Coronavírus: esgoto não tratado pode estar contaminando trabalhadores do setor do saneamento básico

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Foto: Edu Garcia

No último dia 31/03/2020, a Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e da Região dos Lagos e o Ministério Público Estadual receberam uma Representação judicial encaminhada pelo Movimento Baía Viva que, com base em recentes estudos científicos recém-publicados, busca alertar e cobrar das autoridades competentes uma série de medidas e ações para salvaguardar a saúde e a vida de milhares de trabalhadores do setor Saneamento que num preocupante e gravíssimo cenário atual de emergência de saúde pública provocada pela pandemia global do novo Coronavírus, que demostram que pacientes com a Covid-19 apresentaram em suas fezes o RNA do Sars-CoV-2, o novo Coronavírus, causador da doença.

Em poucas horas do envio da denúncia por e-mail, uma investigação foi aberta nesta manhã por ordem do Promotor de Justiça José Alexandre Maximino Mota, Coordenador do GAEMA (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA) do Ministério Público Estadual.

Além de destacar a necessidade da adoção de protocolos de segurança ocupacional e de planos de contingência específicos e de cuidados que devem ser tomados por trabalhadores e pesquisadores do setor, desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, declarou que o surto da doença COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), constitui Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional; a denúncia também cita como fontes científicas a revista Lancet Gastroenterol Hepatol (vol. 5, abril/2020) que demostraram que pacientes com a Covid-19 apresentaram em suas fezes o RNA do Sars-CoV-2, o novo coronavírus, causador da doença; e as conclusões da “Nota técnica do INCT ETEs Sustentáveis trata do despejo de carga viral nos rios e recomenda proteção a trabalhadores(as) de estações de tratamento”, (https://www.tratamentodeagua.com.br/ufmg-presenca-novo-coronavirus-esgoto/), em que renomados pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) ETEs Sustentáveis da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alertam para efeitos de presença do novo coronavírus no esgoto”; e as  “RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO DO CONTÁGIO DA COVID-19 (NOVO CORONAVÍRUS – SARS-CoV-2) PELA ÁGUA E POR ESGOTO DOMÉSTICO” (Versão 1, Março, 2020), (file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/Cartilha_Sala_de_Saneamento_COVID-19_final.pdf), que é um documento elaborado por integrantes da Sala Técnica de Saneamento, que é composta por 250 profissionais da área de saneamento, que atuam, principalmente, como pesquisadores, gestores e/ou técnicos de instituições de ensino superior, instituições governamentais e empresas de tratamento de água e esgoto doméstico do Brasil.

Em síntese, o INCT ETEs Sustentáveis (UFMG), concluiu que pacientes com a Covid-19 apresentaram em suas fezes o RNA do Sars-CoV-2, o novo coronavírus, causador da doença. Em cerca de metade dos pacientes investigados, a detecção do RNA viral se deu por cerca de 11 dias após as amostras do trato respiratório testarem negativo. A pesquisa também identificou riscos de despejo de carga viral nos rios e recomendou medidas de proteção a trabalhadores(as) de Estações de Tratamento de Esgotos (ETes) que podem ser afetados pela presença do novo Coronavírus no esgoto.

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Os estudos citados indicam que há riscos de: “replicação ativa do vírus no sistema gastrointestinal e a possibilidade da transmissão via feco-oral ocorrer mesmo após o trato respiratório estar livre do vírus.

Há evidências também da presença de outros coronavírus (como o Sars-CoV e o Mers-CoV) nas fezes e de sua capacidade de permanecerem viáveis em condições que facilitariam a transmissão via feco-oral.”

Os pesquisadores da Lancet defendem que “uma das estratégias para detecção da presença de doença ou infecção viral na população (mesmo entre portadores assintomáticos) é o monitoramento do esgoto. O INCT ETEs Sustentáveis já vem realizando estudos do gênero, concentrados, num primeiro momento, em bactérias resistentes a antibióticos e outros potenciais patógenos conhecidos.”

“Os profissionais que atuam na área de esgotamento sanitário, como os que operam as redes coletoras e estações de tratamento, e os pesquisadores que manuseiam amostras de esgoto não podem abrir mão de medidas como a utilização de equipamentos de proteção individual, a fim de evitar a ingestão inadvertida de esgoto, ainda que por meio da ingestão de aerossóis [partículas finíssimas, sólidas ou líquidas, suspensas no ar], para evitar a contaminação”, afirma Carlos Chernicharo, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola de Engenharia da UFMG, que é um dos autores da nota técnica, juntamente com os pesquisadores do INCT César Mota e Juliana Araújo, também professores da UFMG.

“Outra implicação importante da possibilidade de transmissão feco-oral do Sars-CoV-2 é que, no período de duração da pandemia, uma enorme carga viral pode estar sendo despejada nos rios. Isso está diretamente relacionado à situação sanitária do Brasil – apenas 46% do esgoto no país é tratado, segundo a edição de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).”

“Como consequência, poderá aumentar a disseminação do Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, que não tem acesso a infraestrutura adequada de saneamento básico”.

