Janis Joplin só queria samba – uma viagem tropical, caótica e inesquecível ao Rio

A passagem de Janis Joplin pelo Brasil durante o Carnaval de 1970 inspira o livro recém-lançado de Gonçalo Junior (2025) e o documentário “Janis – Amores de Carnaval” (2024), que resgatam, com riqueza de detalhes, essa jornada de fuga, amor, dor, improviso e liberdade.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp e e-mail
Reprodução

Antes de ser Janis Joplin (1943-1970), a estrela explosiva e visceral do rock, ela foi apenas uma garota tímida e desajustada da cidade conservadora de Port Arthur, Texas. Enquanto suas colegas ainda frequentavam o ginásio, Janis viajava sozinha pelos Estados Unidos, pegando caronas, fumando cigarros de palha e tomando gim aos 16 anos. Aos 24, já era considerada por muitos críticos como “a maior cantora americana da atualidade”.

Livre de qualquer convenção familiar, recusava-se a ouvir conselhos religiosos de seus parentes protestantes. Morava onde queria, fosse numa bela casa em San Francisco ou em acampamentos hippies. E vivia intensamente: ganhava muito dinheiro, gastava tudo, amava livremente e defendia a liberdade total para as mulheres.

Foi vivendo nos guetos negros que aprendeu os blues e músicas sacras, depois rejeitada pelos clubes brancos de sua cidade. Com orgulho, dizia: “Canto música negra para tirar dinheiro dos brancos”. Não lia partituras – achava isso “a coisa mais quadrada em arte” – e fazia da improvisação sua arma mais potente. Gostava da própria pele enrugada pela luz dos refletores, dos sanduíches de bacon e de sua aparência “caótica”.

FUGA TROPICAL: O BRASIL COMO CURA, ROMANCE E FRUSTRAÇÃO

Em fevereiro de 1970, abalada pela morte de seu cachorro George e tomada por sua conhecida “tristeza cósmica”, Janis veio ao Brasil com o objetivo de se desintoxicar e tentar melhorar seu estado de saúde físico e mental. Esperava encontrar descanso no calor, no sol, nas praias e na espontaneidade do povo brasileiro — longe da heroína que dominava os bastidores do rock nos Estados Unidos.

Desde que, aos 16 anos de idade, assistira ao Orfeu Negro, de 1959, filmado no Brasil, durante o Carnaval, Janis tinha vontade de conhecer as festividades cariocas. 

Antes de embarcar, entregou seu estoque de heroína ao amigo Vinicius Caserta, um brasileiro que fazia parte da cena alternativa em São Francisco e com quem mantinha amizade. Esse gesto, simbólico e prático, marcava seu desejo sincero de tentar parar: se livrar da droga antes de pisar no Brasil, onde a heroína era praticamente inexistente à época.

Ela viajou acompanhada da estilista Linda Gravenites, que criava seus figurinos de palco. Ao chegar ao Rio de Janeiro, sentiu-se acolhida como uma estrela. Foi comparada por ela mesma a Brigitte Bardot, tamanha era a atenção da imprensa brasileira. Mas a proposta de descanso não durou: Janis mergulhou intensamente nos prazeres da cidade. Frequentou o circuito underground da cidade e fez topless na Praia da Macumba sendo multada pela polícia brasileira – episódio que causou certo escândalo na época.

Na Praia de Ipanema, conheceu David Niehaus, um americano voluntário do Corpo da Paz e estudante de Direito. Ele não a reconheceu de imediato, o que a encantou. O romance foi rápido, intenso e profundamente marcante. David a ajudou a enfrentar os sintomas da abstinência com metadona — um opioide sintético que Janis trouxe consigo, usado no tratamento de dependência de heroína, sem os efeitos eufóricos da droga original.

Os dois viajaram juntos para a Bahia. Em Cabo Frio, Janis sofreu um acidente de moto, ficou inconsciente e teve uma concussão. Mesmo assim, seguiu em frente em estilo beatnik — termo usado para definir os artistas e jovens intelectuais dos anos 1950 e 60 que rejeitavam os padrões tradicionais da sociedade, valorizavam a liberdade individual e viviam de maneira alternativa, muitas vezes de forma errante, dormindo em praias, vilarejos, bares e casas de amigos. Foi nesse espírito que Janis continuou sua jornada pelo Brasil.

Ela comprou bugigangas de pedra-sabão e bijuterias — como as que continuaria usando nos meses seguintes nos EUA, em memória dos momentos felizes que viveu aqui.

