Do Cruzeiro aos Prédios Tortos: A Inusitada Escala Turística que Fiz em Santos

Antes de embarcar em um cruzeiro em Santos, autor visita os famosos prédios inclinados da cidade e relata curiosidades urbanas, desafios estruturais e comparações com a Torre de Pisa.

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Recentemente, precisei embarcar em um cruzeiro. Mas, como já comentei em artigo anterior publicado aqui no Diário do Rio, não consegui fazer isso pelo Porto do Rio de Janeiro. O jeito foi ir até a cidade de Santos, em São Paulo.

Veja esse artigo no seguinte sítio:

“Preocupante: Transatlânticos Estão Abandonando o Porto do Rio em Direção a Santos”

A viagem até lá acabou se transformando em um turismo improvisado — e, no fim das contas, memorável. Ao visitar as praias da cidade, deparei-me com uma das maiores curiosidades urbanísticas do Brasil: os famosos prédios tombados de Santos. E não são tombados pelo patrimônio histórico, não — são tortos/inclinados mesmo.

Santos, uma cidade litorânea no estado de São Paulo, é conhecida justamente por esse fenômeno, que chama a atenção de moradores e turistas. Essas inclinações são resultado de problemas no solo, especialmente em áreas aterradas e próximas à orla.

Causas da Inclinação

Solo mole e aterros: Muitos prédios em Santos foram construídos sobre aterros em áreas originalmente alagadiças. O solo é composto por argila mole e sedimentos pouco consolidados, que sofrem compressão ao longo do tempo.

Falta de fundações adequadas: Algumas construções mais antigas não têm fundações profundas (como estacas), fazendo com que o peso do prédio cause afundamentos diferenciais.

Influência do lençol freático: A variação do nível da água subterrânea pode afetar a estabilidade do solo, agravando o problema.

Esse processo é chamado tecnicamente de recalque diferencial — e foi especialmente comum entre as décadas de 1950 e 1960, quando a cidade passou por um rápido crescimento imobiliário e turístico. Para ganhar tempo e lucrar, construtoras ergueram edifícios altos com fundações rasas, de apenas 3 a 4 metros de profundidade, sem considerar a fragilidade do solo.

Quantos Prédios Estão Inclinados?

Hoje, estima-se que cerca de 319 prédios em Santos apresentem algum grau de inclinação, sendo que 65 deles estão na orla da praia, especialmente nos bairros do Gonzaga, Boqueirão, Embaré e Aparecida. A orla é a região mais afetada por ter sido, em grande parte, aterrada ao longo do século XX.

Veja alguns desses prédios no sítio abaixo:

https://drive.google.com/file/d/157lamOqnTsLY_O4WU58GS9fm-bi_-S-m/view?usp=drivesdk

Inclinação em Graus: Santos x Pisa

Os prédios inclinados de Santos apresentam inclinações que variam entre 0,5 metro e 1,8 metro entre a base e o topo. Considerando edifícios com alturas médias de 15 a 20 andares, essas inclinações correspondem a aproximadamente 1,5 a 2,5 graus em relação à vertical. Embora visualmente impactantes, essas inclinações são menores em comparação com a da famosa Torre de Pisa, na Itália.

A Torre de Pisa, após trabalhos de estabilização realizados entre 1990 e 2001, possui atualmente uma inclinação de cerca de 3,97 graus, o que representa um desvio de aproximadamente 3,9 metros da vertical. Portanto, embora os prédios de Santos não superem a inclinação da torre italiana, eles compartilham o mesmo desafio de lidar com fundações em solos instáveis, tornando-se, assim, uma curiosidade arquitetônica digna de atenção.

É Seguro Viver Neles?

Apesar da aparência preocupante, muitos desses prédios são considerados seguros por laudos técnicos, desde que monitorados periodicamente. A Prefeitura de Santos exige laudos técnicos a cada dois anos, conforme a Lei Complementar nº 441, de 2001, através do Programa dos Prédios Inclinados.

