Concordância Verbal–Parte 1

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Lingua Portuguesa

Prezados Leitores do Diário do Rio de Janeiro:

Trago hoje um assunto que muitas vezes causa embaraço aos usuários da língua portuguesa, sobretudo aos que pretendem utilizar a modalidade escrita no registro formal padrão: concordância verbal.

Como sabemos, uma das características da língua portuguesa é possuir verbos flexionados em número e pessoa. E são exatamente essas duas categorias de flexão que interessam à chamada “concordância verbal”. Há línguas em que esta flexão não existe ou praticamente não existe, como é o caso da língua inglesa, em que, à exceção de alguns poucos verbos e/ou de alguns tempos e modos verbais, posso dizer I did, you did, he/she/it did, we did, you did, they did; e assim por diante.

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Assim, além da peculiaridade de o verbo em português flexionar-se sempre (ou quase sempre, como veremos ao longo desta série de colunas) em número e pessoa, a língua portuguesa ainda possui a característica de que esse verbo pode flexionar-se ora com o sujeito da oração, ora com o predicativo, ora com o adjunto adnominal (concordâncias atrativas), ora com a ideia que a oração encerra semanticamente (concordância ideológica ou silepse); etc.

Todas essas características tornam a língua portuguesa um exemplo ímpar, sem dúvida nenhuma, entre as demais línguas vivas no globo.

Vamos, pois, às aventuras da concordância verbal?

Lembro que eventuais dúvidas que surjam acerca deste e de outros assuntos gramaticais, filológicos ou linguísticos podem ser endereçadas ao Centro Filológico Clóvis Monteiro, da UERJ, pelo endereço eletrônico cefiluerj@gmail.com

Teremos, sempre, enorme prazer em ajudar.

Lembro aos leitores que há dois livros meus sobre Gramática Normativa sendo publicados apenas este ano: Uma Gramática Normativa — sem preconceito e sem trauma (Saarbrücken, Alemanha: OmniScriptum, 2016, 110 páginas) e Nova Gramática para Concursos ­(com exercícios comentados) (Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2016, 1200 páginas). Assim que as obras saírem (e isto será bem em breve), anunciaremos aqui, no Diário do Rio de Janeiro.

Abraços,

Marcelo Moraes Caetano

I) CASOS GERAIS:

A) O verbo concorda em número e pessoa com o sujeito da oração.

EXEMPLO: Eu faço, tu fazes, ele faz etc.

Assim, as desinências do verbo indicarão o sujeito sem que, em primeira instância, haja necessidade de este ser explícito, já que é inequívoco (ainda que venha subentendido).

EXEMPLOS:

“Nasceram – crianças lindas,

Viveram – moças gentis…” (Castro Alves)

“O Arraial crescia vertiginosamente, coalhando as colinas.” (Euclides da Cunha)

Nos casos acima, o sujeito está explícito (no 1º caso, posposto ao verbo; no 2º, anteposto).

Há formas, também, em que, pelas simples flexões do verbo, o sujeito poderá vir em forma de ZEUGMA (apenas um sujeito explícito e todos os demais semelhantes àquele) ou de ELIPSE (omissão do sujeito).

EXEMPLOS:

“Um amigo não tenhas piedoso – suj: tu ELIPSE

Que o teu corpo na terra embalsame…” (G. Dias)

“Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste? – suj: tu ZEUGMA

Não descende o covarde do forte;

Pois choraste , meu filho não és!” (Gonçalves Dias)

“A barca vinha perto, chegou, atracou, (suj: nós) entramos” (Machado de Assis)

“O homem (suj) relanceou os olhos a ver talvez se descobrira o Chicão (obj)… depois teve a modo de engulhos e depois ficou como entesado…

Pensaria mesmo que a filha tinha fugido com o Guindão ?” (Simões Lopes Neto)

suj: homem ZEUGMA

“Nada sou, nada posso, nada digo…” (F. Pessoa) suj: eu ELIPSE

B) Sujeito Composto

Entende-se por sujeito composto aquele formado por vários núcleos. Assim, não há ¾ como no sujeito simples (casos que vimos nos exemplos acima) ¾ um único ser de quem se declara algo, mas, sim, vários seres.

A ocorrência de sujeito composto acarreta que o verbo receberá flexão de número PLURAL (salvo algumas exceções que serão tratadas).

Quanto à pessoa, são as seguintes as flexões verbais:

1 – Irá para a primeira pessoa do plural (“nós”) se houver, entre os núcleos do sujeito composto, um de 1ª pessoa (do singular ou do plural, indiferentemente).

