Ediel Ribeiro: Bishop

Lembranças sobre a poeta estadunidense Elizabeth Bishop

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Quando entrevistamos – eu e o poeta Marcus Lucenna – o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002), ele falou, com entusiasmo, sobre a casa que desenhou, em Samambaia – Petrópolis, onde morou a poeta estadunidense Elizabeth Bishop.

Construída entre 1951 e 1953, a obra rendeu  a ele o prêmio da 2ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1954. 

Nesse cenário, Elizabeth Bishop (1911-1979) viveu durante 20 anos, com a namorada Maria Carlota Costallat Macedo Soares (1910-1967), a Lota. Escreveu parte da sua produção, seus melhores poemas, ganhou o Prêmio Pulitzer, em 1956, por seu livro Poemas: Norte & Sul – Uma primavera fria e o National Book Award, em 1970, com The Complete Poems.

Aproveitei o isolamento com a pandemia para ver o filme “Flores Raras”, de Bruno Barreto, que  conta a história da poeta e sua vida no Brasil. É um filme bonito, sensível e inteligente.

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Infelizmente, no que se refere à arquitetura, urbanismo e paisagismo, o filme é uma afronta à história e à memória de Sérgio Bernardes e Oscar Niemeyer.

O cenário principal do filme que deveria ser a famosa Casa Samambaia que Sérgio Bernardes projetou para Lota e Bishop, na Fazenda Samambaia, em Petrópolis, em 1951, foi trocado pela Casa Edmundo Cavanelas, projeto de Oscar Niemeyer, de 1954. 

No entanto, nem Niemeyer nem Bernardes são citados em qualquer momento do filme; a narrativa deixa claro que o projeto arquitetônico da casa é da própria Lota – arquiteta-paisagista e urbanista – e não de Sérgio Bernardes. 

Em uma cena do filme, Lota  aparece fazendo os croquis do projeto. E, ao ser perguntada por Bishop sobre onde ela havia estudado arquitetura, Lota responde: “eu nasci arquiteta”.

Lembrei-me disso por conta da polêmica causada recentemente com a indicação da poeta americana para ser a homenageada na Feira Literária de Paraty – 2020.

A indicação foi bastante questionada. Bishop foi acusada de apoiar o golpe de 1964, e a homenagem cancelada.

Embora acompanhasse atentamente o cenário político brasileiro, a política não era parte do seu trabalho ou de sua vida.

Bishop não fez propaganda do governo militar nem foi porta-voz do regime. A única menção da poeta ao golpe militar que encerrou o governo do presidente democraticamente eleito João Goulart, foi uma carta escrita em 4 de abril de 1964, três dias depois do golpe, para o poeta Robert Lowell (1917-1977), seu amigo e um dos seus interlocutores mais frequentes. No calor dos acontecimentos, Bishop descreve o golpe de 1964 como “uma revolução rápida e bonita”. 

Palavras que agora se voltam contra sua escolha como a homenageada da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos mais importantes eventos dedicados à literatura no Brasil.

Aqui nem é preciso mencionar o abissal desequilíbrio de legitimidade entre o comentário de uma poeta a um amigo e a defesa de um golpe militar a censura, a tortura, a perseguição, a prisão e o desaparecimento de opositores. 

Era a visão poética de uma tragédia. Só isso. Não se tem notícia de luta ou engajamento político por parte de Bishop ao golpe de 1964.

Um mês após o golpe, ela expressa sentimentos ambivalentes sobre o que estava acontecendo. “Ando terrivelmente deprimida com o que está acontecendo por aqui, e meu único pensamento é ir embora por um tempo”, escreveu.

Tal posicionamento político não deve desmerecer a produção de Elizabeth Bishop, uma importante poeta do século XX, nem das relevantes traduções de escritores brasileiros que ela verteu ao inglês, como Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, nem das antologias que organizou, contribuindo com a difusão da literatura nacional para além de nossas fronteiras.

Bishop chegou ao Brasil com apenas um livro publicado e ainda longe de ser reconhecida como uma das maiores poetas do século 20, reconhecimento que viria bem mais tarde. 

Ela produziu boa parte de sua obra no país. Sua produção é considerada pequena. São apenas 101 poemas, divididos em três livros, ao longo dos seus 68 anos de vida. 

É necessário separar a vida e a obra de Bishop.

O mais triste de Lota e Bishop é que mesmo amando a brasileira, a escritora decide voltar para Nova York. O afastamento da companheira leva Lota à uma profunda depressão

Lota morreu de overdose de barbitúricos, aos 57 anos, após visitar Bishop em Nova York durante um de seus rompimentos. 

Após a morte de Lota, Bishop tornou-se poeta residente na Universidade de Harvard, em 1969 e começou, em 1971, uma relação amorosa com Alice Methfessel que duraria até sua morte, em 1979, quando faleceu, vítima de um aneurisma.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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