Entre os pedidos de providências em caráter imediato e urgente a serem adotados nos níveis federal, dos Estados e municípios, solicitadas pelo Baía Viva, que é um movimento socioambientalista fundado nos anos 1990, constam:

– Que seja emitida Recomendação Técnica ao GOERJ, Prefeituras e Concessionárias privadas operadas de sistemas de Saneamento Básico, da adoção de medidas e providências urgentes e imediatas para garantir a implantação de Planos de Contingência e Emergências, de Prevenção e Segurança Ocupacional dos profissionais que atuam nas empresas públicas e privadas de Saneamento Básico, como parte integrante dos seus respectivos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), com a obrigatoriedade da adoção imediata de equipamentos de proteção individual, a fim de evitar a ingestão inadvertida de esgoto e outros patógenos presentes no esgoto e para evitar a contaminação pelo COVID-19; tendo em vista que esta categoria profissional encontra-se em grave e comprovada situação de risco sanitário pela natureza do trabalho de caráter essencial à sociedade que executam diariamente;

– Adoção de Programas de Monitoramento dos Esgotos e dos Rios, com prioridade para os mananciais destinados ao abastecimento público de água (muitos dos quais já apresentam problemas na qualidade ambiental na água pela presença de esgotos sem tratamento etc).

O documento do Baía Viva destaca a “existência de um contexto de convergência de crises ecológica, sanitária e hídrica no Estado do Rio de Janeiro” onde no curto espaço de tempo de cerca de 20 anos a população vem vivenciando sucessivas crises hídricas (o Baía Viva destaca que ocorrem ao menos 4 “crises hídricas” entre 1997, 2001, 2014/2015 e 2020), o que vem afetando a saúde coletiva e a economia, além de colocar numa situação de vulnerabilidade e insegurança a garantia do abastecimento de água consumida diariamente pela população fluminense; e faz o alerta de que este cenário se agrava, neste momento, diante da atual situação de emergência de saúde pública provocada pela pandemia global do novo Coronavírus.

– Retomada dos investimentos no setor saneamento, com prioridade máxima para as favelas e periferias urbanas que apresentam elevado déficit sanitário;

A Representação alerta que a partir de 2016, com a decretação do “estado de calamidade financeira” no Estado do Rio de Janeiro, e a assinatura de um de um vigoroso plano de austeridade fiscal (Plano de Recuperação Fiscal/PRF firmado em setembro de 2017 entre a União Federal e o GOERJ), houve a redução drástica dos investimentos públicos no setor saneamento, entre outras políticas públicas essenciais ao interesse coletivo; resultando na paralisação dos principais programas e projetos de saneamento básico, e desde então várias obras estão inacabadas (incompletas), tais como: o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG, 1995) e o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM, 2012), ambos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assim como o Programa de Saneamento da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá (PSBJ), o que agravou o já elevado déficit sanitário existente nas cidades fluminenses.

– Que seja determinada a decretação de Estado de Vulnerabilidade Hídrica no Rio de Janeiro e, como consequência, a adoção de um “Plano de Alerta e Emergência para a garantia do abastecimento público no Estado do Rio de Janeiro”, com abrangência sobre as principais bacias hidrográficas fluminenses visando evitar (prevenir) um futuro colapso hídrico-climático.

O Baía Viva também propõe a revisão do processo de privatização da estatal CEDAE para reduzir a Desigualdade Hídrica e garantir o Direito de acesso à água potável pelas populações pobres; e, em contraponto, a criação de Consórcio Intermunicipal de Saneamento Ambiental, a ser constituído pela estatal CEDAE e os municípios a ele associados, é a melhor alternativa para viabilizar o significativo montante de investimentos necessários no setor saneamento do país.

A adoção destas medidas pelo poder público e as concessionárias privadas do setor saneamento são fundamentais para o enfrentamento da convergência das crises ecológica, sanitária e hídrica que estamos vivenciando, sucessivamente, ao longo dos últimos 20 anos – como as que ocorreram em 1997, 2001, 2014/2015 e 2020 –, que, neste momento, poderão se agravar com a pandemia do Coronavírus. Em caráter emergencial, a principal providência a ser adotada, é garantir a imediata implantação, em cada município brasileiro, de um Plano de Contingência e Segurança Ocupacional dos profissionais que atuam na área do Saneamento Básico que encontram-se em situação de risco sanitário devido a possibilidade de contaminação por outros coronavírus (como o Sars-CoV e o Mers-CoV) presentes nas fezes humanas, já que estas tem capacidade de transmissão via feco-oral. A segunda medida a ser adotada para reverter este quadro, é retomar maciçamente os investimentos públicos em saneamento básico para que o Brasil possa superar o histórico déficit sanitário de nossas cidades que nas favelas e periferias urbanas das grandes metrópoles, ainda apresentam padrões de desigualdade sócio-espaciais e de exclusão social das populações pobres, como é o caso da não prestação de serviços básicos de saneamento, comparáveis às cidades do período medieval. É inadmissível, cruel e desumano constatar que, em pleno século XXI, que tem como marca do seu tempo os incontestáveis avanços tecnológicos e dos meios de comunicação digital, ainda hoje a maioria dos municípios do país ainda convivam, quase como se fosse uma situação de aparente naturalidade e de conformismo, com indicadores de elevada desigualdade sócio-espaciais, como é o caso da não prestação adequada de serviços básicos de saneamento: o resultado trágico desta omissão secular do poder público, é que cerca de 100 milhões de brasileiros (ainda) não têm acesso a serviços de coleta de esgoto e 35 milhões de pessoas pobres não tem o direito de acesso à água tratada. Essa é a verdadeira vergonha nacional!

Segue a relação das autoridades públicas que receberam por email a Representação judicial elaborada pelo Baía Viva em 31/03/2020: Procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama e Jaime Mitropoulos (MPF do Rio de Janeiro), Leandro Mitidieri Figueiredo (MPF da Região dos Lagos) e Julio José Araujo Junior (MPF de São João de Merití); além do Promotor de Justiça José Alexandre Maximino Mota, Coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA), órgão do Ministério Público Estadual, e a Promotora de Justiça Denise Muniz de Tarin que é a Coordenadora do Projeto de Segurança Humana do Ministério Público Estadual.

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