Arte Contemporânea em Foco: Os Vencedores do Prêmio PIPA 2024 no Paço Imperial

Na 15ª edição, artistas selecionados exploram saberes ancestrais e tecnologias emergentes em mostra imperdível no Rio de Janeiro.

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Corpo Celeste III (2020), de Aline Motta, uma das premiadas da 15ª edição do Prêmio PIPA. Foto: Cabrel Escritório de imagem.

Não há prêmio nacional que cause tanta reverberação quanto o prêmio PIPA.  Criada em 2010 pelo Instituto PIPA, a premiação é anualmente comentada nas redes sociais e canais de notícia, que veiculam o trabalho das dezenas de artistas selecionados pelo júri consultivo – reconfigurado periodicamente, de maneira a permear diferentes grupos de produção artística do país. Nesta 15ª edição, o comitê interno selecionou, dentre os 62 indicados, Aislan Pankararu, Aline Motta, Enorê e Nara Guichon. Os premiados compõem a mostra no Paço Imperial, Rio de Janeiro, que abre neste sábado, dia 3 de agosto.

Proporcionando a construção de uma consistente lista de artistas, reflexo das diferentes pesquisas do time consultivo, a seleção anual revela os distintos interesses que norteiam as escolhas. Avalio que seja no resgate dos saberes ancestrais de matriz afro-brasileira e indígena e no debate referente ao meio tecnológico que se justifica a decisão pelos quatro nomes – além, é claro, de estar baseada na qualidade artística de cada premiado.

Antes de discorrer sobre cada artista, caro leitor, gostaria de aprofundar um pouco nesses dois tópicos, de maneira a evitar um entendimento simplista e equivocado. Em relação ao primeiro, me refiro à busca de novos lastros conceituais, materiais, educativos, visuais e sensíveis que proponham novas formas de ler o entorno, de honrar e se conectar com a memória de povos socialmente marginalizados – e, ainda, de salvaguardar a vida e cultura material daqueles severamente violentados, mesmo em nossos tempos. Em relação ao segundo, trato da tecnologia em seu sentido expandido: um sistema sobre o qual uma construção ou método específico torna possível determinada produção. Deste modo, é interessante pontuar como os artistas se dividem entre aqueles que integram o digital às suas práticas, visando reconfigurar saberes milenares, e aqueles que apostam na manualidade para tatear os desafios contemporâneos.

Destaco aqui a participação de dois artistas fluminenses: a primeira é Aline Motta, natural de Niterói, que faz uso da fotografia, do vídeo, da instalação e da performance como maneiras de reconfigurar memórias afro-atlânticas. Foi o interesse em construir novas narrativas, que invocassem uma ideia não linear do tempo e os traumas da escravidão brasileira, que levou a artista a investigar histórias de sua própria família, conduzindo-a em uma viagem para países como a Nigéria e Portugal. Na mostra, Motta apresenta a instalação “Corpo Celeste III”, de 2020, animação digital interativa que reúne 100 provérbios em kikongo e umbundu, tendo como referência principal o símbolo mais sagrado das filosofias espirituais centro-africanas: o cosmograma kongo, que retrata o mundo físico, o mundo espiritual (Ku Mpémba) e a linha que conecta ambos, Kalûnga.

glitch 3 rosto destruido 2021 de enore. Foto Damin Griffiths Arte Contemporânea em Foco: Os Vencedores do Prêmio PIPA 2024 no Paço Imperial
glitch 3 (rosto destruído) (2021), de enorê. Foto: Damin Griffiths.

Nas fricções causadas pelas viagens e deslocamentos nasce o trabalho de enorê, o segundo artista carioca. Imergindo em questões sobre realidades digitais, o corpo virtualizado, temporalidade expandida e novas mídias, enorê expõe tais investigações com a materialidade da escultura em barro e da tapeçaria, duas técnicas consagradas na história da arte. O choque entre artesania e virtualidade cria verdadeiros “glitches” físicos: esculturas e tapeçarias evidenciam a falha digital em imagens deterioradas, e partes do corpo que se chocam umas com as outras, diluindo-se. Serão expostos na mostra diferentes processos utilizados em sua produção, dentre os quais ressalto a técnica de impressão 3D utilizando argila, solução que condensa por si só a latente inversão que reside nos trabalhos de enorê.

