A Baía de Guanabara está no centro de uma nova crise ambiental. Segundo o movimento Baía Viva, cerca de 3 milhões de litros de chorume são despejados diariamente nas águas da baía, que banha 12 municípios do estado do Rio de Janeiro. O volume anual chega a 1 bilhão de litros do resíduo, gerado a partir da decomposição do lixo doméstico, e cuja destinação indevida ameaça a biodiversidade marinha, afeta comunidades pesqueiras e coloca em risco a saúde pública.
“Estamos vivendo a chamada crise do chorume não tratado no estado do Rio de Janeiro”, afirma Sérgio Ricardo Potiguara, mestre em Ciências Ambientais e fundador do Baía Viva. Segundo ele, apenas o lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, é responsável por 50% da produção total do chorume na região metropolitana, que alcança 6 mil litros diários.
O movimento denuncia que, além do volume despejado, outros 500 milhões de litros de chorume estão estocados precariamente. Em ofícios enviados ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e à Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas), o Baía Viva denuncia impactos ambientais e socioeconômicos, incluindo o adoecimento de pescadores, perda de biodiversidade e prejuízos à pesca e ao turismo.
“Os pescadores desses trechos mais contaminados estão em situação de extrema pobreza e insegurança alimentar. É um ciclo de degradação ambiental, pobreza e doença”, alerta Potiguara.
Segundo o professor Adacto Ottoni, da UERJ, a dimensão do problema é agravada pela ineficiência da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ele critica o uso inadequado das estações de tratamento de esgoto (ETEs) para o processamento de chorume, que muitas vezes são incapazes de tratar os contaminantes mais complexos do resíduo.
Para o professor Carlos Canejo, da Universidade Veiga de Almeida, o tratamento parcial do chorume nas ETEs é impróprio. “Boa parte dos contaminantes não é tratada e acaba indo para a Baía de Guanabara”, alerta. Ele também destaca os riscos à saúde humana e a desvalorização de áreas urbanas próximas à baía.
Em nota, a Águas do Rio informou que suas ETEs estão licenciadas para o recebimento de chorume e que seguem normas ambientais. A concessionária anunciou investimento de R$ 19 bilhões até 2033 para a universalização do esgotamento sanitário, sendo R$ 2,7 bilhões destinados à Baía de Guanabara com a implantação de coletores em tempo seco.
Já o Inea declarou não haver evidências de despejo irregular, mas informou realizar fiscalizações periódicas. A autarquia reforçou que o tratamento de chorume em ETEs está autorizado pela Resolução Conama nº 430 e pela Norma Operacional nº 45 do próprio instituto, desde que precedido de estudo de tratabilidade.
O professor Emanuel Alencar, autor do livro Baía de Guanabara: descaso e resistência, questiona a efetividade dos investimentos anunciados. “Houve promessas bilionárias com a concessão dos serviços de água e esgoto, mas é preciso mais transparência para que a sociedade acompanhe e cobre resultados”, afirma.
A Seas informou que o Programa de Saneamento Ambiental (PSAM), com investimento de R$ 938 milhões, está em andamento para concluir obras prioritárias. Já o Inea destacou a instalação de 17 ecobarreiras em rios que deságuam na baía, que retiveram, em média, 27,5 toneladas de resíduos por dia desde 2023.
Para especialistas, o combate ao chorume exige educação ambiental, consumo consciente e políticas de não geração de resíduos, além da fiscalização rigorosa e operação adequada de aterros sanitários. Sem essas medidas, a poluição da Baía de Guanabara seguirá como um dos maiores passivos ambientais do estado do Rio de Janeiro.