Crônica do Cariello: A praça São Salvador

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A praça São Salvador tem um chorinho aos domingos que é uma coisa linda de se ver, com aquela flautista que comanda os músicos, o pai e o filho flamenguistas e percussionistas (o menino é cego e toca de olhos fechados e alma aberta), a senhora de energia infinita que dança todas as músicas sem parar, o senhorzinho já bem velhinho que aparece impecavelmente arrumado, de terno e tudo, umas dezenas de casais aproveitando a manhã com seus bebês pequenos, que não choram para não concorrerem com as notas que saem dos violões, cavaquinhos, bandolins, saxofones, clarinetas e tantos outros instrumentos que por ali chegam.

Depois de apreciar um pouco a música, é hora de dar uma volta pela praça, pra ver um pouco do que há por ali. E admirar a multicolorida e multiperfumada barraquinha de temperos, depois dar uma folheada nas pérolas levadas pelo vendedor de livros usados, testar os tamborins fabricados pelo próprio percussionista que os vende, dar uma indiscreta espiada no misterioso vidente sob sua enigmática tenda, desejar e resistir a um pastel frito na hora, ou talvez ceder à tentação e já pedir também um caldo de cana, pois um dificilmente vive sem o outro.

Com a dupla em mãos, vale procurar um canto na mureta que delimita o parquinho de crianças e serve de assento para os pais cujas lombares não vivem mais seus dias de glória. E, ao sentar, perceber que a areia não tem cor de areia, é de um curioso azul, poucas vezes visto, o que assombra mães e pais receosos, mas agrada em cheio às crianças, que pulam e se empurram e gritam e choram e se amontoam para deslizarem no escorrega e para se equilibrarem na gangorra, enquanto jogam umas nas outras areia azul, que não raro acaba temperando o pastel dos mais desavisados.

Se a fome continuar, o que não falta é opção para dar cabo dela. Tem bolinho de bacalhau, sanduíche, feijoada, vatapá, brigadeiro, brownie e muito mais em um delicioso circuito gastronômico que felizmente não leva o carimbo de gourmet, porque inflacionaria os preços praticados, e na praça São Salvador a exploração (e a opressão, vale ressaltar) não tem vez. Para acompanhar, vale pedir uma caipirinha, ou uma cerveja, ou uma taça de vinho. Só não vale exagerar porque a segunda-feira sempre chega implacável, e começar a semana com gosto de guarda-chuva na boca não é nunca uma boa ideia.

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Em seguida, o melhor a fazer é voltar para os músicos e esperar que eles toquem “Santa Morena”, do Jacob do Bandolim, momento máximo da Roda de Choro Arruma o Coreto, recentemente tombada como bem de natureza imaterial de valor cultural do Rio de Janeiro, essa cidade que resiste e insiste em produzir beleza. 

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