Nesta quinta-feira (28/11), o Ibama determinou que as girafas que foram importadas pelo Bioparque do Rio em 2021, sejam repatriadas para países africanos, como Angola e África do Sul, santuários de proteção animal ou zoológicos. Ativistas da causa animal veem a decisão como um avanço, no entanto, se preocupam com o destino que esses animais podem ter. O temor é que elas sejam mandadas para locais com poucas condições ou até que precisem ser sacrificadas.
Professor e defensor dos animais, bastante envolvido nesse caso, Marcio Augelli disse que: “Conversei com biólogos e eles me informaram que se esses animais forem para um santuário, eles podem passar por uma quarentena. Esse seria um bom futuro para elas, mas vem a questão: quanto vai custar isso? Se forem levadas de volta para a África do Sul, as girafas podem ser sacrificadas no aeroporto, porque podem estar levando doenças para lá. Essas girafas ficaram numa área que tinha boi. Pode ter acontecido alguma contaminação. E outra, já não são mais filhotes, estão enormes. Transportar animais desse porte é muito difícil. Deveriam ter resolvido isso muito antes. Agora, a situação se complicou bastante”.
Sobre como seria o manejo dessas girafas, o médico veterinário José Daniel Fedullo observa que precisa ser uma operação bastante planejada.
“Hoje em dia são animais com algo em torno de quatro anos de idade, cinco metros de altura. Vieram de avião em caixas, duas por caixa. Isso seria impossível hoje em dia, por conta do tamanho. Primeiro é preciso saber para onde elas vão. Se a mudança for feita pelo Brasil, é preciso que seja realizada com caminhões, com espaço para os animais, tendo batedores para abrir o caminho e os veículos não poderiam andar mais do 30km de velocidade. E o ideal é ser em uma época mais fria do ano, de noite. No calor do verão, os animais vão sofrer muito dentro desses veículos. Não sei se teriam condições de viajar de avião, justamente por serem de grande porte. Sempre há riscos para os animais em uma viagem assim“, contou Fedullo, que é especialista em transporte de animais.
Isabelle de Loys, ambientalista e vereadora suplente da cidade do Rio de Janeiro, comentou “a repatriação desses animais sempre foi o nosso sonho. É lógico que sabemos que elas, provavelmente, voltariam para ficar em em um zoológico, mas não parecido com os zoológicos que nós temos aqui no Brasil, que são o zoológicos de vitrine. Aqui não existe nenhum estudo e pesquisa de conservação, não tem o interesse pelo bem-estar animal. Diferentemente de muitos zoológicos no mundo, como o San Diego Zoo, como um que tem na Suíça, em Zurique, na Alemanha, que têm essa preocupação com os animais. Nesses casos, as pessoas veem o animal de longe ou então através de ônibus, de carro, em espaços muito maiores. Veem um animal que está quase livre. Aqui não existe isso. Além de tudo, há toda a preocupação com a conservação desses animais, para que eles não sejam extintos, como foi o caso do rinoceronte branco. Em relação às girafas, a conta não fecha, porque foram seis milhões de reais para trazê-las de forma ilegal mais a multa. E eu gostaria de saber se o Ibama tem um estudo mostrando como seria o transporte desses animais, o custo do transporte desses animais e para onde é que pensam essa repatriação, quais seriam o zoológicos de fato que iriam recebê-las na África? Eu soube que tem um em Angola, mas como é que se daria isso? E esse custo vai sair para quem? Vai sair pro grupo Cataratas? É hora realmente delas saírem de lá porque já são três anos num estado lamentável, graças ao grupo Cataratas e ao Bioparque, que provocaram esses maus tratos. Essas são minhas questões para o Ibama, para o Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto”.
Para a Polícia Federal esse foi o maior caso de tráfico de animais da história do Brasil. A soma das multas aplicadas ao Bioparque ultrapassa os R$ 4 milhões.
Entenda o caso
No dia 11 deste mês de novembro completaram-se três anos que 18 girafas foram trazidas da África do Sul para o Brasil. Desde então, elas estão no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba (RJ). Inicialmente, foi informado que os animais ficariam no local para uma quarentena de 15 dias e depois seriam transferidos para o BioParque do Rio de Janeiro. Nesse tempo, em dezembro de 2021, três dessas girafas morreram em uma tentativa de fuga. Uma quarta também morreu, um ano depois, e a necropsia acusou grande quantidade de areia no estômago.
Polêmicas
As polêmicas começaram já com a chegada dos animais ao Brasil. O processo de importação foi autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, todavia, o laudo inicial, feito por técnicos em janeiro de 2022, diz que os espaços que abrigam as girafas no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba, estariam fora dos padrões mínimos de conforto.
Há outra questão no processo da chegada das girafas ao Brasil que também gerou mobilização entre biólogos e pessoas preocupadas com o bem-estar animal. O relatório inicial trazia a letra W (de wild, selvagem em inglês) ao se referir aos animais. Isso quer dizer que foram capturados na natureza. O artigo 18 de uma portaria do Ibama impede que animais retirados da vida selvagem sejam comercializados.Esse relatório foi questionado e o documento encaminhado ao Ministério Público. Fiscais do Ibama autuaram o BioParque por maus tratos. A Polícia Federal (PF) fez uma operação no Resort. Dois funcionários foram detidos e soltos no mesmo dia.
