Ediel Ribeiro: O estúdio do ‘Seu’ Luna

“Seu” Luna - era assim que todo mundo conhecia o cearense William Araújo Luna - quando produzi um disco do cantor e compositor Marcus Lucenna, no estúdio Haway

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Semana passada, um leitor me mandou uma mensagem para dizer que, ao ler a minha coluna sobre o fechamento do Sentaí – restaurante de frutos do mar, no Centro do Rio – lembrou da morte do “Seu” Luna, dono do estúdio Hawaí.

Eu, confesso, não sabia.

Conheci “Seu” Luna – era assim que todo mundo conhecia o cearense William Araújo Luna – quando produzi um disco do cantor e compositor Marcus Lucenna, no estúdio Haway.

Saímos, eu ele e o Lucenna, várias vezes, para tomar uns chopes e comer o pastel de lagosta do Sentaí.

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O Hawai era, no começo dos anos 1970, um dos melhores estúdios de gravação de discos do Rio de Janeiro. 

Luna investiu em uma série de obras no prédio de três andares, na Rua Costa Ferreira, número 102, bem atrás da Central do Brasil, e comprou equipamento de som de última geração. Tinha uma mesa de som revolucionária, todo mundo aprendeu a fazer disco ali. 

Lá, gravaram nomes fundamentais da MPB, como Cartola, Jamelão, Elza Soares, Fagner, Alcione, Fafá de Belém, Novos Baianos, Marcus Lucenna e Belchior, além dos discos das Escola de Samba e de boa parte dos sambistas dos anos 1980. 

Em 1974, Cartola, já com 66 anos, gravou no Haway seu primeiro disco.

O caminho até o sonho foi longo. Nascido em Fortaleza, ele veio para o Rio tentar a sorte como sanfoneiro. No fim dos anos 1960, comprou o Haway, o estúdio Somil, em Botafogo – especializado em dublagem – e ainda montou o selo fonográfico Esquema, pelo qual editou muitos LPs de samba e forró. 

Boêmio, Luna construiu até uma piscina aquecida no térreo para reunir a rapaziada. “O pessoal armava um pagode e tinha gente que caía de roupa e tudo”, disse Hyldon, que gravou no Haway seu LP de 1977.  

As gravações, no Hawai rolavam até de madrugada. Muitos músicos ficavam por lá mesmo. Caso de Bira de Souza, que tocava surdo e que de tanto ficar no prédio acabou conhecido como ‘Bira Haway’. 

“O William foi o maior incentivador de minha carreira. O estúdio funcionava 24 horas por dia, virávamos algumas noites lá. Cheguei a passar uma semana lá, sem voltar para casa, aprendi muito ali”, afirmou Bira, que, nos anos 1980, tornou-se um prestigiado produtor de samba.

O Haway seguiu funcionando, com alguma expressão, até o começo dos anos 90. A morte de Luna, que coincide com o fim do disco de vinil, encerra, mesmo que simbolicamente, uma era da gravação de discos no Brasil.

Há dois anos, depois de perder na Justiça, em processos trabalhistas, o prédio do Haway, ele levou o equipamento todo para casa e produzia projetos pequenos, para intérpretes de música gospel. 

“Seu” Luna trabalhou até o último dia de vida e morreu dormindo, na madrugada do dia 7 de Julho de 2018, aos 79 anos, de um ataque cardíaco em seu apartamento em Copacabana.

Na noite da morte, preferiu não dormir no quarto — e armou a cama perto da mesa de som, parecia que queria morrer como viveu: ao lado da sua companheira de toda uma vida.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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