Fernando Flores: O jogo patológico cresce sem políticas públicas definidas para frear o avanço do transtorno

É urgente que se implemente campanhas de esclarecimento e prevenção do transtorno do jogo patológico

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Pesquisas, publicações cientificas e matérias jornalísticas tem sido um oásis de esperança no combate ao transtorno do jogo patológico, que se alastra de forma rápida, destruidora e eficaz como um vírus letal. Mas não é suficiente ante a força de uma avalanche de marketing agressivo, influenciadores, ídolos esportivos e formadores de opinião já arregimentados para atuarem na disseminação do “vírus do jogo patológico”.

A indústria global de jogos de azar está se expandindo rapidamente, com perdas líquidas, segundo o último estudo da Comissão de Saúde Pública da Lancet, dos consumidores projetadas para atingir mundialmente quase US$ 700 bilhões até 2028. O crescimento da indústria é alimentado pelo aumento do jogo online, ampla acessibilidade de oportunidades de jogo por meio de celulares, maior legalização e a introdução de jogos comerciais em novas áreas. A expansão recente é mais notável em países de baixa e média renda, onde a infraestrutura regulatória é frequentemente fraca.

Os danos à saúde e ao bem-estar resultantes do jogo são mais substanciais do que se entendia anteriormente, estendendo-se além do transtorno do jogo para incluir uma ampla gama de danos ao jogo, que afetam muitas pessoas além dos indivíduos que jogam. A evolução da indústria de jogos de azar está em um momento crucial; uma ação decisiva agora pode prevenir ou mitigar danos generalizados à saúde e ao bem-estar da população.

A tempestade perfeita

No Brasil as plataformas de apostas esportivas, conhecidas como “bets”, registraram um aumento significativo em número de usuários e receita. O mercado de jogos online experimentou um crescimento explosivo nos últimos anos. Levantamento do Banco Central aponta que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos primeiros oito meses de 2024.

Acompanhando esse crescimento o mercado publicitário nacional vem recebendo grandes aportes financeiros das empresas “bets”, que hoje detém a maioria das cotas publicitárias (dados da ABAP e Meio & Mensagem) dos principais eventos esportivos do Brasil e América do Sul (campeonato de futebol brasileiro série A, campeonato de futebol brasileiro série B, Copa do Brasil, Taça Libertadores das Américas, Sul Americana entre outros importantes eventos).

A facilidade no acesso a cassinos online com o vasto investimento publicitário tem potencial de aumentar consideravelmente pessoas com transtorno do jogo patológico (classificado na quinta edição do Manual de Diagnósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais, DSM-5). O momento em que vivemos pode ser definido como a “tempestade perfeita”, nos próximos anos o que veremos é um aumento desse transtorno exponencial, preocupante e danoso para a economia e saúde pública do país.

Quem  ganha ou perde com o crescimento desse mercado

 Em estudo divulgado recentemente (16 de janeiro de 2025), no Rio de Janeiro, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O varejo deixou de faturar de R$ 103 bilhões ao longo do ano de 2024 em decorrência do redirecionamento dos recursos das famílias para as bets, como ficaram conhecidas as plataformas virtuais de apostas esportivas e de cassino online.

O levantamento, denominado O Panorama das Bets, levou em consideração dados disponibilizados pelo Banco Central. Eles revelam que os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024. Segundo a CNC, os resultados indicam que as apostas online causam endividamento e vício e não só afetam os apostadores como geram impactos socioeconômicos significativos para toda a sociedade.

A empregabilidade da atividade no Brasil é diminuta devido ao grau de tecnologia e ao fato que boa parte das plataformas de cassinos online estarem aportadas em outros países.

Campanhas de esclarecimento e prevenção do transtorno do jogo

É de fundamental relevância que campanhas de esclarecimento e prevenção sejam implementadas imediatamente em todo o Brasil. A eficiência de uma campanha está diretamente ligada a capilaridade e a uma linguagem que alcance os mais atingidos pelo transtorno, evidentemente sempre seguindo os critérios científicos estabelecidos até o momento.

As campanhas devem mostrar de forma acessível o que é o transtorno do jogo patológico, os critérios diagnósticos, as consequências atuais e para onde estamos indo sem combater de forma eficaz essa patologia. Tomar consciência do problema é um passo fundamental para mitigá-lo. Dar consciência a população e apresentar as possibilidades de tratamento esse é o propósito fundamental de uma de campanha de saúde.

 As prefeituras brasileiras têm um papel importante a desempenhar nesse processo. Como multiplicadoras de campanhas de prevenção, elas podem alcançar uma grande parcela da população, especialmente em áreas mais vulneráveis. Além disso, as prefeituras podem trabalhar em conjunto com organizações não governamentais, escolas e outros atores locais para promover ações de prevenção e tratamento do transtorno do jogo.

O transtorno do jogo é uma condição séria e debilitante que exige ação imediata. As campanhas de esclarecimento e prevenção são fundamentais para conscientizar a população sobre os riscos associados e para promover ações de prevenção e tratamento. As prefeituras brasileiras têm um papel crucial a desempenhar nesse processo, é hora delas assumirem sua parte na responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar de seus cidadãos.

Fernando Flores é jornalista, ex head de marketing do mercado bet e estudante de psicologia

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1 COMENTÁRIO

  1. Até parece que pessoas inteligentes não sabiam que essa desenfreada jogatina em aplicativos não ia dar no que deu. Basta ter meia dúzia de neurônios funcionais para prever que o resultado só podia ser esse, ainda mais em um país neoliberal, em crise, cujos bilionários parasitas sugam tudo que podem da energia de pessoas já soterradas no descaso. E não é só o problema do vício em jogos, que já em grave, mas há também toda sorte de crimes financeiros cometidos pelos pilantras donos dessas plataformas – fuga de dinheiro para o exterior, sonegação fiscal, formação de cartéis, e outras doçuras que os capitalistas inventaram e tanto adoram.

    Sou a favor de proibir esses jogos, mas logo vêm os cínicos de sempre berrando que isso é medida típica de Estado autoritário. Se não é para proibir, que se melhorem então as condições de vida da população em geral, com mais e melhores empregos e salários, na esperança de reduzir a angústia e a compulsão que levam ao vício. Que se invista pesadamente no SUS para ampliar a oferta de atendimento psicoterapêutico para a população trabalhadora. Que se invista pesadamente em segurança pública para permitir à população que possa buscar diversão fora de casa, longe desses malditos aparelhos celulares. Mas como aumentar investimento público em um cenário neoliberal de contenção de gastos, de redução do tamanho e da atuação do Estado e de privatização de tudo?

    Conhecem aquela sábia máxima “cuidado com o que você deseja, pois seu desejo pode se tornar realidade”? Pois é, desejaram Estado neoliberal privatizado, agora aguentem. Se é a lógica do lucro empresarial que deve determinar os rumos da nossa civilização, dá para esperar resultados diferentes do que o caos atual?

    Que venha o Milei brasileiro. Boa sorte para nós, porque a coisa vai piorar.

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