EXEMPLOS:

Eu(1ª pes/sing) e Júlio(1ª pes/pl) saímos

Tu, Júlia e eu(1ª pes/sing) faremos(1ª pes/pl) aquilo?

2 – Irá para a 2ª do plural (“Vós”) caso haja 2ª pessoa entre os núcleos (e não haja 1ª pessoa, o que preponderaria sobre a 2ª) –

EXEMPLOS:

Tu(2ª pes/sing) e Júlia fareis(2ª pes/pl) aquilo?

Antônio e tu(2ª pes/sing) quereis(2ª pes/pl) isto?

3 – Irá para a 3ª pessoa do plural (“eles”) se figurarem, entre os núcleos, apenas referências à 3ª pessoa.

EXEMPLOS:

O irmão(3ª pes/sing) e a irmã(3ª pes/sing) chegaram.

OBSERVAÇÃO: Claro está que, usualmente, a 2ª pessoa (sing. ou pl.) não figura, isto é substituída coloquialmente por “você”, “vocês”. Ocorrida tal substituição (perfeitamente gramatical), seguir-se-á a 3ª regra acima. Assim:

EXEMPLOS:

Chegaram(3ª pes/pl) você(substituindo “tu”) e seu amigo?

Em lugar de

Chegareis(2ª pes/pl) tu e teu amigo? Ou Chegastes(2ª pes/pl) tu e teu amigo?

Não obstante, não faltar abonações em que a norma da 2ª é imiscuída à norma pertencente à da 3ª. Assim:

EXEMPLOS:

“Em que língua tu(2ª pes/sing) e ele falavam(3ª pes/pl)?” (R. Fonseca)

Gramatical: “Em que língua tu(2ª pes/sing) e ele faláveis(2ª pes/sing)?”

“Tu(2ª pes) e Chico levem(imp / 3ª pes) o Sr. Alves para casa.”

Gramatical: “Tu(2ª pes) e Chico levai(imp. 2ª pes) o Sr. Alves para casa”

OBSERVAÇÃO:

Em muitas circunstâncias, o verbo poderá concordar apenas com o núcleo mais próximo, embora se refira aos demais núcleos:

Previmos, apenas, alguns casos que isso pode ocorrer:

B.1) Verbo anteposto aos núcleos do sujeito.

Nestes casos, poderá o verbo concordar com o núcleo mais próximo ou, ainda, seguir as normas pertencentes a sujeito composto (apontadas acima), isto é, ir para o plural.

EXEMPLOS:

“Habita-me o espaço e a desolação.” (V. Ferreira)

ou igualmente correto:

“Habitam-me o espaço e a desolação.”

Era interessante a carta e o cartão.

ou

Eram interessantes a carta e o cartão.

OBSERVAÇÃO: Convém comentar que o verbo anteposto aos sujeitos, como vimos acima, poderá concordar com o núcleo mais próximo ou com todos os núcleos.

O cuidado que se deve ter em mente diz respeito às flexões do adjetivo predicativo do sujeito, que deverá:

1) Ir para o singular, caso o verbo o faça:

EXEMPLOS:

“Estava deserta a vila, a casa, o templo.”

“Era novo o livro e a caneta.” (Celso Cunha)

“Que te seja propício o astro e a flor.”(F. Espanca)

Que se chegue plácida a Lua e o Sol.”

2) Ir para o plural, caso o verbo o faça:

EXEMPLOS:

“Estavam desertos a vila, a casa, o templo.”

“Eram novos o livro e a caneta.”

“Que te Sejam próprios o astro e a flor.”

Que se cheguem plácidos a Lua e o Sol.

B.2) Quando todos os sujeitos aparecem como qualidade, atitudes, especificações de uma única coisa, o verbo poderá ir para o plural ou permanecer no singular:

Tal concordância é possível se considerarmos que núcleos do sujeito procuram um conjunto, uma única qualidade em si.

A concordância com o plural, portanto, não é – de forma alguma – incorreta; aconselha-se, aliás, que se dê preferência à flexão plural, por ser mais objetiva, menos ambígua.

EXEMPLOS:

A vontade e perseverança de Júlia fez dela grande pessoa.

“…se graça e a misericórdia de Deus não me acode.” (Castelo Branco)

A beleza e a praticidade dos livros é igualmente importante.

A vontade e a perseverança de Júlia fizeram dela grande pessoa.

…se a graça e a misericórdia de Deus não me acodem.

A beleza e a praticidade dos livros são igualmente importantes.

