“Crime sem Castigo”: A Luta pela Verdade e o Julgamento do STF que Pode Mudar a História

O livro "Crime sem Castigo", de Juliana Dal Piva, investiga o desaparecimento de Rubens Paiva e a luta por justiça. O caso volta ao STF, que discute se crimes da ditadura podem ser julgados, mesmo sob a Lei da Anistia.

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Fui instigado a ler “Crime sem Castigo”, da Editora Matrix, depois que o filme “Ainda Estou Aqui” venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional.

A história de resistência e luta contra o esquecimento me fez mergulhar na obra da jornalista Juliana Dal Piva, um livro que é, ao mesmo tempo, uma investigação minuciosa e um grito por justiça.

Publicada em 2025, a obra reconstrói a trajetória de Rubens Paiva, ex-deputado federal cassado, sequestrado por militares em 1971 e desaparecido desde então. Seu corpo nunca foi encontrado, e sua morte permaneceu impune por décadas, tornando-se um dos símbolos mais emblemáticos dos crimes da ditadura militar brasileira.

Juliana Dal Piva mescla jornalismo investigativo e pesquisa acadêmica, trazendo documentos inéditos, relatos e o histórico da luta da família de Rubens Paiva para esclarecer o caso. O livro expõe como a versão oficial dos militares — de que Paiva havia sido resgatado por “terroristas” — foi desmontada ao longo dos anos por investigações que provaram sua morte sob tortura nas dependências do DOI-CODI no Rio de Janeiro.

No primeiro capítulo – “Onde está Rubens Paiva ?”, o livro começa detalhando os eventos de 20 de janeiro de 1971, quando Rubens Paiva foi retirado de casa à força por militares da Aeronáutica, diante da família. Ele foi levado para a 3ª Zona Aérea e, em seguida, para o DOI-CODI do Rio de Janeiro. Nunca mais foi visto com vida.

Dois dias depois, os militares divulgaram uma versão oficial falsa, afirmando que Paiva teria sido resgatado por militantes da luta armada enquanto era conduzido para uma diligência. Essa mentira serviu para encobrir o crime por décadas.

No segundo capítulo – “Eunice em luta”, a viúva de Rubens Paiva, Eunice Paiva, iniciou uma batalha solitária para descobrir o paradeiro do marido. Em fevereiro de 1971, escreveu uma carta ao ministro da Justiça Alfredo Buzaid, denunciando o desaparecimento e cobrando explicações do governo.

Ela também recorreu ao Superior Tribunal Militar (STM), mas a resposta foi negativa. A família Paiva passou anos tentando obter qualquer informação oficial, mas sempre recebia respostas evasivas das autoridades.

No terceiro capítulo – “A mentira do Exército é desmascarada”, ficamos sabendo que, durante os anos 1970 e 1980, a versão militar começou a ser desmontada por jornalistas e pesquisadores. Reportagens publicadas no Jornal do Brasil e na Veja trouxeram relatos de testemunhas que estiveram no DOI-CODI e ouviram as torturas.

A maior revelação veio em 1986, quando o médico Amílcar Lobo, que atendeu prisioneiros no DOI-CODI, revelou que Rubens Paiva chegou ao local muito machucado e morreu sob tortura. Seu depoimento foi um dos primeiros a desmentir oficialmente a versão da “fuga”.

No quarto capítulo – “Militares deixam a presidência e caso é reaberto”, somos informados de que, com a redemocratização, o Brasil começou a discutir crimes da ditadura. No governo José Sarney, em 1986, foi instaurado um Inquérito Policial-Militar (IPM) para investigar o caso, mas os militares envolvidos não foram punidos.

O Exército insistia na mentira da fuga, e os processos eram sistematicamente arquivados. Ainda assim, a abertura de arquivos secretos e a luta da família mantiveram o caso vivo na imprensa e na sociedade.

No quinto capítulo – “Uma Comissão Nacional da Verdade cinco décadas depois”, nos é relatado que, em 2012, com a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o caso de Rubens Paiva foi reexaminado.

 Depoimentos de ex-militares e documentos inéditos revelaram o que já era suspeitado: Paiva foi brutalmente torturado e assassinado dentro das instalações do DOI-CODI.

O depoimento mais chocante veio do tenente-coronel Paulo Malhães, que confessou ter participado da destruição de provas e ocultação de cadáveres de vítimas da ditadura. Pouco depois de seu depoimento, Malhães foi morto em circunstâncias suspeitas.

No sexto capítulo – “CNV chega aos nomes dos assassinos de Rubens Paiva”, temos o conhecimento de que, com os depoimentos e documentos reunidos, a Comissão Nacional da Verdade identificou os nomes dos militares responsáveis pela morte de Rubens Paiva, incluindo José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Souza.

Mesmo assim, as investigações esbarravam na interpretação da Lei de Anistia de 1979, que impedia punições para crimes cometidos durante a ditadura.

No sétimo capítulo  – “MPF denuncia militares em processo inédito”, chega a nosso conhecimento que, em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) fez história ao denunciar formalmente os cinco militares pelo assassinato e ocultação de cadáver de Rubens Paiva. Foi a primeira vez que um crime cometido por agentes da ditadura foi levado à Justiça Criminal.

No entanto, a defesa dos militares apelou para o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o processo. O caso ficou parado por anos, aguardando uma decisão definitiva.

No oitavo e último capítulo – “Crime sem castigo”. O livro é encerrado com uma reflexão dura: mesmo após décadas de luta, o Brasil nunca puniu os responsáveis pela morte de Rubens Paiva. O STF até agora não tinha julgado o caso, e três dos cinco militares envolvidos morreram sem serem condenados.

A obra de Juliana Dal Piva mostra como o Brasil falhou em responsabilizar os criminosos da ditadura e como a impunidade ainda assombra nossa democracia.

A leitura do livro em análise é essencial para compreender os desafios da justiça de transição no Brasil e como a impunidade dos crimes da ditadura ainda ecoa na política e na sociedade.

Juliana Dal Piva nos lembra que, sem memória, não há justiça — e sem justiça, não há democracia plena.

O Caso de Rubens Paiva no STF: O Julgamento da Impunidade

O caso de Rubens Paiva, um dos mais emblemáticos crimes da ditadura militar brasileira, voltou ao centro das atenções com retorno do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a aplicação da Lei da Anistia em crimes de Estado.

Atualmente, o STF analisa se a Lei da Anistia de 1979 pode impedir a responsabilização de agentes da ditadura por crimes considerados permanentes, como sequestro, cárcere privado e ocultação de cadáver. Esse julgamento tem repercussão geral, o que significa que sua decisão influenciará outros casos semelhantes no país.

São três as ações que motivam o debate no tribunal: o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.316.562 e o Recurso Extraordinário (RE) 881.748, que tratam do desaparecimento forçado de Paiva e do jornalista Mário Alves, cujos corpos nunca foram encontrados; e o ARE 1.058.822, que diz respeito ao assassinato do militante Helber José Gomes Goulart, da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Nos três casos, o Ministério Público Federal questiona decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que entenderam que os crimes estavam abrangidos pela Lei da Anistia e encerraram as ações penais contra os acusados.

O julgamento ocorre no contexto da pressão internacional por justiça, com organismos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos reforçando que crimes de lesa-humanidade não podem ser anistiados.

A Nova Abordagem do STF sobre Crimes Permanentes

O STF não está apenas analisando a aplicação da Lei da Anistia no caso de Rubens Paiva, mas também em outros casos emblemáticos da ditadura, como os desaparecimentos do jornalista Mário Alves e do militante Helber Goulart.

A grande questão é se crimes permanentes – ou seja, aqueles que continuam produzindo efeitos no tempo, como sequestro, cárcere privado e ocultação de cadáver – podem ser abrangidos pela anistia. O MPF argumenta que não, pois a consumação desses crimes se estende até os dias atuais, o que impediria a prescrição e a aplicação da anistia.

O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, destacou a necessidade de alinhar o Brasil às diretrizes internacionais de direitos humanos, que não permitem anistia para crimes dessa natureza. O julgamento, portanto, poderá reverter uma interpretação histórica da Lei da Anistia, abrindo caminho para responsabilizações de militares envolvidos nesses crimes.

A Expectativa pelo Julgamento

Ainda sem data para uma decisão final, a expectativa é que o STF determine se crimes como ocultação de cadáver, sequestro e cárcere privado podem ser julgados, mesmo sob a vigência da Lei da Anistia.

Caso a Corte aceite a tese do MPF de que esses crimes são permanentes e imprescritíveis, militares envolvidos poderão ser responsabilizados judicialmente, reabrindo o caminho para condenações históricas.

Essa decisão será um marco para a justiça de transição no Brasil, podendo alterar a interpretação vigente da Lei da Anistia e influenciar outros processos de vítimas da ditadura militar.

Antes que algum leitor me pergunte, informo que sequestro e cárcere privado seriam considerados crimes permanentes porque seus efeitos continuam no presente enquanto a vítima não for encontrada. Diferente de um homicídio, que tem um momento definido de consumação (a morte da vítima), o sequestro e o cárcere privado permanecem em curso enquanto a pessoa não for libertada ou seu destino esclarecido.

No caso dos desaparecidos da ditadura, como Rubens Paiva, como seu corpo nunca foi encontrado e os responsáveis nunca revelaram o que fizeram com ele, o crime de sequestro e cárcere privado se mantém vigente, pois o desaparecimento forçado é um crime contínuo. Isso significa que, enquanto não houver uma prova definitiva da morte e localização da vítima, o crime ainda está acontecendo.

Por isso, não há prescrição e nem pode ser coberto pela Lei da Anistia, já que não se trata de um crime encerrado no passado, mas sim de um crime ainda em andamento. Esse é o argumento central do Ministério Público Federal (MPF) no STF para que esses crimes sejam julgados e os responsáveis punidos.

Se o filme “Ainda Estou Aqui” me levou àquela leitura, “Crime sem Castigo” me deixou com uma certeza: a luta por verdade e justiça continua.

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