Henrique Silveira: A crise nos transportes e o aumento da passagem de trem

O coordenador geral da Casa Fluminense, Henrique Silveira, fala sobre o aumento de passagens e a necessidade de mudança no sistema de transportes do RJ

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Henrique Silveira – geógrafo e coordenador geral da Casa Fluminense

Faz alguns anos que o Rio de Janeiro ocupa a posição de pior sistema de transporte do Brasil, e um dos piores do mundo, de acordo com o Relatório Global Moovit¹. Isso sinaliza o tamanho do desafio que a metrópole fluminense possui para garantir à sua população o direito à mobilidade urbana, previsto na Constituição desde 2015. Com a pandemia do COVID-19, o que era ruim, conseguiu piorar. Do ponto de vista do passageiro, o número de viagens diminuiu, o tempo de espera aumentou, os transportes continuam lotados e, para complicar ainda mais, querem aumentar o preço da tarifa. No caso dos trens, o aumento autorizado pode chegar até 25%.

Diante das crises econômica, social e sanitária que vivemos no Rio de Janeiro, com 16% da população desempregada, o fim do auxílio emergencial e o aumento do valor da cesta básica, permitir o reajuste de 25% é aumentar ainda mais o custo de vida dos trabalhadores mais pobres. Nós da Casa Fluminense fazemos parte do Movimento? Contra o Aumento das Passagens,? formado por diferentes coletivos, organizações e movimentos, para denunciar o aumento abusivo dos trens e das barcas. Mobilizações on-line, panfletagens nas estações de trem e atos na Central do Brasil fazem parte das ações do movimento para dialogar com a população e  pressionar o Governo do Estado a recuar na decisão.

No entanto, para além de lutarmos contra o aumento previsto em 2021, devemos utilizar a crise para debater com profundidade o sistema de transporte do Rio, expor suas contradições e propor alternativas para uma mudança estrutural no sistema. O tema é complexo e envolve muitas variáveis, mas quero apresentar 4 pontos que precisam fazer parte deste debate.

O primeiro ponto é sobre o modelo de financiamento. Nas principais cidades do mundo, o estado custeia uma parte do transporte, tornando-o mais acessível e de melhor qualidade. No Brasil, a maior parte das receitas do sistema de transporte público é oriunda da tarifa que o usuário paga na roleta. Nesse modelo, as empresas buscam reduzir seus custos de operação (principalmente na frequência e na qualidade) e aumentar suas receitas (principalmente com o transporte lotado e aumento da passagem). Com a queda no número de passageiros devido a COVID-19, as empresas alegam que a receita caiu e não existe dinheiro para manter a prestação do serviço com qualidade.

Precisamos migrar para um modelo que remunere os operadores pelo preço de custo. Ou seja, o Estado deve definir quantas viagens devem ser feitas diariamente nos trens para atender a população e conhecer o custo de realizá-las. Ao mesmo tempo, também deve conhecer a quantidade de receita que entra diariamente com as passagens. Caso o valor do custo de operação seja maior do que o valor das receitas, o estado deve buscar fontes alternativas de financiamento, com Fundos Municipais e Estaduais de Transporte, para garantir a expansão e a operação do sistema.

Para construir o modelo descrito acima, esbarramos em um grande problema e chegamos no segundo ponto do debate: a falta de transparência. O sistema de transporte do Rio de Janeiro é historicamente marcado pela falta de transparência e pela corrupção, popularmente conhecida como “caixa preta” do transporte. No caso dos ônibus, as operações “Ponto Final” e “Cadeia Velha” realizadas pela Polícia Federal e o Ministério Público em 2017, revelaram o esquema de corrupção envolvendo empresários do setor e agentes do poder público, que culminou com a prisão de vários deles. Esse é um exemplo muito simbólico sobre a dificuldade em garantir a transparência e o interesse público no transporte no Rio de Janeiro, visto que forças econômicas e políticas poderosas atuam para garantir vantagens privadas de grupos específicos. É fundamental que o Governo do Estado tenha controle público sobre a gestão da bilhetagem eletrônica, dos custos de operação e das receitas de cada modal (trens, metrô, ônibus, barcas etc.). Além disso, pedagogicamente, precisa dar transparência aos dados e debater com a sociedade o melhor modelo para financiar o transporte público na metrópole.

Na medida em que estabelecermos um novo patamar de transparência nos transportes, poderemos avançar na definição de fontes alternativas de financiamento e o fortalecimento dos Fundos Municipais e Estaduais de Transportes. Entre as possíveis receitas que podem alimentar os fundos estão: taxas sobre apps de transporte individual, veículos particulares, recursos do vale transporte, percentuais do IPTU e do IPVA, impostos verdes, dentre outros. O papel do Governo Federal será fundamental para os fundos. Em 2020, o Congresso Nacional aprovou um? Programa Emergência Transportes Social com? um “socorro” de 4 bilhões para o setor em todo país, no entanto, a equipe econômica do governo vetou o projeto. A iniciativa é positiva, mas não resolve o problema estrutural da falta de transparência e de controle público sobre o sistema. É necessário retomar a discussão no Congresso com o objetivo de reestruturar o sistema de financiamento, não apenas remendar o modelo atual.

Por fim, chegamos ao último ponto, o planejamento e governança metropolitana. Todos que discutem mobilidade urbana nas grandes cidades reconhecem a importância de uma autoridade metropolitana para articular e coordenar boa parte dos itens acima, reforçando o planejamento urbano integrado e a cooperação entre prefeituras e Estado na construção de soluções conjuntas. O Instituto Rio Metrópole, conforme a Lei 184/2018, é a instância responsável por essa articulação no Rio de Janeiro. Porém, é surpreendente o silêncio do Instituto sobre a crise dos transportes e a ausência de iniciativas que busquem soluções estruturais para a mobilidade na Região Metropolitana. Não existe mágica para melhorar a mobilidade urbana do Rio. É necessário muita transparência, participação social, planejamento e controle público para construirmos um novo padrão de mobilidade urbana na metrópole. Estamos longe disso, mas é preciso caminhar nesta direção.

O Moovit é uma empresa de soluções de Mobilidade e criadora do app de mobilidade mais usado no mundo. O seu Relatório Global sobre Transporte Público analisa milhões de viagens realizadas ao longo do ano passado em 104 cidades de 28 países, combinada com uma pesquisa de opinião com os usuários do aplicativo, para montar um panorama sobre o uso de transporte público e micromobilidade pelo planeta.

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