivo e Supergol. Foi diretor de comunicação do America.
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