Bom, bonito, barato, divertido. Está aberta a temporada dos ensaios técnicos das agremiações carnavalescas na Marquês de Sapucaí. No primeiro fim de semana, Unidos de Padre Miguel, Unidos da Tijuca e Mocidade Independente (Especial) e União do Parque Acari, Em Cima da Hora, Inocentes de Belford Roxo e União da Ilha (Série Ouro, ou divisão de acesso) esquentaram os tamborins numa passarela com acesso livre. Programão, que se estende até 23 de fevereiro e permite – quase – tudo: ao público é facultado o direto de entrar com capa de chuva, carrinho de bebê, alimentos e bebidas para consumo individual por pessoa, garrafas plásticas e copos térmicos, latas e bolsas térmicas. É o momento em que o sofrido morador do subúrbio, que vive com salário-mínimo, pode ocupar os tablados dos supercamarotes, cujas entradas não saem por menos de R$ 1 mil no cortejo oficial. Imortal vitória da ilusão, nas palavras do eterno Aldir Blanc e de Moacyr Luz.
O Rio é mais bonito na leveza do esquenta no Carnaval de números superlativos – são 28 escolas a cruzarem os 700 metros da Avenida, sendo que as da elite da folia poderão ensaiar duas vezes. No domingo (26), eu vi vendedores ambulantes aos montes, aproveitando para faturar um qualquer. Idosos, adultos e crianças driblavam as já conhecidas dificuldades da precariedade do transporte público – maximizadas aos domingos – por momentos de alegria a baixo custo. No metrô, um animado grupo de holandeses conversava animado antes do desembarque na Praça Onze – pela primeira vez aportavam na meca do samba carioca.
Ensaio técnico é sobretudo o Rio plural que dá certo, atesta mestre Marcão, que fez história no comando da bateria do Salgueiro por 15 anos e hoje defende o pavilhão amarelo e azul do Paraíso do Tuiuti.
“Isso aqui é pura conexão do Carnaval com o povo. A gente não pode perder isso, jamais”, disse-me o ritmista, que há anos também dá luxuosa assistência à bateria da Inocentes de Belford Roxo, ajudando nas bossas, afinações, sustentação e equilíbrio de timbres.
Quem chega cedo às frisas, logo trata de ocupar um lugar coladinho à grade que separa a plateia da Avenida. As crianças normalmente sobem nas grades, para conseguirem visão melhor dos cortejos. Caixas térmicas abastecidas com bebidas são bem-vindas. Quem não leva víveres, porém, pode comprar comidas e bebidas dos inúmeros ambulantes. A vendedora Kamille Caetano del Puppo, moradora de Parada Morabi, Duque de Caxias, tentava convencer os clientes de que sua cerveja era “a mais gelada da Sapucaí”. Os dois filhos, pequenos, a aguardavam no lado de fora da Marquês. Sem lamentos. É preciso sobreviver à dura dinâmica da metrópole. No sábado, ensaio das escolas mais ricas, as vendas foram boas, ela me disse, e lhe renderam quase R$ 1 mil.
Ao lado, Rodrigo Machado, segundo mestre-sala da União do Parque Acari, conversava com sua companheira de dança, a porta-bandeira Tamires Ribeiro, após a apresentação da agremiação da Zona Norte carioca. A escola superou, no ano passado, um episódio triste – as fortes chuvas destruíram parte do vestuário das baianas e 640 fantasias –, e conseguiu se manter no grupo que dá acesso à folia.
Superação é a tônica de muitas histórias nessa avenida popular. Esqueça as dores e os “ais”. Começou a festa mais democrática do Rio. Que bom!