Ao fim da viagem, ela planejava retornar aos Estados Unidos com David, mas o visto dele estava vencido e ele foi impedido de embarcar. Sozinha em Los Angeles, Janis sucumbiu à solidão e voltou a usar heroína. Quando David finalmente conseguiu retornar aos EUA, encontrou Janis recaída. Discutiram, ela prometeu parar com as drogas, e os dois reataram por um tempo. No entanto, ela não cumpriu a promessa — a dependência venceu mais uma vez.

Janis o descreveu como seu “primeiro amor verdadeiro”, embora mais tarde admitisse que já havia amado antes — e sofrido. Guardava mágoas, inseguranças e feridas emocionais que impediam envolvimentos mais profundos. Ainda assim, David Niehaus foi o último grande amor de sua vida.

CARNAVAL, HUMILHAÇÃO E PLANOS FRUSTRADOS

A breve passagem de Janis Joplin pelo Brasil foi marcada por momentos de alegria e também de frustração. A energia do Carnaval carioca a encantou. Ela frequentou bailes, foi à praia, bebeu com desconhecidos e celebrou o samba. Mas não estava imune às feridas profundas que carregava — e nem ao preconceito.

Logo nos primeiros dias, Janis apareceu de surpresa no Copacabana Palace, sem reserva. Nadou nua na piscina e causou escândalo. Segundo relatos da época, não chegou a ser formalmente expulsa, mas não foi autorizada a permanecer no hotel, e acabou encontrando abrigo no apartamento do fotógrafo Ricky Ferreira, no Leblon.

No Theatro Municipal, foi convidada para o camarote presidencial no tradicional baile de Carnaval. Mas, ao tentar entrar, foi barrada na entrada por um segurança que não a reconheceu e, segundo testemunhos, teria feito comentários depreciativos sobre sua aparência. A teria chamado de feia. Sem entender o motivo da rejeição, sentou-se no hall e chorou. Foi então acolhida por uma funcionária do teatro, com quem criou laços de amizade — um gesto simples e humano que marcou sua estadia no Brasil.

Profundamente tocada pela energia do povo brasileiro, declarou:

“Vi o povo brasileiro nas ruas cantando de uma maneira que não conheço nem nos acampamentos hippies de San Francisco. Estou solidária com ele porque sei como vivem: todos trabalham 5 dias por semana […] e devem aproveitar os sábados e os domingos para dançar e cantar.”

Essa percepção a inspirou a organizar um show gratuito ao ar livre, chamado “Carnaval sem fim”, reunindo músicos brasileiros. “O show eu mesma vou preparar”, disse.

Queria fazer no Brasil o que fizera em acampamentos hippies em San Francisco e Nova York: cantar de graça, com o povo. No entanto, sua proposta foi vetada pela ditadura civil-militar, que via com desconfiança iniciativas espontâneas e aglomerações populares ligadas à contracultura, especialmente com uma estrela do rock norte-americana envolvida.

Apesar dos percalços, Janis não se trancou. Pelo contrário: cantou a capela — ou seja, sem acompanhamento instrumental, apenas com sua voz — em pequenos bares da Zona Sul. Em uma das apresentações, foi anunciada por Serguei, que dividiu o palco com ela. Os músicos locais não sabiam tocar suas músicas, então ela soltou a voz sozinha, arrancando aplausos e garrafas de bebida enviadas por frequentadores da casa.

Em síntese, viveu aqui de forma intensa e contraditória. Foi rejeitada por um segurança e acolhida por uma funcionária. Não conseguiu se hospedar num hotel de luxo e encontrou refúgio num quarto e sala no Leblon. Chorou em público e foi ovacionada por desconhecidos. Namorou, riu, brigou, bebeu, cantou, sambou. Viveu, como sempre, em alta voltagem.

O LIVRO INVESTIGATIVO DE GONÇALO JUNIOR

Boa parte das histórias, mitos e verdades sobre a visita de Janis Joplin ao Brasil em 1970 foram reunidas e cuidadosamente apuradas pelo jornalista e escritor Gonçalo Junior no livro “Janis Joplin só queria sambar”, lançado em 2025 pela Editora Noir, com 286 páginas. A obra é resultado de um ano de apuração intensa, incluindo entrevistas com testemunhas, cruzamento de documentos, consulta a arquivos da imprensa da época e até investigações em relatórios do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI).