Roberto Cabral, um dos fiscais do Ibama e autor do laudo que acusa o Grupo Cataratas de maus tratos, foi afastado do cargo por alguns meses e só depois realocado às suas antigas funções. Ele afirmou à reportagem que prefere não falar sobre.Esse debatido relatório foi refeito, terminando favorável a todo o processo de importação das girafas vindas da África do Sul. À época, o Ibama informou que, após notificação, os recintos foram adequados conforme a legislação e que o Instituto segue acompanhando a adaptação dos animais, por meio de vistorias frequentes.
Na Justiça
Em janeiro de 2022, um dia após a operação da Polícia Federal, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarega Leite, da 7ª Vara de Fazenda Pública do Rio, concedeu liminar para remoção das girafas do Portobello Resort & Safari no prazo máximo de 48 horas, com multa diária de R$ 5 mil para o BioParque em caso de descumprimento. No entanto, o caso foi transferido para a Justiça de Mangaratiba, que se negou a aceitá-lo. Com isso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ficou de decidir quem será o responsável pelo assunto. As testemunhas já foram ouvidas. A sentença ainda não saiu.
Após a operação da PF em 2022, foram indiciados um servidor do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), um do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de um biólogo e um administrador do Portobello Resort.
O que diz o BioParque/Grupo Cataratas
O BioParque do Rio reafirma seu compromisso com o bem-estar das girafas, que vivem em um ambiente totalmente adequado e recebem acompanhamento diário de veterinários e tratadores. A empresa segue rigorosamente as recomendações dos órgãos reguladores, desde a importação dos animais.
O desenvolvimento dos animais é acompanhado pelas autoridades competentes e indica que os animais estão em boas condições. A definição sobre os próximos passos cabe ao IBAMA, enquanto o BioParque continua a primar pelo bem-estar das girafas.
O que diz o Inea
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informa que vistoriou e concluiu as avaliações necessárias na chegada dos animais do Rio e que o cuidado é de responsabilidade do Ibama, órgão que pode indicar a atual situação das girafas.
O Inea esclarece ainda que realiza vistorias frequentes no Hotel Portobello. No entanto, as visitas não incluem a área dos recintos das girafas, por estarem em um setor ligado ao BioParque, local vistoriado e acompanhado pelo Ibama.
O que diz o Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que está em curso o processo de destinação final para as 14 girafas sul-africanas importadas em 2021 pelo Bioparque, situado na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, elas se encontram no resort Portobello, em Mangaratiba (RJ).
O processo administrativo do Ibama foi concluído com a aplicação da pena de multa e o perdimento das girafas. Elas encontram-se depositadas em local seguro, mantidas em recintos amplos, acompanhadas por profissionais técnicos habilitados e seguindo rigorosos protocolos. O Ibama realiza vistorias sazonais para avaliar a situação das espécimes, trabalhando para impedir qualquer situação que possa configurar maus-tratos.
O Ibama está atendendo às orientações de seu corpo técnico, conforme última decisão administrativa, promovida em agosto deste ano. No relatório, foram apresentadas possibilidades de destinação às girafas de forma que não as coloque em risco, visto que os animais estão em idade adulta, com altura que pode chegar a quatro metros.
A orientação da equipe técnica do Ibama também prevê a possibilidade de as girafas serem encaminhadas para locais no Brasil com capacidade técnica de mantê-las seguras e protegidas na forma da legislação em vigor.
As providências de destinação começaram com a comunicação entre o Ibama e autoridades da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites).
O primeiro contato foi feito com o país de origem das girafas, a África do Sul. Entretanto, o governo sul-africano respondeu que não tinha interesse de repatriá-las.
Houve também comunicação com Angola, país que se mostrou interessado em receber três espécimes, mas não esclareceu se os custos com o transporte ficariam por conta do governo angolano. Ainda é preciso aprofundar a comunicação para saber mais detalhes do programa de repovoamento dos parques nacionais, quais são os protocolos de segurança adotados pelo país, quais exames são exigidos para entrada dos animais, qual seria o local de destinação dos indivíduos e se eles já possuem protocolo de transporte terrestre a ser adotado a partir de sua chegada ao país.
Moçambique e Botsuana também foram procurados pelo Ibama, mas não apresentaram resposta. Os quatro países africanos em questão têm ocorrências da espécie.
É importante esclarecer que qualquer destinação das girafas dependerá das condições adequadas de garantia da saúde e da segurança dos animais, inclusive se estão aptos ao transporte, em virtude de ser uma viagem de longa distância e elevada duração.
O Portobello Resort & Safari também foi procurado pelo DIÁRIO DO RIO, mas não respondeu os contatos. A reportagem tentou falar com a Fundação Jardim Zoológico da Cidade do Rio de Janeiro (RIOZOO), no entanto, não conseguiu.