Bia Willcox em Amores Cariocas: A vida em quarentena como ela é

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– Custa deixar o banheiro digno, Fábio? Custa limpar pia, vaso, box? Vai cair a mão? Eu entro em reunião em meia hora e ainda tenho que ajudar Antônio com o dever do Inglês. Olga também precisa de ajuda com o link da aulinha da escola. Você cuida disso?

–  Meu Deus, se tá tão ocupada, não gasta seu tempo me perseguindo. Vai pegar no pé com limpeza de banheiro também? Se você tem uma reunião, eu tenho que acabar uma planilha extensa pra um call à tarde. Não enche meu saco, Joana!! 

Fábio e Joana formam uma família como tantas outras que conhecemos e que passaram a viver muito mais tempo juntas do que viviam antes da quarentena.

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Fábio trabalha num banco de investimento e Joana é executiva de uma empresa de comunicação. 

Ambos se despediam pela manhã e tocavam suas vidas até voltarem pra casa à noite, com direito a dias de tênis no clube, jantar com amigos e diferentes profissionais em casa para atendê-los – de tutor para o Antônio a diarista e folguista para a Olga.

Brigavam e divergiam no grau de normalidade de quem faz cogestão de casa, filhos e vida profissional.

Agora, a cogestão planejada virou um tudo-junto-misturado-e-emaranhado entre um home office de pouca tranquilidade e bastante barulho, gerência de aulas online e de contas a pagar, faxina da casa, administração de compras, o que inclui lavar com detergente cada saco de batata palha e lata de creme de leite entre mil outros itens, até ficar com dor no braço. A vida que funcionava com leveza passou a precisar de guindaste pra começar o dia.

E se pro cidadão do mundo é difícil encarar isolamento social, imagina pro carioca? Consegue imaginar a dor de quem ficava de havaianas no Posto 10 até a tarde cair, passava o dia no clube, corria na Lagoa ou fechava o dia no Arpoador, e tem agora que se privar dessa overdose de beleza?

Sim, na minha cabeça o Rio anda até mais bonito. Descobri que havia me acostumado a ele e posso ter até renegado o seu valor – ressentimentos de quem ama… mas a verdade é que quanto menos eu saio de casa, mais eu sonho em voltar a sair no Rio de Janeiro. Quanto mais quarentena, mais saudade e paixão pelos programas simples e, o melhor, gratuitos, dessa cidade que nunca vai deixar de ser maravilhosa. 

Fábio e Joana sentem essa mesma dor.

A vida era puxada mas eles tinham a beleza natural e a alegria da cidade  para fazer a vida valer mais à pena. 

Agora cá estão eles, estressados com a rotina de sobrepeso que passaram a ter.

Chegou a noite daquele dia da limpeza do banheiro.

Acabou o último jornal.

Crianças enfim dormindo. 

Joana tira uma lingerie do fundo da gaveta,  borrifa Amarige no pescoço (ela é fiel ao Amarige que começou a usar ainda menina) e vai pro escritório onde Fábio está trabalhando. Ela tinha consciência de que o dia tinha sido especialmente chato e queria consertar antes de que ele terminasse. 

Entra pé ante pé no recinto e abraça-o por trás da cadeira, tentando lhe fazer uma supresa.

Eis que  o que deveria ser um momento sensual de preliminares, foi na verdade um incêndio de proporções graves ao dia já prejudicado por bate bocas e cansaço: Fábio estava em seu celular recebendo fotos de uma mulher. 

Joana viu tudo.

O bicho pegou e eu nem preciso descrever o que aconteceu depois.

Houve gritos, choro, desculpas, mentiras, gagueiras e por fim silêncio.

Fábio, sentindo uma culpa horrível, dormiu no escritório.

Joana foi pro quarto se sentindo a pior das mulheres, com a autoestima no chão. 

Pegou seu celular e resolveu se abrir com uma de suas melhores amigas no whatsapp:

– Você não viu quem era, Jô?

– Não, Márcia, não vi direito. Vi que era loira. A foto tinha filtro. A lingerie era preta.

– Foto com filtro é o novo normal. Até aí nada. Amiga, em primeiro lugar, você tem que fazer ele admitir tudo e te contar tudo sobre ela. É muito importante você saber se era um caso de antes da quarentena que tá agora à distância ou se é algo só virtual que começou depois do isolamento.

– Pra quê? Não faz a menor diferença!

– Claro que faz, Jô. Se é caso presencial eles já se encontraram, provavelmente fizeram sexo e há chance de eles terem se envolvido um com outro.  Desculpa, amiga mas e preciso ser realista, apesar de não apostar nessa possibilidade. 

