Crítica: “Os últimos dias de Gilda”

Em cartaz no Globoplay, minissérie aborda temas como emancipação feminina, política e religião no subúrbio do Rio de Janeiro

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“Nunca houve uma mulher como Gilda”. Quase todo mundo já ouviu essa frase alguma vez na vida. Gilda é uma das personagens mais icônicas da história do cinema de Hollywood. Vivida  pela atriz norte-americana Rita Hayworth, ela é a protagonista de um filme homônimo de 1946. Com o passar do tempo e a popularidade alcançada por sua intérprete, o nome virou sinônimo de femme fatale ou de pessoa temperamental. Jogador do Botafogo do Rio de Janeiro entre os anos de 1940 e 1948, Heleno de Freitas foi a Gilda do futebol brasileiro. A alcunha surgiu nas arquibancadas, obra e graça da torcida do Fluminense, que adorava provocá-lo devido ao seu gênio tempestuoso. Por essa mesma razão, devem ter existido outras Gildas por aí. Todavia, famosas, até agora, só mesmo as “versões” de Rita e de Heleno.  

Disponível no Globoplay, a minissérie “Os Últimos Dias de Gilda” (2020), uma adaptação do monólogo teatral de Rodrigo de Roure, retrata a rotina de uma carioca do subúrbio chamada… Bem, vocês sabem. Na trama, a personagem, interpretada nos palcos e na tela por Karine Teles, é uma mulher independente. Mãe solteira, ela tira seu sustento das galinhas e dos porcos que cria para o abate no quintal de casa. Livre de quaisquer amarras, despida de preconceitos e emocionalmente bem resolvida, a protagonista vive uma relação a três com o policial militar Wallace (Antonio Saboia) e a amiga Jandira (Ana Carbatti). Seu mantra é ser feliz vivendo plenamente, amando e exibindo os seus dotes culinários. O problema é que, muitas vezes, a felicidade incomoda.  

A felicidade hedonista de Gilda é um incômodo para algumas pessoas. Entre os incomodados está Cacilda (Julia Stockler), sua vizinha de porta. Logo de cara é possível perceber que ela e o marido, Ismael (Higor Campanaro), um desempregado que está em campanha para se eleger vereador com o apoio de um pastor evangélico, são bastante convencionais, principalmente, quando comparados ao trisal da protagonista. Desta forma, por oposição, a maneira como as personagens encaram a vida serve de ponto de partida para a proposição de uma série de questões importantes. A emancipação feminina, a simbiose política-religião e a proliferação das milícias estão entre os temas espinhosos abordados com naturalidade, ainda que a minissérie tenha apenas quatro capítulos de meia hora cada.

Com atuações acima da média de Teles e de Stockler, a direção artística de “Os Últimos Dias de Gilda”, sob a responsabilidade de Gustavo Pizzi, poderia ter optado por escolhas convencionais na hora de conceber imageticamente a produção. A tensão latente entre as personagens, o nível de entrega das atrizes aos seus respectivos papéis e o ágil roteiro adaptado pela dupla Pizzi-Telles já seriam suficientes para assegurar a atenção do público e da crítica. No entanto, a opção foi por um produto visualmente mais ousado e com uma pitada onírica. Essas características se fazem presentes em algumas das cenas em que Gilda aparece cozinhando e na sequência final. Nesta última, especialmente, é necessária certa dose de abstração por parte da audiência uma vez que ela se descola da lógica dos acontecimentos.        

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Apesar de não conhecer pessoalmente Rodrigo de Roure, o autor do monologo teatral, é quase impossível conceber que o batismo de sua protagonista nada tenha a ver com a personagem norte-americana de 1946. A Gilda tupiniquim é uma filha temporã da Gilda ianque. Entre os problemas de uma, no subúrbio do Rio de Janeiro, e os dilemas da outra, em um cassino de Buenos Aires, onde transcorre o longa-metragem com Rita Hayworth, mais de 70 anos se passaram. Questões próprias ao novo cenário foram trazidas à baila, mas, de certa forma, uma coisa ainda não mudou: “Nunca houve uma mulher como Gilda”.    

Desliguem os celulares e boa diversão.     

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