Algumas medidas utilizadas para garantir a segurança incluem:

Injeção de resinas no solo para compactação.

Reforço das fundações com estacas ou sistemas de recalque.

Monitoramento contínuo com sensores de inclinação.

De acordo com engenheiros consultados, mesmo os edifícios mais inclinados não apresentam risco iminente de colapso, embora edifícios mais estreitos e altos demandem maior atenção.

Falando em prédio que cai…

Falando em prédio que cai — ou melhor, que não cai — vale lembrar que, no Rio de Janeiro, temos o caso emblemático do famoso “Balança, Mas Não Cai”, localizado na Avenida Presidente Vargas, número 2007, no centro da cidade. Construído em 1948, o edifício logo ganhou notoriedade popular quando surgiram boatos de que apresentava problemas estruturais e poderia desabar. A notícia correu pela cidade, mas, apesar das especulações, estudos realizados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ comprovaram que a estrutura era estável e segura.

Mesmo assim, o apelido pegou — e, com o tempo, virou parte do folclore carioca. O nome acabou inspirando um famoso programa humorístico da Rádio Nacional na década de 1950, que depois foi adaptado para a televisão na TV Globo, em 1968. O programa retratava as confusões de moradores fictícios de um prédio com o mesmo nome, reforçando ainda mais o vínculo entre arquitetura, memória coletiva e o bom humor brasileiro. Hoje, o “Balança, Mas Não Cai” continua de pé — e firme — como prova de que, no Brasil, até a engenharia ganha apelido e história.

Síndicos se Organizam e Pedem Apoio

A situação em Santos, no entanto, tem mobilizado moradores. Um grupo de síndicos de prédios inclinados da orla se reuniu para criar a Associação de Síndicos dos Prédios Inclinados da Orla da Praia. O objetivo é buscar alternativas viáveis de financiamento, inclusive junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES ou ao Banco Mundial, para estabilizar os edifícios. A ideia é pressionar por políticas públicas que ajudem os condomínios com os custos das obras.

Enquanto isso, a Prefeitura acompanha a situação e esclarece que nenhum prédio está atualmente embargado por risco estrutural.

Mercado Imobiliário: charme ou desafio?

Apesar das peculiaridades, muitos desses imóveis são cobiçados — há apartamentos tortos à venda por até R$ 1,7 milhão, com aluguéis que podem chegar a R$ 7 mil mensais. Contudo, são mais difíceis de vender, já que os bancos não financiam apartamentos em edifícios inclinados. As vendas são feitas à vista e enfrentam ainda o peso de condomínios caros, muitas vezes com estrutura antiga ou portarias onerosas.

Como é a Vida em um Prédio Inclinado?

Os moradores dizem que dá para viver bem — com algumas adaptações, claro. Moradores relatam dificuldade para ajustar móveis, que precisam de calços; portas que nem sempre fecham direito; chuveiros que escorrem para o lado; e até a sensação constante de leve desequilíbrio ao andar. Ainda assim, muitos preferem continuar no imóvel — seja pela localização ou simplesmente porque se acostumaram.

Curiosidade e Comparação

Alguns moradores, com bom humor, dizem que os prédios tortos de Santos são a “versão brasileira da Torre de Pisa”. E há quem diga que a inclinação dá até um charme excêntrico à cidade.

Alguns turistas já chamaram Santos de “capital brasileira dos prédios tortos”. Alguns deles dizem: “É surreal ver pessoas morando nesses prédios. Dizem que são seguros, mas não sei se teria coragem.” Você, caro leitor, teria essa coragem?

No fim das contas, descobri que Santos tem prédios que parecem bêbados, que estão só obedecendo à gravidade do jeito deles. Eles não se inclinam para o mar, como quem quisesse embarcar num navio. Cada um pende pro lado que quiser, como se dissessem: “me inclino, mas não caio!”. E no meio dessa arquitetura caprichosa, eu segui viagem — com meu cruzeiro em alto-mar e a cabeça ainda virada para os prédios tortos que me fizeram desviar a rota… da curiosidade.

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