O ‘Jornal do Brasil’ foi – com perdão da redundância – o melhor jornal do Brasil, nas décadas de 60 e 80.
O JB, como era carinhosamente chamado pelos leitores, tinha os melhores jornalistas, os melhores colunistas, os melhores articulistas, os melhores ilustradores e os melhores cartunistas da época.
Uma das principais atrações do ‘Jornal do Brasil’ era a ‘Revista de Domingo’. Eu aguardava com ansiedade a chegada do domingo para ler a revista, que vinha encartada no JB.
Entre os grandes textos da ‘Domingo’, estavam as crônicas do Apicius.
Durante 22 anos – entre os anos 1975 e 1997 -, o jornalista Roberto Marinho de Azevedo Neto, sob o pseudônimo de Apicius – uma homenagem ao romano Marcus Gavius Apicius, considerado o primeiro ‘gourmet’ da história e autor do livro “De Re Coquinaria” – escreveu no jornal carioca, assinando a coluna “À Mesa, como Convém”.
Com sua pena elegante, erudita e impiedosa, arrasava ou promovia as casas que frequentava, com a inseparável ‘Madame K’. O crítico, que também era desenhista, era o autor dos belos desenhos que ilustravam sua coluna.
Apicius começou no ‘Jornal do Brasil’ como repórter da editoria internacional. O jornalismo, naquela época, era uma profissão romântica. Vivíamos na era pré-internet. Máquinas de escrever com seus carbonos de cor lilás, calandras, rotativas, linotipos, flans, clichês, laudas de 20 linhas, telex, gravadores de rolo, cigarros e fumaça. Muita fumaça. Tudo isso que hoje soa mais como ficção científica, fazia parte do mundo de Apicius.
Desde jovem, Apicius já mostrava interesse pelas letras. Jornalismo e literatura se misturavam nos textos do jornalista – um de seus poemas foi publicado no ‘Jornal do Commercio’, do Rio de Janeiro, quando ele tinha apenas 15 anos, selecionado por ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade. O poeta mineiro, posteriormente, viria a ser seu colega de redação no JB, ambos escrevendo crônicas.
Todo mundo sabia que o Rio de Janeiro tinha uma vasta e eficientíssima rede de restaurantes e quase todo mundo sabia quais eram os mais caros, mas só Apicius sabia quais eram os melhores.
Ninguém sabia quem era Apicius. O crítico frequentou as melhores e piores mesas do Rio de Janeiro, escondido sob o icônico apelido. Não usava seu nome para não ser reconhecido, bem como o de sua eterna companheira de mesa, “Mme K.” – identidade secreta da pintora Marilia Kranz, sua amiga e parceira de investidas gastronômicas, falecida recentemente.
“Só escrevo sobre o que vi. Comi e paguei. Nem sou melhor tratado que o comum dos fregueses, pois não me faço anunciar”, dizia o crítico.
Somente quando ele parou de escrever sobre gastronomia é que sua identidade foi revelada, em uma entrevista para a ‘Revista de Domingo’.
Além das crônicas gastronômicas, Apicius também publicou livros de poesias com seu nome verdadeiro. Em 1986, a editora José Olympio já havia lançado o livro “Confissões íntimas”, uma coletânea de textos do autor.
Obra de grande importância para entendermos como a comida pode ser, sim, assunto literário.
Quase três décadas depois, em 2015, o livro voltou ao mercado na versão e-book, pela Editora Cesárea -131 págs. Os textos foram selecionados por Patrícia Kranz, filha da Madame K.
O jornalista e organizador Humberto Werneck afirma, no prefácio do livro, que “Apicius, notabilizou-se como autor de colunas de gastronomia capazes de saciar apetites também literários”.
Uma crônica de Apicius figurou na coletânea “Boa companhia”, editada pela Companhia das Letras, em 2005, ao lado de nomes como Fernando Sabino, João do Rio, José de Alencar, Luís Fernando Veríssimo, Moacyr
Scliar e Rubem Braga.
Roberto Marinho de Azevedo Neto nasceu em 1941 e morreu em 2006, aos 65 anos, no Rio de Janeiro, em decorrência de males hepáticos.