A Redescoberta 2024 de Aislan Pankararu. Foto EstudioEmObra Arte Contemporânea em Foco: Os Vencedores do Prêmio PIPA 2024 no Paço Imperial
A Redescoberta (2024), de Aislan Pankararu. Foto: EstúdioEmObra.

Quem também integra a seleção é Aislan Pankararu, artista indígena da etnia Pankararu, localizada no sertão pernambucano. Conhecido por suas grandes telas monocromáticas, o artista revela nas suas formas não figurativas recursos pictóricos tradicionais da pintura corporal de seu povo, caracterizada pela coloração extraída do barro branco, argila, elemento sagrado em sua cosmologia. Pankararu apresenta na mostra uma obra inédita – de 6m x 3,8m, em linho e, desta vez, colorida –, em que representa aspectos de sua cultura. Se a fruição de seu trabalho acontece para nós, não indígenas, por meio da contemplação, o depoimento de Bia Pankararu ressalta a camada de significância visível para o seu grupo: “Em cada traço de Aislan, posso ver o cansanção, o caminho que faço até a casa da minha avó e quando dancei a Corrida do Imbu pela primeira vez. Vejo juremeira, espinheiro, faveleira e macambira.”

Arquipelago 2020 de Nara Guichon. Foto Renata Gordo Arte Contemporânea em Foco: Os Vencedores do Prêmio PIPA 2024 no Paço Imperial
Arquipélago (2020, de Nara Guichon). Foto: Renata Gordo.

Fecha a lista a artista Nara Guichon, que vive em Santa Catarina. Sua produção têxtil, feita com elementos orgânicos e materiais fabris descartados, trata sobre as ideias de transmutação e sustentabilidade. Contudo, é com a utilização de redes de pesca, recolhidas no litoral de Florianópolis, que o seu trabalho caminha por rumos mais interessantes: responsável por 50% da poluição mundial dos oceanos, a trama sintética torna-se material para a criação de objetos cujas volumetrias ora se assemelham a casulos, ora a seres viventes, como corais, cipós e outras trepadeiras. Guichon apresenta um mix de seus trabalhos no Paço Imperial, ressaltando o uso de técnicas, como tricô, crochê, bordado e tear.

Para além da chance de conferir esses trabalhos, acredito e destaco que o maior feito do prêmio é, entretanto, a plataforma digital que se adensa a cada edição. Os mais de 650 artistas reunidos no site do Prêmio Pipa funcionam como um glossário das tendências e práticas do circuito artístico. Conduzida e mantida ao longo de seus 15 anos, a plataforma reflete o consistente e continuado trabalho do Instituto. Ainda que alguns buracos e omissões chamem a atenção – há nomes importantes da cena jovem que nunca foram indicados, como Marcela Cantuária e Laís Amaral, isso tratando apenas do contexto carioca –, tais lacunas não denotam deslizes do prêmio, e sim a necessidade de continuação ou mesmo da ampliação das atividades de um dos mais relevantes projetos contemporâneos. Vida longa ao PIPA!

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Vale ver também a exposição Do Céu e da Pedra, individual da artista Ana Hupe que visa investigar histórias ocultas de resistência. Com curadoria de Juliana Gontijo, a mostra abre no dia 01/08, às 19h, na galeria Portas Vilaseca, em Botafogo.

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Últimas semanas para conferir a individual do jovem artista carioca Thiago Molon, Saúva, no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, localizado no centro do Rio de Janeiro. A interação entre pintura e escultura impressiona pela experimentação formal. Imperdível.

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