Gonçalo Junior é um reconhecido pesquisador da cultura popular brasileira, especialmente das histórias em quadrinhos. É autor de títulos como “A Guerra dos Gibis”; “O Rei da HQ”; Famigerado! a História de Luz Vermelha, o Bandido que Aterrorizou São Paulo nos Anos de 1960; Ora, Bolas! a Inusitada História do Chiclete no Brasil; Quando éramos Iguais: Memórias de uma Geração que Usou Kichute; O Incrível Steve Ditko; O Deus da Sacanagem – A vida e o tempo de Carlos Zéfiro; Vida traçada: um perfil de Flavio Colin; etc. Sou fã dos livros dele.

 No livro sobre Janis, ele demonstra o mesmo cuidado e rigor que o consagraram como referência em pesquisas culturais, desmentindo mitos folclóricos, como a absurda lenda de que Janis teria dormido embriagada e acordado com os pelos das axilas raspados por um “artista performático”.

Mais do que um livro-reportagem, “Janis Joplin só queria sambar” é também um retrato do Brasil sob a ditadura militar e da cidade do Rio de Janeiro no início da década de 70. Através do olhar estrangeiro de Janis — encantado, mas também ferido —, Gonçalo revela as contradições do país, suas belezas, suas dores e seu autoritarismo disfarçado de tradição.

O livro reconstrói cronologicamente a estadia da cantora, com riqueza de detalhes, e contextualiza os acontecimentos em relação à sua trajetória pessoal, seus vícios, seus amores e seu fim precoce. Para quem deseja entender não apenas o que aconteceu, mas como e por que se deu aquela viagem tropical e caótica, a leitura é indispensável.

DOCUMENTÁRIO, IMAGENS RARAS E A JANIS DOS BASTIDORES

Em 2024, a passagem de Janis Joplin pelo Brasil ganhou também sua versão audiovisual no documentário “Janis – Amores de Carnaval (Memórias de Ricky Ferreira e Convidados)”, produzido por Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes, e dirigido por Ana Isabel Cunha. Lançado no Festival do Rio, o filme foi exibido na seção Première Brasil: Retratos Longa-Metragem e trouxe à tona imagens inéditas, fotografias raras e depoimentos emocionados de quem viveu ou acompanhou aquele momento único.

O documentário é narrado em primeira pessoa pelo fotógrafo Ricky Ferreira, que hospedou Janis em seu apartamento no Leblon e a acompanhou em seus sete dias de aventura carioca. Ricky foi testemunha direta da rotina intensa da cantora pela cidade — seus mergulhos nas praias, suas noites nos bares da Zona Sul, os ensaios improvisados, os encontros inesperados.

A diretora Ana Isabel Cunha, em sua estreia, enfrentou o desafio de montar uma linha do tempo baseada em relatos, memórias e imagens dispersas. “O ponto de partida foram as fotos do Ricky e os registros dos principais momentos vividos por ela na cidade. Voltamos com Ricky e os entrevistados aos locais onde encontraram com ela e, assim, fomos reconstruindo essa viagem”, declarou. Com imagens subjetivas da “nossa Janis”, o longa costura as diferentes camadas dessa estadia fugaz e intensa.

Participam do filme personalidades como Alcione, Baby do Brasil, Walter Casagrande, Leiloca Neves, José Paulo Kupfer, Carlos Horcades, João Luiz Lacerda de Albuquerque, além da atriz Carol Fazu, que interpreta Janis em cenas dramatizadas. O resultado é um retrato íntimo de uma artista à flor da pele.

A diretora também destacou o papel do olhar feminino na condução da obra:

“Janis era feminista. Quando comecei a entrar mais a fundo na história, fui descobrindo uma mulher sensível, com inseguranças e que queria ser aceita, ser amada. Na juventude sofreu bullying pela aparência e aqui no Brasil sentiu isso novamente.”

Veja no sítio abaixo o trailer oficial desse documentário:

Complementando, veja no sítio abaixo um Blog com fotos e registros dela da época:

https://international-pop.blogspot.com/2015/09/the-day-janis-joplin-came-to-town.html?m=1

A CONSAGRAÇÃO NA BIOGRAFIA DE HOLLY GEORGE-WARREN

Se Gonçalo Junior mergulhou na viagem tropical de Janis Joplin ao Brasil, a jornalista e biógrafa norte-americana Holly George-Warren reconstruiu toda a trajetória de vida da cantora na biografia definitiva “Janis Joplin: Sua Vida, Sua Música”, publicada no Brasil pela Editora Seoman em 2020, com 592 páginas.

