Ediel Ribeiro: o acordo com os supermercados

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre presidente Jair Bolsonaro ter pedido aos donos de supermercados que diminuam seus lucros a fim de conter a carestia

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Na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu aos donos de supermercados que diminuam seus lucros a fim de conter a carestia e, assim, evitar a eleição de Lula (PT).

Bolsonaro e Paulo Guedes falaram em um encontro da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). O presidente disse que se os supermercados continuarem aumentando os preços como estão aumentando, isso seria um convite à inflação. Para dramatizar sua luta e mostrar que o governo está preocupado com a inflação, o ministro da Economia disse aos empresários do setor:

“Empresários precisam entender que temos que quebrar a cadeia inflacionária. Estamos em hora decisiva para o Brasil. Nova tabela de preços só em 2023, depois da reeleição do presidente. Trava os preços, vamos parar de aumentar os preços”.

Foi de cortar o coração ver a empatia, o sofrimento e a cara de preocupação dos donos de supermercados com a inflação e com o pedido indireto para que empresas deem dinheiro para a reeleição do presidente.

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Claro que tudo isso é sarcasmo. Mas a demagogia eleitoreira do ‘Posto Ipiranga’ mexeu até com a cabeça do capitão.

O presidente acreditou e tratou de abastecer sua despensa. A cena, naturalmente, passa-se no Palácio da Alvorada. O presidente está dormindo com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro:

Michelle, acorde, vamos fazer compras.

Compras? Claro, querido! Estou mesmo precisando de uma bolsa nova. Como você adivinhou? Por falar nisso, vi uma Bvlgari em liquidação por R$32 mil. E, como vamos faturar no cartão corporativo, podemos levar também uma Prada, uma Chanel, uma Hermès, uma Judith Leiber, uma Fendi e uma Louis Vuitton.

Bolsa?! Quem falou em bolsa? Vamos ao supermercado. Vamos fazer as compras do mês. Toma! – disse o presidente, entregando quatro notas de 100 a primeira-dama.

Quatrocentos reais!?? – indagou Michelle. – Por acaso você já entrou alguma vez na vida em um supermercado? Até as sacolas de supermercado estão com preço de bolsa de grife.

Tem muita gente vivendo com os quatrocentos reais do Auxílio Emergencial, taokey? Ninguém passa fome neste país! Zero! – disse o presidente, confirmando o que disse o senador Flávio – o filho Zero Um – negando que 33 milhões de brasileiros estejam passando fome.

Tá brincando!? Querido, seu filho não consegue ver indício de corrupção no gabinete dele, vai ver o aumento do preço da cesta básica? Desculpa, mas o nome disso é estelionato eleitoral: fazer demagogia e mentir agora para tudo explodir depois da eleição.

Isso daí já é outra ‘cuestão’. Os donos de supermercados prometeram segurar os preços, taokey? Vamos aproveitar e comprar coisa pra cacete!

O único lugar onde com quatrocentos reais você compra ‘coisa pra cacete’ é no sex-shop – ironizou a primeira-dama.

Vamos cortar todos os produtos que estão subindo de preço. Precisamos dar exemplo para a população. Mostrar que dá para encher o carrinho com o Auxílio Emergencial.

Michelle pegou um carrinho e enveredou pelos corredores do supermercado:

Vamos pegar os tomates – disse a primeira-dama.

Ficou louca? No acumulado de 12 meses, o tomate aumentou 94,55%.

Tudo bem, pegue as batatas…

Nem pensar! Já viu o preço da batata! Aumentou 27,15% – disse o capitão.

Ok, vamos trocar pela cenoura.

Esquece. A cenoura é a vilã da inflação.

Michelle balança a cabeça, negativamente, e coloca um pacote de café no carrinho.

  • Não, Não! O café subiu 64,66%. Quer que as pessoas nos acuse de ostentação? Nós podemos ser sequestrados, se nos pegarem na rua com um pacote de café nas mãos.
  • Açúcar!?
  • Não. O açúcar aumentou 35,68%.

Michelle ameaçou pegar um litro de óleo.

Esquece! O óleo aumentou 23,75%

Margarina, pode?

Corta, também!!

Mas, Jair, a gente já cortou praticamente tudo!

Por falar nisso, viu que estão fazendo liquidação de pés de galinha?

Jair, você detesta pés de galinha!

Detesto, mas meu país em primeiro lugar! – disse. – No ‘Peg & Pag’, aqui ao lado, tem um grande estoque de ossos. Pergunte ao cozinheiro se ele pode fazer alguma coisa com isso.

Pelo amor de Deus, Jair. Ninguém come isso!

Não come? Em que país você vive!? Você não assiste TV?

Está bem, Jair. O que é que a gente pode comprar?

Paulo Guedes me disse que o pescoço da galinha está barato.

Tem certeza? Não vai furar o teto de gastos?

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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1 COMENTÁRIO

  1. extremamente criativo. Mas é claro que um pedido desses não resolve em nada o problema, somente um pacto similar aos de Moncloa, feito na Espanha em 1977. Após a Ditadura Franco, precisava-se organizar a sociedade que vivia um nós x eles jamais visto no mundo, beira de guerra civil. Todos os setores sociais com a liderança do rei, sentaram e “zeraram o relógio” dos preços, salários, normas civis, etc. mantendo estabilidade até o país acertar. Não tomaram a “lei de Dilma” como norma, o famoso “ninguém vai ganhar nem perder, vai todo mundo perder”. Tentem um olhar para o seguinte: Não é o presidente ou ministro que faz o pais estar na m… É o próprio pais que está atolado nela. E é o pais que deve ser apoiado, não pessoas ou partidos. Poderia ser feito algo para sensibilizar sim as grandes empresas que, incentivadas há pelo menos 20,30 anos a engolir a pequena agricultura e hoje são empresas de bilhões de dólares que centralizam tudo o que comemos, a manter preços em reais e não em dólares. Ataques no efeito, nunca na causa, não resolvem.

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