Ediel Ribeiro: A casa cor de rosa

Cronista do DIÁRIO fala sobre o lendário local

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Fui adolescente nos anos 70.

Era o auge da Ditadura Militar no Brasil, vivíamos em pleno AI-5.

Estudantes, artistas, escritores, jornalistas e sindicalistas sumiam no ar, como fumaça.

Mas nosso grupo de amigos – embora bem resistentes às leis ou aos princípios de autoridade – não estavam inseridos naquele contexto político. Na verdade, nós não estávamos nem aí. Éramos alienados. Não tínhamos muita consciência política.

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Éramos um bando de jovens que curtíamos baile, futebol, praia, cinema e putaria. Jovens de classe média, cujas maiores revoluções eram o álcool, as drogas, o rock´n´roll e o amor livre.

Sem camisinha, sem Aids e sem culpa.

Nossos maiores medos eram a gonoréia, a síflis e a gravidez prematura.

A maconha rolava solta. Mas, só ela. No subúrbio – pelo menos no nosso grupo – não havia cocaína, heroína, ácido ou as drogas mais pesadas.

Eu era um dos poucos que não fumava. Sempre fui careta.

Nem cigarro. Mas ficava de tocaia, vigiando a polícia, enquanto os amigos fumavam, nas dunas de Cabo Frio.

Meu negócio era sexo e bebida. Acho que foram meus únicos vícios – junto com as histórias em quadrinhos de sacanagem do Carlos Zéfiro.

Freqüentávamos “A Casa Rosa”, um cabaré de luxo, muito famoso – frequentado por políticos, artistas e intelectuais que ficava na Rua Alice, uma ladeira bucólica em Laranjeiras.

O cartunista Lan era um dos frequentadores famosos. 

Foi nessa época que conheci o roqueiro Lobão. Na verdade, ele ainda não era o Lobão. Era João Luiz Woerdenbag Filho, um adolescente magrelo, cabeludo e cheio de espinhas na cara. Perdeu a virgindade alí. Ficávamos sentados bebendo e falando de música e literatura “Beat”, enquanto esperávamos nossa hora de subir para os quartos, no segundo andar, onde meninas de pouco mais de 18 anos nos esperavam para realizar nossos sonhos adolescentes.

Todo adolescente descolado, daquela época, frequentava a Rua Alice. Se você foi adolescente no Rio de Janeiro nos anos 70 e 80 e não frequentou o casarão-cor-de-rosa da Rua Alice, você não curtiu a vida.

Como Lobão, muitos jovens perderam a virgindade alí. Era alí, ou na “zona”. A zona era a mais famosa área de prostituição da cidade do Rio de Janeiro. Ficava na área do mangue, na rua Pinto de Azevedo onde hoje fica a Prefeitura do Rio.

A zona nasceu com o desembarque de mulheres do leste europeu em fuga da Primeira Guerra Mundial, pobres e sem os maridos. A movimentação era muito grande, principalmente na década de 1920 – sua época áurea. O poeta Manuel Bandeira era um dos frequentadores mais assíduos.

No entanto, a Pinto de Azevedo, da minha época, era horrível. A visão do inferno. Mulheres seminuas nas portas das casas, bandidos, drogados, vagabundos e outros decaídos frequentavam aquele lugar. Era para onde iam os moleques sem grana – e nós, quando estávamos duros. 

A Rua Alice era cara. Só os moleques de classe média frequentavam. Presente no imaginário dos jovens dos anos 70 e 80, acho que todo adolescente – naqueles anos de chumbo, em que até os inferninhos eram proibidos – já frequentou a Rua Alice.

Era o nosso Woodstock.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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