Localizada no Alto da Boa Vista, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a comunidade do Vale Encantado surgiu, no século XIX, com a presença de trabalhadores que atuavam nas plantações de café do entorno, antes da região ser reflorestada e dar origem à Floresta da Tijuca – uma das maiores do mundo em perímetro urbano. As informações são da BBC News Brasil.
Quatro gerações depois, a comunidade ainda enfrenta muitos desafios. Durante muito tempo, eles viveram da extração de recursos naturais locais, como a agricultura e a floricultura. A extração de granito, que causou desmatamento, também foi uma atividade exercida até 1989, quando empresas exploradoras foram embora, levando consigo também a possibilidade de sustento de quem vivia na comunidade.
Atualmente, segundo o último censo da Associação de Moradores e da Cooperativa do Vale, vivem mais de 100 pessoas distribuídas em 40 famílias, que moram nas 27 casas da comunidade.
Isolada e sem poder produzir os seus próprios meios de subsistência, a população do Vale Encantado passou por muitas provações. Mas, em 2005, novas perspectivas surgiram com a visita do francês Jérôme Auriac, presidente de uma ONG de desenvolvimento sustentável atuante no Brasil. A partir daí, o presidente da Associação de moradores do Vale, Otávio Barros, pensou na possibilidade de transformar o local em um destino para o turismo sustentável. A medida que geraria renda para os moradores, além de possibilitar o tratamento do esgoto da comunidade, que contaminava as nascentes do Alto da Boa Vista, causando doenças e atraindo ratos e insetos.
A questão ambiental era emergencial. Em 2006, em razão da ocupação das áreas do Vale Encantado, o Ministério Público do Estado do Rio entrou com uma ação civil pública e um pedido de liminar, contra a Prefeitura do Rio. Apesar de não ser o motivo central da ação, a comunidade foi incluída como ameaça contra a preservação ambiental.
Em 2011, Otávio Barros, que trabalhava como secretário do curso de graduação de matemática da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), recebeu uma indicação de um pesquisador do departamento, para procurar o engenheiro ambiental sanitarista, Leonardo Adler, profissional que poderia ajudar o Vale Encantado. Os dois trocaram e-mail, mas o encontro só aconteceria mais tarde.
Dois anos depois, um pequeno milagre aconteceu rumo à sustentabilidade. Uma ONG internacional doou um biodigestor de restos alimenatres, para ser usado no restaurante da associação no preparado de alimentos – como a “torta de umbigo de banana e o “jacalhau.” Através do processamento dos refugos, a comunidade se beneficiaria ainda do biogás resultante.
A implantação do sistema requeria um conhecimento técnico especializado, o que foi viabilizado pelo engenheiro Leonardo Andler e outros voluntários, que passaram a frequentar a comunidade.
Apesar das conquistas, a contaminação ambiental continuava. Foi somente, em 2015, através de uma parceria com a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), que o biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado começou a ser desenvolvido. Dessa vez, objetivo era construir um biodigestor adequado para o tratamento do esgoto das 27 casas do Vale Encantado. No entanto, a falta de dinheiro só permitiu que apenas cinco moradias fossem beneficiadas.
A captação de recursos foi lenta, sendo que a pandemia do novo coronavírus paralisou o planejamento da comunidade. Em 2021, no entanto, a Vale Encantando conseguiu os recursos que faltavam com o auxílio de diferentes organizações sociais, dando prosseguimento à conclusão do sistema conectando todas as casas à rede completa de saneamento. Os próprios moradores, que foram capacitados por um engenheiro civil e um encanador, fizeram a obra e foram remunerados pelo trabalho.
Finalmente, desde maio de 2022, o esgoto é coletado das residências e direcionado a um tanque de concreto, onde é submetido a processos naturais para a limpeza da água, como explicou o engenheiro Leonardo Adler à BBC News Brasil.
“O sistema faz a degradação de matéria orgânica em ambientes sem oxigênio. Desse ambiente, as bactérias que se desenvolvem digerem a matéria orgânica e elas têm como subproduto dessa digestão o biogás. Na prática é a mesma coisa que acontece na nossa barriga — a digestão de uma parte líquida que saí por um lado, outra sólida, que é depositada no fundo do biodigestor, e então a criação do gás que, nesse caso, pode ser usado para as atividades da cozinha.”
O morador e presidente da associação de moradores local, Otávio Barros festejou a conquista: “Agora, a água é muito limpa. Os moradores estão satisfeitos e não tiveram custo algum. Acho que meus antepassados estariam orgulhosos.” Mas ele ainda persiste no sonho de transformar o Vale Encantado em um ponto turístico, com direito a uma pousada e renda para as famílias mais vulneráveis.