Clipe de cantora gospel Cassiane é criticado por ‘naturalizar’ violência contra a mulher

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Cena do clipe de ''A Voz'', da cantora gospel Cassiane - Foto: Reprodução/Internet

Nesta sexta-feira (17/07), a cantora gospel Cassiane, natural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, lançou o clipe oficial de sua música ”A Voz”. O vídeo, no entanto, está sofrendo diversas críticas na internet, pois, segundo as reclamações, ”romantiza” a violência contra a mulher, naturalizando a situação de modo como se o perdão de Deus e uma ”nova vida” fossem o suficiente, não sendo necessária uma denúncia formal à polícia.

https://www.youtube.com/watch?v=Vyx-Lu6rxi8

Enquanto Cassiane canta a letra da música, que, de maneira geral, fala sobre perdão e restauração de vida, o clipe mostra a história de um casal heterossexual no qual a esposa sofre agressões do marido, um suposto alcoólatra. Ele, inclusive, numa cena, deixa de pagar uma conta de luz para utilizar o dinheiro para comprar mais bebida e, em outro momento, furta dinheiro da carteira da mulher para a mesma situação, com ela sendo supostamente agredida ao tentar impedi-lo.

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Na primeira cena, mulher tenta impedir o marido de pegar dinheiro de sua carteira e é ameaçada por ele; na segunda, logo em seguida, ela aparece com hematoma na boca – Foto: Reprodução/Internet

Depois dessa e de outras demonstrações de agressividade, a mulher, religiosa, opta por sair de casa e deixa um bilhete dentro de uma Bíblia para o marido, dizendo que o perdoava e pedindo que ele abrisse o coração para Deus. No final, os 2 se reencontram na rua, com o clipe dando a entender que o homem se ”regenerou” e que o casal reataria o romance – embora isso não fique totalmente explícito.

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Respectivamente, carta deixada ao marido pela esposa no clipe e última cena, com os 2 se reencontrando e supostamente se reconciliando, devido à regeneração dele, mas sem ser denunciado por ela – Foto: Reprodução/Internet

Entre os comentários criticando o roteiro, uma pessoa, chamada Edleuza Souza, disse: ”Sou cristã e fui vítima de violência doméstica por muitos anos. Esse clipe é um desserviço a mulheres que passam por isso nesse momento. Meu ex-agressor era crente. Dentro da igreja era um santo, em casa ele mostrava sua verdadeira face. Fui espancada, violentada e traída. Na época, fazia como o clipe aconselha: orava pela libertação dele, até ir parar no hospital depois de mais uma agressão. Criei coragem e denunciei. Saí de casa com minhas filhas. Não se calem, denunciem.”

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comentários clipe 2 Clipe de cantora gospel Cassiane é criticado por 'naturalizar' violência contra a mulher
Comentários negativos sobre o roteiro do clipe – Foto: Reprodução/Internet

Já outra, Lara Evelyn, se pronunciou da seguinte forma: ”É o clipe mais decepcionante que já vi. A mensagem do clipe é: fiquem quietas e orem que seu marido mudar. Não é assim, mulheres. Se encorajem e denunciem! Quanto à Cassiane e sua produção, melhorem e, de preferência, apaguem essas cenas ridículas e mostrem às mulheres que elas não estão sozinhas e que Deus pode ser seu maior refúgio, sim, mas que devem ligar 180 e não se calarem.”

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Mais comentários criticando a história retratada no vídeo – Foto: Reprodução/Internet

Integrante do coletivo feminista Todas por Todas, que funciona como uma rede de apoio a mulheres vítimas de violência no Rio de Janeiro, Jessica Coccoli diz conhecer pessoas que vivem situação similar a do clipe, ressaltou os vários tipos de agressões – não só física – que acontecem no vídeo e que o mesmo não sugere um alerta para que denúncias sejam feitas.