Holly George-Warren já escreveu mais de 15 livros sobre música e cultura pop, e, em sua obra sobre Janis, oferece um retrato profundo, sensível e bem documentado da artista. A biografia destaca sua infância marcada pela inadequação, o bullying que sofreu por conta da aparência, a libertação por meio da música, seus relacionamentos turbulentos, o sucesso meteórico e o fim trágico — aos 27 anos, vítima de overdose.

Sobre a passagem da cantora pelo Brasil, a autora foi categórica:

“Ela adorou estar no Brasil em fevereiro de 1970 – foi uma das épocas mais felizes de sua vida. Ela queria organizar um festival de rock no país e também viajou para a Bahia. Amava a música brasileira e a dança.”

O livro relata com riqueza de detalhes o fascínio de Janis pelo samba, sua tentativa de se afastar da heroína e a breve luz de esperança acesa por sua paixão com David Niehaus. Para George-Warren, Janis era uma artista multifacetada:

“Ela podia ser muito otimista, alegre e feroz. E também podia ser tímida, introvertida e quieta. Estar no palco trouxe à tona seu lado extrovertido. No geral, ela era uma artista ambiciosa que trabalhou muito para se tornar a grande cantora que era.”

A biografia também analisa o legado de Janis Joplin como figura transgressora e vanguardista, que desafiou o machismo na indústria musical e abriu caminho para futuras gerações de mulheres no rock. Nomes como Patti Smith, Debbie Harry, Chrissie Hynde, Cyndi Lauper, Kate Pierson e as irmãs Wilson, do Heart, assumem sua dívida com Janis.

Apesar da carreira curta, sua força vocal, sua intensidade emocional e sua entrega total à arte continuam a inspirar músicos e fãs ao redor do mundo.

“PIECE OF MY HEART”: A VOZ QUE ABRIU CAMINHO PARA MULHERES NO ROCK

Entre os maiores sucessos de Janis Joplin está Piece of My Heart, considerada por muitos como o verdadeiro hino de sua carreira. Gravada originalmente por Erma Franklin, a canção foi eternizada por Janis com a banda Big Brother and the Holding Company em 1968. O vídeo mais popular da interpretação ao vivo pode ser visto em:

A letra, embora fale de um amor não correspondido, onde a mulher “dá mais um pedacinho do seu coração” (“Take another little piece of my heart now, baby”), foi ressignificada ao longo do tempo como expressão de liberdade emocional. Janis cantava com tanta força, dor e verdade que a música se transformou em um grito de independência feminina. Em uma época em que mulheres eram julgadas por demonstrar sentimentos, sua entrega virou símbolo de empoderamento.

AS CAPAS E MANCHETES DA ÉPOCA

A breve estadia de Janis Joplin no Brasil não passou despercebida pela imprensa nacional — embora nem sempre com a sensibilidade que a artista merecia. Os jornais e revistas da época alternaram entre o fascínio pela figura excêntrica da cantora e o preconceito velado (ou explícito) contra sua aparência e estilo de vida.

Em 14 de fevereiro de 1970, uma reportagem sensacionalista do Jornal da Tarde, de São Paulo, estampava a manchete com descrições depreciativas da artista: “Cabelos molhados, espinhas no rosto, corpo feio cheio de cicatrizes”. O texto relatava o episódio em que Janis trocou de biquíni na piscina do Copacabana Palace e teria agredido jornalistas que não a trataram como estrela. Também citava seu plano de cantar gratuitamente em Ipanema e sua admiração pelo povo brasileiro.

A revista Manchete, uma das mais populares do Brasil na época, também noticiou sua passagem. Após sua morte, a edição de 24 de outubro de 1970 trouxe como chamada de capa:

“Ela morreu como Jimi Hendrix: entre drogas e canções!”

Uma frase impactante, mas que revela o tom reducionista com que a mídia da época tratava o fim trágico de grandes nomes da música. O foco na morte por overdose muitas vezes eclipsava a relevância artística de figuras como Janis.

As imagens desses jornais e revistas — hoje relíquias históricas — estão reunidas em acervos online e ilustram o quanto a visita de Janis ao Brasil, embora breve, foi carregada de simbolismo, contrastes e memórias que reverberam até hoje.

“HEY MAN, I’M JANIS JOPLIN!”: UMA FRASE, UMA ATITUDE, UMA IDENTIDADE

“Hey man, I’m Janis Joplin!” — a frase atribuída à cantora durante sua passagem pelo Brasil em 1970 tornou-se símbolo de afirmação, mistura de orgulho ferido e autoafirmação intensa. Embora não se saiba com exatidão em que momentos ou situações ela a tenha pronunciado, a frase atravessou os anos como um grito que sintetiza sua personalidade.