– Cara, ele nunca nunca deu qualquer pinta. Nunca chegou tarde. Sempre voltamos juntos pra casa. Sempre saímos juntos, ele não tem viagem de trabalho e nem qualquer movimento que pareça traição. Se tinha um caso extraconjugal antes da pandemia, ele é um gênio na arte de esconder.

– Então, isso que tô dizendo: pode não ser traição.

– Claro que e traição, Márcia. Pirou?

– E se for somente microtraição? Ou um inofensivo webnamoro? Coisas que não vão nunca passar de virtuais?

– Pra mim é a mesma traição. A mesma dor. A mesma raiva.

– Ok, amiga. Eu te entendo, claro. Mas olha, pensa que perdemos de repente toda a diversão. Perdemos nossas vidas, nossa saudade um do outro, um tanto da nossa individualidade e ganhamos o peso de um futuro incerto e um presente de excesso de convivência e de problemas sem fim. Casais podem sair dessa mais unidas, mas também mais desgastados. Precisamos ser flexíveis, dar um desconto mútuo e relevarmos certas coisas que não relevaríamos antes. Consideremos um momento de gamificação necessária do cotidiano -Fábio jogou  o vídeo game do dia. Consegue ver assim, apesar da dor?

– Não consigo. Tenho os mesmos problemas dele e não faço isso. É uma falta imensa de respeito fazer isso dentro da nossa casa. Na casa de nossos filhos!

– Concordo. Mas ele faria aonde? Você já pensou que você também pode fazer O mesmo e se divertir. Fugir um pouco desse mundo real de pandemia pra entrar numa fantasia inofensiva que pode te fazer mais leve e feliz por algum tempo?

– Cara, isso é ridiculo. Nunca precisei desse tipo de coisa pra arranjar homem ou ser feliz!

– Você tá sendo dura e preconceituosa. Eu tenho webnamorados e uso aplicativos! É por que preciso? Eu não preciso de nada! Estou me divertindo. Estou vivendo o tempo presente e futuro. Aceita, pois é o que temos pra hoje e isso não diminui ninguém.

– Desculpa se te ofendi, amiga. Não foi a intenção…Muitas vezes invejei a sua solteirice. Claro que não diminui! Você tá certa.

– E eu invejei a sua linda família! Não esquenta. Tô tentando te fazer ver com outras lentes, por outro ângulo. Faz o que achar melhor. 

– Vou me separar. É isso.

– Ah é? Como? Vai expor o pai dos seus filhos ao vírus? Botar ele na rua? Fazer ele ir pra hotel ? Vai divorciar  em que cartório? Checa o horário que tá aberto pra não perder a viagem haha! Amiga, estamos no meio do furacão covid! Não é hora pra atitudes radicais. Dorme e se acalma. 

É hora de tentar entender  as fraquezas um do outro. Vocês se gostam, pô. Arranca dele amanhã tudo sobre essa mulher e o que eles têm de verdade. Dorme agora! Toma uma aì umas gotinhas de Rivotril e dorme bem, amiga.

– Obrigada, Márcia. Não comenta com mais ninguém. Amanhã converso com ele. Vou tentar dormir. Boa noite. Te amo! 

– Te amo também, amiga linda. Se cuida.

Trocaram stickers motivacionais e saíram do WhatsApp.

Joana custou a dormir. 

Fábio também. Não era pra ela ter visto nada! Simplesmente uma cagada. 

No dia seguinte, sentindo o peso do mundo, Joana levantou para preparar o café da manhã do Antônio e da Olga, e agitar o almoço da familia logo cedo, pois o dia ia ser cheio. 

Sim, ela estava exausta já às 7:30.

De repente, ela se viu ranzinza, chata, irritada com o chão meio sujo, com as roupas sujas que o Fábio prometeu colocar pra lavar.

Ela se viu velha e insuportável.

Ela chorou por tudo: a imagem da loira no celular do Fábio, a vida que ela deixou de ter, o medo do vírus,  o tempo trancado em casa que não volta… chorou de saudade de seus pais e de seus amigos. Chorou muito.

Todos os finais de semana divertidos e todos os dias de sol no Rio ficaram na memória e num passado que parece longínquo.

Joana lavou o rosto e pegou o celular. Abriu o whatsapp. 

-Márcia, tá aí? Quando acordar me chama aqui? Quero saber qual dos aplicativos de paquera que você falou ontem, você acha que eu devo baixar.

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