”Esse clipe, na realidade, me pareceu bem familiar, porque eu conheço um casal que vive algo semelhante. A única diferença é que o cara não bebe, ‘não bate’, também é da igreja. Mas é justamente esse o ponto: somente quando há agressão física é considerado violência? No vídeo, o cara comete vários tipos de violência o tempo todo, psicológica, patrimonial, e, no final, ele dá uma porrada na mulher e fica por isso mesmo. Não há um alerta para que mulheres denunciem, ninguém fala sobre a importância de tomar consciência acerca do problema. Sem falar que a ideia toda ainda reduz a situação como se fosse, pura e simplesmente, falta de Deus ou pelo consumo de bebida alcoólica. No geral, achei o clipe um desserviço, porque naturaliza a violência contra a mulher e banaliza a condição de milhares de vítimas. Muitas delas, que sequer fazem ideia do que vivem ou de como podem buscar ajuda”, explica Jessica.

Corroborando com Jessica em relação às variadas agressões presentes no vídeo, a psicóloga Mirlene Carvalho ressalta também para as 3 fases do ”Ciclo da Violência”, um estudo elaborado em 1979 por Leonore Walker, psicóloga norte-americana referência em pesquisas relacionadas ao assunto.

”O enredo do clipe demonstra claramente violência física, psicológica e patrimonial conforme tipificadas na Lei Maria da Penha. A violência doméstica, que é um problema de cunho social, é romantizada e espiritualizada ao longo da produção. Além disso, o desfecho do enredo pode servir ainda para a naturalização e repetição do ciclo da violência, demonstrando exatamente as 3 fases caracterizadas por Leonore Walker: aumento da tensão, ato de violência e arrependimento/comportamento carinhoso. Desta forma, o clipe produzido pode contribuir para o silenciamento e perpetuação da violência doméstica contra mulheres em um momento de pandemia, em que já vemos uma aumento exponencial de atos violentos”, diz Mirlene.

Já a psicóloga clínica Larissa Fonseca, dona da página Tempo de Psique, aponta para os perigos do amor evidenciado de diversas formas em relação às mulheres, e o quanto isso pode afetá-las.

”O amor romântico é um dos lugares mais perigosos que uma mulher pode estar e o clipe corrobora com essa visão ao tentar naturalizá-la. Uma grande parcela das mulheres ainda sofrem em nome do amor, por amarem demais, por amarem de menos ou por não serem amadas. Mas por que ainda hoje isso nos afeta tanto? Acredito que essa visão só começará a ser modificada quando nos emanciparmos desse amor romântico que aprisiona, e o clipe traz isso fortemente”, diz Larissa.

Produtora diz que abordagem do clipe é ”espiritual e não jurídica”

O DIÁRIO DO RIO entrou em contato com a assessoria de imprensa de Cassiane para falar sobre o assunto, e a mesma argumentou que a cantora fez apenas a base do clipe, com o roteiro ficando a cargo da produtora MK Music. A empresa, por sua vez, também via assessoria, até o fechamento desta matéria, não havia se manifestado sobre as queixas do público na internet. Em relação ao script, por meio de nota oficial, a diretora artística Marina de Oliveira disse que a abordagem do vídeo é espiritual e não jurídica, e que a decisão sobre denunciar ou não o agressor é exclusivamente da vítima.

”Não podemos esperar que pessoas que ainda não foram alcançadas pela graça de Deus compreendam a profundidade da história. Essas pessoas não acreditam que Deus em sua misericórdia tem poder para mudar a vida e o comportamento de uma pessoa. Para enxergar e compreender isso é preciso se converter. Como esta mulher do clipe, existem milhares de outras que sofrem agressão e a decisão da denúncia é de cada uma delas. Notem que não fica claro no clipe se a mulher denunciou o marido. Quem sabe, quando ela foi embora também não ligou para denunciar? Nossa abordagem no clipe é espiritual e não jurídica. O foco do clipe é que a voz de Deus faz demônios saírem e tem poder para transformar vidas e conceder uma segunda chance até para o mais vil pecador, ou criminoso. Assim como não aparece a mulher denunciando, também não aparece ela voltando para casa. O clipe termina em aberto justamente por ser um assunto tão íntimo, delicado e polêmico”, diz Marina.

Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher

O DIÁRIO DO RIO ressalta que, caso você deseje denunciar uma agressão e/ou assédio sofrido por uma mulher, a central de atendimento referente a essas duas situações atende pelo telefone 180.

