As ruas do Rio de Janeiro foram tomadas por fiéis nesta terça-feira (23), feriado estadual de São Jorge, em celebrações marcadas pela fé, emoção e o sincretismo com religiões de matriz africana. A tradicional Igreja de São Jorge, no Centro da cidade, se tornou o epicentro das homenagens ao santo guerreiro, também reverenciado como Ogum em cultos afro-brasileiros.
A artesã Maria Rosa, moradora de Vista Alegre, compareceu à igreja como faz todos os anos. “Eu venho pedir muita força e saúde. Preciso conseguir um trabalho, porque tenho um pai com câncer de pele, que precisa muito de mim. E venho pedir para a minha mãe também, que é idosa e sofre com muitas dores no corpo”, contou.
A fila para entrar na igreja dava a volta no quarteirão, sob sol forte. Para muitos, o sacrifício era parte da fé. O funcionário público Leonardo Nascimento, de 36 anos, deixou o templo com os olhos marejados. “Toda vez que venho aqui é uma energia surreal. Sempre saio emocionado. Minha ligação com São Jorge vem desde criança, por causa da minha mãe”, relatou.
Do lado de fora, ao som das orações e canções devocionais, os fiéis recebiam banhos de água benta administrados por seminaristas. Um deles, Marcos Paulo Telles, de 22 anos, explicou o papel do gesto. “Como seminarista, é muito bonito ver a devoção do povo. Eles trazem bênçãos para nós também. Isso me faz crescer em amor ao povo e à pastoral”, disse, enquanto molhava os fiéis com escova e balde.
A poucos metros, representantes de religiões de matriz africana realizavam banhos de limpeza espiritual com folhas de aroeira, arroz, sementes de girassol e milho — rituais em homenagem a Ogum, orixá associado à proteção e à fartura. O babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi explicou a motivação: “A gente traz isso para a rua e para o povo, para quem precisa de um axé rápido e de energia positiva. Hoje reverenciamos São Jorge e Ogum juntos”, afirmou.
Entre os devotos, muitos vivenciam esse sincretismo de forma natural. A manicure Julia Firmino Rosa, de 27 anos, umbandista, levou a família inteira para cumprir o ritual completo: missa, oração na igreja e, depois, o banho de axé. “É um santo muito importante para a gente. Viemos agradecer pelos livramentos e por estar com saúde”, disse.
A celebração de São Jorge, patrono informal do Rio, mostra mais uma vez como a cidade se torna palco de uma convivência simbólica entre religiões, onde padres e babalorixás dividem o mesmo espaço público, unidos pela fé e pela tradição.