Bem-vindos à minha coluna no Diário do Rio!
É com grande satisfação que inauguro este espaço semanal, onde discutiremos questões e curiosidades jurídicas que impactam diretamente os cidadãos fluminenses. Meu objetivo é trazer um olhar crítico sobre temas relevantes do Direito, sempre com uma linguagem acessível, para que todos possam compreender melhor as normas que regem nossa sociedade. Agradeço ao Diário do Rio pela oportunidade de compartilhar conhecimento e estimular reflexões sobre o funcionamento do nosso sistema de justiça.
Nesta primeira coluna, abordaremos uma questão que tem gerado debates acalorados no meio jurídico: a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de ampliar os prazos para que os tribunais se adequem às novas diretrizes sobre julgamentos virtuais. Trata-se da Resolução CNJ nº 591/2024, cujo texto completo pode ser acessado em: https://atos.cnj.jus.br/files/original231335202410236719831fd991a.pdf . A medida atende `as demandas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), preocupada com os impactos dessa mudança sobre os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Mas, afinal, quais são os riscos embutidos nessa nova realidade para os processos judiciais?
Julgamentos Virtuais e o risco ao Acesso à Justiça
A digitalização dos processos judiciais é uma tendência irreversível e, sem dúvida, traz benefícios como celeridade e redução de custos. No entanto, quando se trata da aplicação da justiça, a rapidez não pode comprometer direitos fundamentais. A Resolução do CNJ prevê a ampliação do uso das sessões virtuais e assíncronas, o que significa que muitas decisões poderão ser tomadas sem a necessidade de debates presenciais ou sequer em tempo real. Embora isso pareça um avanço tecnológico, na prática, pode dificultar a participação efetiva da advocacia e das partes interessadas na defesa dos seus direitos.
O Contraditório e a Ampla Defesa são pilares essenciais do Devido Processo Legal. O Contraditório garante que todas as partes envolvidas tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos, responder às alegações contrárias e consolidar o poder de influência na construção da decisão judicial. Já a Ampla Defesa assegura que ninguém seja julgado sem ter a chance de utilizar todos os meios legítimos para provar sua inocência ou pleitear seus direitos. A aplicação rígida dos julgamentos virtuais pode comprometer esses princípios ao limitar a possibilidade de sustentações orais e debates aprofundados.
Imaginem um caso complexo, em que a argumentação oral pode fazer a diferença na interpretação de provas e na formação do convencimento dos julgadores. Se a sessão ocorre de maneira assíncrona, sem um diálogo direto entre as partes e o tribunal, perde-se a dinâmica essencial para um julgamento justo. Há situações em que a oralidade e a interação humana são insubstituíveis. Além disso, nem todos os cidadãos têm acesso facilitado à tecnologia, o que pode gerar um abismo ainda maior entre aqueles que conseguem se adaptar ao modelo digital e os que encontram dificuldades.
Outro ponto crítico é que a ausência do contato presencial pode reduzir a sensibilidade dos magistrados na avaliação de determinados casos. Expressões faciais, linguagem corporal e até mesmo a forma como os argumentos são apresentados podem ter um impacto significativo na decisão final. Essa ausência de interação pode levar a julgamentos menos humanizados e menos sensíveis a questões sociais complexas.
A Resolução CNJ nº 591/2024 ainda apresenta desafios quanto à transparência e publicidade dos julgamentos. A justiça deve ser acessível e compreensível para a população, e os julgamentos virtuais, especialmente os assíncronos, podem dificultar o acompanhamento dos casos, aumentando a sensação de distanciamento entre o Judiciário e os cidadãos, o que caminha na contramão dos esforços de políticas públicas judiciárias do CNJ para a promoção e proteção dos Direitos Fundamentais.
A preocupação da OAB e o papel da advocacia
Diante desse cenário, a OAB tem se posicionado fortemente para garantir que as mudanças no processo judicial não resultem em retrocessos. A ampliação dos prazos concedida pelo CNJ permite que tribunais e advogados se adaptem, mas não resolve as preocupações centrais: o risco de esvaziamento do direito de defesa e a necessidade de maior transparência nos julgamentos virtuais.
O papel da advocacia é essencial para equilibrar a relação entre o poder judiciário e o cidadão. Quando se restringe o espaço para a atuação dos advogados, fragiliza-se um dos pilares fundamentais do Estado de Direito. O advogado não é apenas um representante técnico, mas sim um instrumento de garantia da justiça, e qualquer medida que dificulte sua atuação deve ser vista com extrema cautela.
Além disso, o advogado tem o papel de esclarecer as complexidades do sistema jurídico aos cidadãos. Muitos não compreendem como as decisões são tomadas ou quais são seus direitos e deveres no processo judicial. A limitação dos julgamentos presenciais pode tornar esse processo ainda mais opaco, aumentando a sensação de distância entre a sociedade e o Judiciário. Para evitar esse problema, é essencial que haja regulamentação clara e garantias concretas de que o uso da tecnologia não implicará a redução dos direitos dos envolvidos.
Conclusão: digitalização sim, mas com garantias
A modernização do Judiciário é inevitável e desejável, desde que venha acompanhada de mecanismos que garantam a participação efetiva das partes e a preservação dos princípios constitucionais. O processo judicial não pode ser reduzido a um procedimento automatizado, onde a eficiência prevalece sobre os Direitos Fundamentais. É necessário um equilíbrio entre inovação e respeito às garantias individuais.
Diante disso, é crucial que o CNJ estabeleça diretrizes mais claras e que garantam que os tribunais adaptem os julgamentos virtuais sem prejudicar o direito ao Contraditório e à Ampla Defesa. A Advocacia e a sociedade devem acompanhar atentamente essas mudanças, exigindo que a tecnologia seja utilizada como um meio para aprimorar a Justiça, e não para dificultar seu acesso.
A digitalização deve ser utilizada como ferramenta de ampliação do acesso à justiça, e não como barreira para os cidadãos. A regulamentação dos julgamentos virtuais precisa ser feita de forma cuidadosa, garantindo que os tribunais não se tornem espaços inacessíveis ou distantes do público que mais precisa da Justiça.
Nas próximas colunas, continuaremos explorando temas que impactam o dia a dia dos cidadãos fluminenses, sempre com o compromisso de traduzir o Direito de forma clara e acessível. Acompanhem e participem desse debate essencial para a construção de uma sociedade mais justa e consciente de seus direitos.