Lagoa de Piratininga: dos lotes subaquáticos aos jardins filtrantes

O projeto da Prefeitura de Niterói tem a particularidade de pensar em conjunto a lagoa, os rios que nela desaguam, as ilhas no seu interior e a qualidade das águas

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Nos últimos anos o vocabulário do urbanismo foi enriquecido com a terminologia dos projetos ambientalmente sustentáveis, e em especial por aquela relacionada ao que se convencionou chamar de soluções baseadas na natureza – SBN. Jardins de chuva, biovaletas, jardins filtrantes, florestas de bolso fazem parte do repertório de propostas que visam tornar as cidades mais biofílicas, opa, outro termo em ascensão.

Pois são estas propostas que estão sendo postas em prática no novo Parque Orla de Piratininga Alfredo Sirkis, uma iniciativa inédita no Brasil na escala ali empreendida. A Lagoa de Piratininga já foi objeto de um grande escândalo imobiliário no final da década de 1940, quando 20% do seu espelho d’água foi loteado, com a concordância dos gestores municipais de então. Esse absurdo, que ficou conhecido como lotes subaquáticos, foi fruto de uma visão, agora ultrapassada, que acreditava que lagoas, dunas e rios podiam ser aterrados, suprimidos ou espremidos para darem lugar ao que se vendia como progresso. Os que compraram os lotes sabiam que compravam terra dentro da água, mas mesmo assim o negócio lhes pareceu viável.

O projeto da Prefeitura de Niterói tem a particularidade de pensar em conjunto a lagoa, os rios que nela desaguam, as ilhas no seu interior e a qualidade das águas. Ele envolve, por exemplo, a renaturalização das bordas do rio Jacaré, que vai desaguar na lagoa, com a consolidação de suas bordas, demolição de construções, recriação de meandros na sua calha, e revegetação da mesma. Para isso, estão incluídas medidas fundamentais, como a implantação de sistemas de esgotamento sanitário nas comunidades vizinhas ao rio. Renaturalização de rios é o ideal de todos aqueles que se debruçam sobre a precária situação dos rios urbanos.  

No entorno da lagoa será implantado o parque, com uma série de amenidades para os usuários. Ciclovias, áreas de contemplação, piers para pesca, mirantes, que são estruturas verticais para a contemplação da paisagem, quadras para a prática de esportes, e passarelas sobre os jardins filtrantes. Além disso, haverá um Ecomuseu, com restaurantes, área de contemplação e resgate da memória local. Ao longo das ciclovias e das vias para os pedestres e os automóveis, serão implantados jardins de chuva e biovaletas, que irão filtrar as águas poluídas antes que cheguem ao espelho d’água.

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Mas a intervenção mais impactante, do ponto de vista das soluções acima apontadas, é o conjunto de bacias de contenção de rejeitos e os jardins filtrantes implantados nas bordas da Lagoa de Piratininga. As bacias de contenção receberão as águas dos rios Jacaré, Cafubá e Arrozal. Ali os sedimentos trazidos pelos rios ficarão retidos em pequenos lagos para, de tempos em tempos, serem retirados. Na sequência, as águas passarão para os jardins filtrantes, que são áreas alagadas cobertas por plantas apropriadas para filtrar poluentes. Após esse processo natural, as águas já mais limpas chegarão à lagoa. Assim ela, que hoje é classificada como de nível quatro, por estar poluída por fósforo, nitrato, matéria orgânica, e lixo (SST), deverá chegar ao nível dois, que são aquelas apropriadas para navegação e pesca.    

O projeto que homenageia o grande ecologista Alfredo Sirkis, em coerência com o homenageado, é uma aposta numa reviravolta nas soluções tradicionais de engenharia de drenagem. Ao invés de canalizar o rio, busca-se a sua renaturalização. Ao contrário da coleta das águas pluviais para levá-las para mais longe, busca-se a sua filtragem e absorção no próprio local em que ocorrem. E tudo isto integrado à paisagem e com a oferta de opções de lazer. É importante observar e acompanhar o desenvolvimento do Parque Orla de Piratininga, porque o seu sucesso deverá representar um novo caminho para o urbanismo e o paisagismo. Niterói, corajosamente, sai na frente.  

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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