A expressão “Hey man” era comum entre os jovens americanos ligados ao movimento hippie e à contracultura dos anos 1960 e 70. Pode ser traduzida por algo como “Ei, cara” ou, como diriam os paulistas, “Ô, meu”. O “man” (homem), nesse contexto, não se refere ao gênero, mas funciona como uma saudação informal, afetuosa ou de confronto, típica da linguagem de rua e dos grupos alternativos da época.

A frase completa — “Hey man, I’m Janis Joplin!” — pode ser traduzida como: “Ei, cara, eu sou a Janis Joplin!”

Mais do que uma apresentação, trata-se de uma declaração de identidade. Janis já havia enfrentado o bullying por sua aparência, a rejeição da indústria fonográfica tradicional, o conservadorismo de sua cidade natal e o machismo do universo musical. Ela não pedia licença. Impunha-se com autenticidade, intensidade e, ao mesmo tempo, vulnerabilidade.

Por isso, mesmo que a frase tenha sido dita numa situação prosaica ou relembrada de forma apócrifa, seu conteúdo permanece verdadeiro: Janis Joplin não precisava ser apresentada. Ela era a própria apresentação. Um furacão de voz, alma e coragem. E o mundo que não a reconhecesse — ou não a aceitasse — ouviria dela mesma:

“Hey man, I’m Janis Joplin!”

A ESTRELA QUE SAMBOU ANTES DE SE APAGAR

A passagem de Janis Joplin pelo Brasil não foi apenas uma viagem de férias ou uma tentativa de desintoxicação. Foi um mergulho em uma realidade que, por instantes, lhe ofereceu abrigo, liberdade e amor. Nas praias cariocas, nos bares esfumaçados da Zona Sul, nos sambas improvisados e nos encontros inesperados, Janis viveu como era: intensa, errante, frágil e brilhante.

Ela veio ao país em busca de cura — do corpo e da alma —, fugindo da heroína, da pressão da fama, do vazio da superexposição. Envolveu-se com o povo, com a música, com o calor humano que lhe parecia tão distante no show business americano. Encontrou afeto, risadas, novos amigos e um romance que, por mais breve que tenha sido, ficou marcado como um de seus grandes amores.

Mas Janis também encontrou barreiras. A ditadura civil-militar frustrou seu plano de fazer um show gratuito para o povo nas ruas de Ipanema. A estética alternativa de seus cabelos desgrenhados e roupas coloridas foi alvo de escárnio, e seu rosto marcado pela acne juvenil foi chamado de “feio” por quem não compreendia a beleza de uma mulher livre em sua essência.

Mesmo assim, ela cantou. Cantou sem banda, cantou a capela, só com sua alma e sua dor como instrumentos. Foi aclamada por desconhecidos, rejeitada por seguranças, acolhida por gente simples. Nadou nua, bebeu como se não houvesse amanhã, sambou até a madrugada, e chorou — talvez de alegria, talvez de angústia.

Deixou o Brasil com lembranças vivas, bijuterias baianas no pescoço, cicatrizes no coração e uma recaída à vista. Quando voltou a Los Angeles e reencontrou a solidão, rendeu-se novamente à heroína. O amor não foi suficiente. A metadona não bastou. O sol do Rio não conseguiu derreter as sombras que a perseguiam.

Janis faleceu, sozinha, devido a uma overdose acidental de heroína, no dia 4 de outubro de 1970, em Los Angeles, poucos meses depois de ter deixado o Brasil. Seu corpo foi encontrado no quarto do hotel Landmark Motor, e a autópsia confirmou que a causa foi intoxicação por heroína combinada com álcool.

Tinha apenas 27 anos. Assim, entrou para o trágico e célebre Clube dos 27 — grupo de artistas que morreram precocemente nessa mesma idade, como Jimi Hendrix, Jim Morrison, Brian Jones, Kurt Cobain e Amy Winehouse.

Mas, antes disso, Janis sambou. Sambou com a alma, com o corpo, com a coragem de quem nunca teve medo do ridículo, da entrega, do excesso. Sambou como quem sabe que não vai durar muito, mas quer deixar tudo no asfalto, na areia, na voz rouca que virou mito.

Ela sambou. E nunca mais houve outra igual.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp e e-mail

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui