Crítica de Teatro: Coração de Campanha, o coração, esse desconhecido

O texto de Clarice Niskier mostra como a palavra tem o poder de desgastar, arranhar ao mesmo tempo que permite ir afastando a dor, a tristeza

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Os grandes eventos, as grandes tragédias, as grandes alegrias se transformam em metáforas  de qualidade para mostrar que as pequenas coisas do cotidiano, aqueles que acontecem com todos, a todo o momento, com os vizinhos, com os nossos amigos, parentes, com as pessoas que estão nos ônibus. Mas que acontecem com a gente. Pessoas que se casam por amor, paixão, que tudo parece  ser ótimo,  grandes alegrias. E não mais que de repente, chega a grande tragédia: a separação, o enorme cansaço de viver junto.

É dessa matéria que nasce Coração de Campanha, um diálogo de um casal , interpretado lindamente por Clarice Niskier e Isio Ghelman, que está em processo de separação e com a pandemia ficam confinados no espaço em que não queriam viver juntos, defrontando com os sentimentos que queriam abafar. Da mesma maneira que se encontraram de repente, uma explosão, as imposições da tragédia são um terreno minado, com pequenas e fatais explosões.

O texto de Clarice Niskier mostra como a palavra tem o poder de desgastar, arranhar ao mesmo tempo que permite ir afastando a dor, a tristeza. A construção dramatúrgica tem  um ponto alto, pois transforma as palavras banais, os lugares comuns, a falta de poesia, o que se ouve normalmente e nem se nota, em força de interpretação, mas sobretudo em pequenas gotas que se transformam em um banho de emoção para atingir o coração da plateia.

Os dois atores estão de preto, ela com o “uniforme” feminino da pandemia, conjunto de camisola, de seda, lindo, mas nadica sensual. Algo que marca que a personagem se preocupa com a atração. Ele, calça e camisas pretas, naquela informalidade estudada de um homem que quer ser visto como alguém aberto ao mundo. A definição é sutil, mas valiosa. Pois é uma separação de casal, mas a  história é de metalinguagem. Ela é atriz, ele professor de teatro e formaram durante  anos a dupla profissional que sustentava o potencial artístico dela.

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É do jogo dessa dupla interpretação:  uma situação banal, mas uma separação de parceiros de arte. Sem cronologia exata, com a boa solução de passagem do tempo ser pontuada por compassos da trilha original de José Maria Braga. Eles se chamam pelo próprio nome. Ela de roupa de dormir, ele de roupa de rua. Dessa forma, Clarice e Isio, sob a supervisão de Amir Haddad que permite a  emersão da atuação, desempenham de forma apaixonada seus  personagens, dialogam entre si e com a plateia. Dialogam com o inesperado da vida. E alcançam total sucesso.

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Jornalista, publicitária, professora universitária de Comunicação, Doutora em Literatura, Bacharel em Direito, gestora cultural e de marcas. Mãe do João e do Chico, avó da Rosa e do Nuno. Com os olhos e os ouvidos sempre ligados no mundo e um nariz arrebitado que não abaixa por nada.
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