Dois polos do centro do Rio nas obras de Machado de Assis

Machado de Assis e o Rio se fundem em literatura, história e memórias, tendo a conexão entre ambos já sido tema de diversas exposições

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Theatro Municipal do Rio de Janeiro - Foto: Pexels

Que Joaquim Maria Machado de Assis é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos não é novidade, mas se ele chegou até esse status não foi sem a contribuição da cidade em que nasceu, na qual morreu e que usou como pano de fundo para as suas obras. O Bruxo do Cosme Velho e a Cidade Maravilhosa se fundem em literatura, história e memórias, tendo a conexão entre ambos já sido tema de diversas exposições. Viajamos a um Rio de Janeiro de outrora, que, entrelinhas, nos revela muitas informações interessantes. Aqui, vemos trechos de dois contos incríveis da publicação Relíquias da Casa Velha. Eles nos mostram como o centro do Rio nos diz mais do que imaginamos.

Paco do Ouvidor Dois polos do centro do Rio nas obras de Machado de Assis
O Shopping Paço do Ouvidor é o ponto de encontro no Centro do Rio. Passa no Paço

Como as ruas da cidade delineiam as narrativas de Machado

“Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo. (…) Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida.”

Machado de Assis ficou marcado pela ironia que usava em sua escrita e que tão bem a combinava com inteligência. No conto “Pai contra Mãe”, Cândido Neves, caçador de escravos fugidos e pai em necessidade, persegue uma escrava foragida que estava grávida. Vemos a Rua da Guarda, atual 13 de Maio, que ganhou esse nome porque no século XVIII os escravos iam buscar água no chafariz que ficava na Carioca e uma guarda encarregava-se de organizar a fila. O adjetivo “velha” veio depois que outros postos municipais se instalaram. No contexto do conto, entretanto, Machado usa-o para ironizar a profissão de Cândido Neves, já que aproximavam-se da abolição da escravidão.

O protagonista deveria seguir para a Rua dos Barbonos, atual Rua Evaristo da Veiga, mas, para surpreender a escrava, entrou num beco na Rua da Ajuda, uma das mais antigas da cidade (encurtada para a abertura da Avenida Central). Mais tarde, ele aparece na Rua do Parto, atual Rua Rodrigo Silva, mas não por acaso: ajuda vs parto. Os nomes das ruas anunciam o final da captura da escrava e o seu parto prematuro ali, devido à perseguição. A rua perpendicular a esta última é a São José, figura paterna, representação do vencedor do embate. No entanto, Machado fez tudo de caso pensado: se Cândido se apiedasse e deixasse a escrava escapar, ela desceria a São José e chegaria na Rua da Misericórdia (não mais existente). A misericórdia não veio, e ficamos com a crítica e o brilhante jogo entre os nomes das ruas usado por Machado.

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O centro da elite

Picture1 Dois polos do centro do Rio nas obras de Machado de Assis

“O deputado Cordovil (…) viera cedo do Cassino Fluminense, depois da retirada do Imperador, e durante o baile não tivera o mínimo incômodo moral nem físico. Ao contrário, a noite foi excelente, tão excelente que um inimigo seu, que padecia do coração, faleceu antes das dez horas, e a notícia chegou ao Cassino pouco depois das onze.”

Tudo se funde no centro do Rio, e se na Carioca vimos uma escrava capturada, há alguns minutos dali estava um dos locais mais nobres da corte. No conto “Marcha Fúnebre”, a menção do Cassino Fluminense, atual Automóvel Clube, não é um mero detalhe. A área do Passeio Público havia abrigado a corte portuguesa e, neste contexto, a casa do Marquês de Barbacena foi transformada no Cassino Fluminense. O lugar, além de receber um público requintado, tornou-se popular em jogos como pôquer e roleta, modalidades que ainda hoje continuam vivas e tradicionais, especialmente devido à migração que o setor de cassinos vem realizando para o online, com novas plataformas do gênero surgindo de forma intensa, sendo algumas delas listadas em sites como Casinos.pt, que compara diferentes aspectos que fazem um portal não apenas ser atrativo, mas confiável. Por falar em comparação, a história da cidade contada por meio dos mapas e fotografias de Augusto Malta, que mostram a mudança das ruas em diversos períodos, incluindo as descritas nas obras machadianas, estão disponíves no app ImagineRio, do projeto Data.Rio. Essa também é uma boa forma de visualizar como era o Rio de Machado de Assis.

Porém, além do aspecto físico, o autor revela também uma cidade paradoxal em termos socioculturais. A cidade é, ao mesmo tempo, popular e elitista. Este último caráter é confirmado por meio da menção de que o protagonista do conto frequenta um lugar em comum com membros da corte. O fato de o personagem principal também ficar sabendo rapidamente a respeito do destino que teve seu adversário revela a exclusividade garantida por tal bolha social: por estar em um lugar frequentado por pessoas importantes, Cordovil é um dos primeiros a receber a notícia. Mais adiante, o narrador conta que “Tudo foi assim alegre. Cordovil saiu do baile com sono, e foi cochilando no carro, apesar do mal calçado das ruas”. As ruas em mal-estado não foram mencionadas despretensiosamente por Machado: é a ironia de um centro do Rio dividido entre aristocratas e pessoas necessitadas, algo que não incomoda o sono dos abastados.

Mais de 100 anos se passaram e o centro do Rio de Machado, que mostra muitos outros lados e críticas, interessantemente continua contemporâneo. Ainda andamos pelas mesmas ruas e vemos as caraterísticas mencionadas por esse mestre da literatura em seus livros. Vale a pena explorar mais o centro da cidade por meio de uma passada na Confeitaria Colombo, na Rua do Ouvidor, na Rua dos Inválidos e em tantas outras que também foram citadas nas obras machadianas, que mostram de forma primorosa como a arte imita a vida. 

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