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12 COMENTÁRIOS

  1. sou mulher indepedente de religiao denucie tem pessoas na igrejaque nao estao libertaporque nao aceitaram cristo deverdade aceitarcristo deixar tudo e nao da brecha para o adevessario

  2. O clipe só reforça a tese de que o ambiente religioso não é compatível com o pensamento crítico e a consciência cidadã. Pelo amor de Deus!!! Não dá pra defender esse clipe em circunstância alguma. As pessoas envolvidas precisam ter responsabilidade. O assunto é grave e essa abordagem pode impor ainda mais sofrimento a uma legião de mulheres vítimas de violência. Em hipótese alguma a dita msg do “perdão” – eu chamaria de alienação – pode se sobrepor sobre a atitude correta a ser tomada nesta circunstância. Isso não pode ficar subentendido de modo que só alguns “iluminados” (ironia) percebam. Tem que estar claro para todos, senão está errado sim – e muito errado! Denunciar pode salvar vidas! Deixem de lado o fanatismo religioso e raciocinem. Nenhum Deus seria favorável a um clipe desse – a menos que ele não se preocupasse com as mulheres ou os oprimidos. É esse tipo de Deus que pregam no meio evangélico?

  3. VEJA O CLIPE ATÉ O FINAL, INCLUSIVE QUEM ESCREVEU A MATERIA…
    DEIXARAM DE VER QUE
    1. ELA DENUNCIOU A POLÍCIA
    1. ELA NAO SE SUJEITOU A VIOLÊNCIA
    3. ELA SAIU DE CASA

    E continuou a orar pelo marido…

    O cristão tem FÉ mas também tem OBRAS.

    FÉ PARA CRER QUE DEUS PODE FAZER MILAGRES

    MAS OBRAS… ATITUDES CORRETAS TAMBEM

  4. Se você passa por esse tipo de violência e sua pastora ou pastor ao invés de te ajudar ir pra delegacia fala pra você apenas orar, procure à delegacia faça um boletim de ocorrência contra o marido/agressor e contra o pastor/pastora também.

  5. Lendo muitos comentários inerentes ao clipe, pois muitos estão dizendo que o clip passa a mensagem pra que a mulher fique quieta e apenas ore pelo seu agressor, o que é uma grande mentira, ela sai de casa vcs são cegos? e quanto ao mandamento bíblico ela está desrespeitando a Deus então saindo de casa? povo hoje tá chato, claro que se deve denunciar agressão, mas isso está a cargo de cada um, ela o perdoou e ele viu que estava errado e mudou, foi isso que o clipe passou mais nada, vendo comentários de grupos feministas kkkk grupos feministas adoram achincalhar envangelicos caia na real viva sua vida.

  6. todos nós devemos orar por um mundo melhor em que um venha a respeitar o outro, maridos saibam a tratar suas esposas com amor e respeito.e não só por casais mas sim pelo próximo, porque
    somente JESUS CRISTO pode transformar
    o mundo.
    mas o sujeito que comete crimes físicos ou verbais tem que ser punido dentro da lei. pra que a lei se cumpra! e não continue a injustiça crescer no mundo

  7. O clipe em questão com certeza não é o primeiro e não será o último a seguir essa metodologia, ti incomodou? Não assista e pare de perseguição ao trabalho dela, só pq é de aspecto religioso? Sou evangélica e não vou assistir, isso fica a critério de cada um.

  8. Não sou cristão, mas respeito a sua fé.
    Também respeito a liberdade e o direito de escolha de uma pessoa na condução de sua própria vida.
    Ademais, o fato de algo não estar explícito também não elimina a sua possibilidade, no caso da arte. A interpretação é individual, não é?
    Basta de autoritarismo, gente.
    Basta de ódio aos religiosos.
    Mais amor, por favor.

  9. O que se pretende a todos os seguidores do Neopentecostalismo é exatamente isso. Obediência e submissão. Odeiam a mulher.
    E o impressionante é que são (mulheres) a maioria dos seguidores que frequentam o templo (dirigidos por homens).
    E inda tem quem diz que mulheres são melhores que os homens na direção… so se for no mundo excetuando o Brasil Neopentecostal.

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