Papo de Talarico: Conheça o último abraço no Caju

Num lindo dia de outono, o semblante de uma partida

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Crônica sobre uma despedida no cemitério do Caju
O anjo e o céu azul no Cemitério São Francisco Xavier (foto: Alvaro Tallarico)

O pai limpava as lágrimas e as crianças corriam em frente aos mausoléus. Jogavam pedrinhas em uns deles e o menino me olhava com ar de sapeca e um sorriso levado, como se estivesse fazendo traquinagens. Ele pisava as plantas e pulava para lá e para cá. As esculturas assistiam impassíveis. Martinhos, Franciscos, Joaquins e Festinianos jaziam em suas covas. Assim como tantas Marias, Anas, Silvas e Souzas. Os mortos não pareciam se incomodar com a alegria infantil.

É, a única certeza da vida chega para todos. “Para morrer, basta estar vivo”, dizia meu pai. As plantas no cemitério do Caju parecem mais bonitas, as árvores são frondosas e imponentes de uma forma pacífica. Dois mosquitos pousaram em minhas mãos em busca de sangue. Matei-os sem dó, nem piedade. A marca rubra ficou em minha palma. Mosquitos e lacraias estão entre as poucas vidas que tiro propositadamente. Enquanto isso, teias de aranha recebiam outros insetos e animais, que encontraram o inevitável sob o jugo de um predador.

Não tenho medo de morto

Por outro lado, na cabeça da estátua de um soldado, num mausoléu com o nome Tiradentes, um casulo indicava a transformação. Dali sairia uma borboleta, cujo farfalhar de asas confirmaria que tudo muda. Pensativo, caminhei sob as sombras, para longe do velório, e respirei paz. Silêncio. “Não tenho medo de morto, só de vivo”, era outra frase que meu pai dizia.

Era o enterro da avó de uma pessoa querida, falecida na madrugada. O semblante da senhora era tranquilo. Foram 73 anos de vida. Lembrei do funeral de um amigo que faleceu logo após casar, com cerca de 40 anos. Uma infecção que ninguém descobriu como pegou, ou de onde veio. Seu corpo estava inchado, irreconhecível. Chorei bastante quando o vi.

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Agora, olhava os corredores entre tantas covas, mas nada corria. Embaixo do toldo, as despedidas. A neta chorava a perda da avó materna. Seu pai, vendo-a de canto, olhando para o nada, foi até ela e abraçou com amor. Era uma cena melancolicamente bonita, poética. Ao fundo, o céu azul e poucas nuvens. Era um lindo dia de outono.

A tarde caiu laranja e fomos os últimos a deixar o Cemitério do Caju, São Francisco Xavier. As tais árvores frondosas farfalhavam, vivas, e pareciam sussurrar sob o toque do vento. Era como se dissessem, ao pé do ouvido, com gentileza, sutilmente, a palavra: saudade.

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