Ali pelo alto dos meus cinco anos de idade, meu avô e eu bolamos um invento que poderia mudar a história da humanidade: o helivete. Um meio de transporte revolucionário, mistura de helicóptero, avião e foguete. Maravilha tecnológica pensada em uma daquelas lentas tardes analógicas de domingo que passávamos na casa onde os pais do meu pai moravam.
Criamos o helivete para podermos viajar da casa do meu avô até a lua, sem escalas. E assim matar o tédio antes do início dos Trapalhões. Mas a invenção poderia ter outras utilidades, como ir à escola (o André Bolinha morreria de inveja me vendo pousá-la no campinho) ou levar a família para um dia na praia.
Pensamos em todos os detalhes, sabíamos direitinho como funcionaria. Após a decolagem, a fuselagem do helicóptero se transmutaria na de um avião, em pleno vôo. As hélices seriam recolhidas e substituídas por potentes turbinas.
Depois, as asas do avião se encolheriam sobre o corpo e diminuiriam de tamanho ao mesmo tempo que a aeronave acelerava, até desaparecerem completamente quando entrasse em órbita, já em forma de foguete. Na hora de retornar à Terra, bastava fazer todo o processo ao contrário. Nada mais simples.
A ideia estava pronta, inteirinha criada, com vários desenhos coloridos ilustrando cada um dos passos, feitos à mão pela dupla inventora do helivete. Mas meu avô era advogado e eu, aos cinco anos, ainda não tinha autorização para manipular a chave de fenda. Então concordamos que a execução deveria ficar para alguém qualificado para a tarefa. De preferência que montasse tudo em um domingo (queríamos acompanhar a construção) e não demorasse muito (queríamos fazer o voo inaugural antes de escurecer, porque eu tinha aula na manhã seguinte).
Havia, entretanto, um grave problema: ao mesmo tempo que precisávamos de ajuda, não podíamos comentar da invenção com ninguém. Aquela era nossa ideia e morríamos de medo que alguém a roubasse. E se o projeto caísse nas mãos do André Bolinha e ele construísse a máquina antes de mim e aterrissasse de foguete no campinho da escola, ao lado do avô? Seria um pesadelo!
Assim, fomos falando cada vez menos do helivete, talvez esperando encontrar alguém de confiança com quem pudéssemos tratar do projeto, talvez aguardando que eu crescesse e conseguisse montar nosso tudo-em-um voador, talvez esperando que meu avô fizesse treze pontos na loteria esportiva e pudesse trocar o gabinete de advogado por uma oficina mecânica espacial toda equipada.
Mas aí a infância se foi. A vontade de ser engenheiro se foi. O meu avô se foi. E até hoje ninguém pensou em algo parecido com o helivete, o que considero uma verdadeira lástima para toda a humanidade. Mas se alguém aí tiver interesse em financiar o projeto, podemos marcar uma conversa em local sigiloso. Acho que ainda tenho os desenhos guardados em algum lugar.