OBSERVAÇÃO: Se, diferentemente do caso acima, os núcleos do sujeito composto forem relacionados a um único ser, isto é, se forem apenas cognomes ou atributos ou títulos diferentes de uma mesma pessoa ou coisa, claro está que é com tal pessoa ou coisa que o verbo concordará em número e pessoa.

EXEMPLOS:

O grande Deus e criador de todas as coisas é meu Senhor

“A rainha de Inglaterra e Imperatriz das Índias faleceu.”(C. Góis)

B.3) Se os núcleos forem sinônimos ou quase sinônimos, o verbo poderá ir para o plural ou para o singular:

EXEMPLOS:

“A debilitação e a fraqueza vincava cruelmente meu velho rosto.”(Clarice Lispector)

“Triste ventura e negro fado os chama”(Camões)

B.4) Quando houver elementos em gradação o verbo poderá ir para o plural ou permanecer no singular (este muito mais corriqueiro literária e coloquialmente).

EXEMPLOS:

“A tolice, a intolerância, a debilidade do argumento fez com que sua defesa se tornasse fraquíssima.”(R. Barbosa)

“O grotesco, o pobre, o sem forças era triturado…”(A. Bessa Luís)

OBSERVAÇÃO:

Haverá gradação em duas situações distintas (situações estas que, como vimos, pedirão o emprego do verbo no singular, preferentemente)

1- Ausência de conjunção aditiva (ASSÍNDETO).

EXEMPLOS:

“Um grito, uma palavra, um movimento, um simples olhar causava-lhe medo”(C. Ribeiro)

“O barulho, o apito, o leque, o rumor se decifra sem alarme.”(F. Gullar)

Os amigos, os irmãos, as festas, a família passava pela sua cabeça.

2- Repetição da conjunção aditiva (POLISSÍNDETO) ou de quaisquer outras palavras (ITERAÇÃO/ANÁFORA)

EXEMPLOS:

E a mãe, e o filho, e os irmãos, e o pai chegou.

“Cada coluna, cada dossel, cada poste, cada ano era uma página de canção imensa.”(Herculano)

“A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava…”(M. Lobato)

OBSERVAÇÃO:

Razão mais forte pedirá o verbo no singular (após enumeração), quando os núcleos do sujeito forem “resumidos” ou “recapitulados” por um pronome indefinido (alguém, ninguém, nada, tudo):

EXEMPLOS:

Pedro, José, Paulo, Antônio, alguém precisou fazer algo.

“Perfume, harmonia, tudo entoara na opereta…”

“Letras, ciências, costumes, instituições, nada disso é nacional” (Eça de Queirós)

“Comandantes, oficiais, soldados, ninguém escapou…”

“Pai e filho, cada um seguiu seu caminho.”(Epifânio Dias)

B.5) Quando o sujeito composto tiver, como núcleo, dois ou mais infinitivos, haverá as seguintes possibilidades:

B.5.1) O verbo ficará no singular se os núcleos do sujeito, apesar de seus verbos em formas nominais (infinitivos), ainda assim forem verbos (tal fato se dará quando os infinitivos não virem especificados por um artigo; veja item 2 abaixo)

EXEMPLOS:

“Fazer e escrever é a mesma coisa.”(Araújo Correia)

“Ouvir e entender é bom para o espírito”(J.J. Kaga)

“Vê-lo e amá-lo foi obra de um minuto.”(Raquel de Queirós)

B.5.2) Se se colocavam artigos (definidos indefinidos), os verbos deixarão de sê-lo e, pois, sem sendo substantivos, farão com que o verbo da oração vá para o plural (a menos, é claro, que ocorra os casos A, B, C, ou D).

EXEMPLOS:

O escrever e o ler são necessários.

O nascer e o rir do mundo é a coisa mais bonita que há. (sinônimos)

B.5.3) Se, embora infinitivos, os verbos forem antônimos, a concordância verbal se dará no plural também.

EXEMPLOS:

“Se alternam rir e chorar.”(Alberto de Oliveira)

Morrer e viver são coisas diferentes.

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PhD em Língua Portuguesa pela UERJ. É professor adjunto de língua portuguesa e filologia românica da UERJ e author and content developer da California State University. Tradutor de inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, latim e grego, pesquisador das filologias russa e mandarim. Escritor com mais de 40 livros publicados e premiados no Brasil e no mundo. Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia, do PEN Club Rio-Londres, da Académie des Arts, Sciences et Lettres de Paris e da Academía de Letras y Artes de Chile. Em 2011, recebeu a Comenda e a Médaille de Vermeil do Governo francês.
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