Leila Marques – PALÁCIO e MUSEU: histórias entrelaçadas

Arquiteta e Urbanista fala sobre dois espaços históricos para o Rio de Janeiro e para o Brasil: o Palácio Capanema e o Museu Marítimo do Brasil

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Foto: Leo Aversa/O Globo

O “Palácio Capanema” no Rio de Janeiro é mais conhecido como o “prédio do MEC”, (Min. da Educação e Cultura) porque a esta entidade serviu de 1953 até 1985, mesmo depois da capital federal ter se mudado para o planalto e o prédio não ser mais a sede de Ministério algum. Inaugurado em 1945[1], foi projetado originalmente para o Min. da Educação e Saúde, portanto serviu muito mais tempo à dobradinha Educação & Cultura do que à parceira anterior, Saúde.

O significado de “palácio” mais encontrado em dicionários de arquitetura, indica que é o nome dado a uma edificação suntuosa, em geral residência de monarcas ou chefes de Estado, ou ainda a sede de tribunais ou de um dos poderes da União. Assim sendo, o Edifício Gustavo Capanema, seu nome legítimo, recebeu esse título de nobreza, “Palácio”, menos devido à importância do que abrigava, mais devido à importância do significante prédio em si que, como muitos já sabem, trata-se de uma obra-prima do modernismo brasileiro, assinado por ícones da arquitetura nacional como Lúcio Costa (coordenador), Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos, Jorge Machado Moreira e Oscar Niemeyer, sendo assim reconhecido no mundo inteiro.

O “Museu Marítimo do Brasil”, por outro lado, é um prédio que ainda nem existe. Porém, como muitos assuntos no campo da arquitetura e do urbanismo, já causou controvérsia. Ou podemos dizer, de forma mais atual, que já “está causando”. Não confundam o atual Museu Naval, localizado à Rua Dom Manuel,15, Praça XV, com o Museu Marítimo que acabou de fazer parte de um concurso público de projeto, organizado pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil). A pretensa localização deste Museu, a ser erigido no lugar do prédio do Espaço Cultural da Marinha, criado em 1996[2] (sem relevância arquitetônica – esse não é o problema), é sobre um píer de pedras construída no século XIX, onde eram abrigadas as Docas da Alfândega, que possuíam quatorze armazéns, e recebiam inúmeras embarcações, desde que não fossem de grande porte, devido à pouca profundidade para o encostamento[3].

Para quem não ligou o nome ao local desse novo Museu, trata-se de um aterramento tipo píer situado no atual Boulevard Olímpico da Orla Conde, que segue a pretensão de fazer a revitalização da zona portuária, alcunhada de “Porto Maravilha”, ficando próximo ao Museu de Arte do Rio (MAR), inaugurado em 2013, ao Museu do Amanhã (2015), e outros espaços do complexo cultural existente nessa região central do Rio, como o Museu Histórico Nacional, o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) e a Casa França-Brasil.

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O primeiro edifício, o “Palácio”, vem sendo objeto de várias matérias em jornais nacionais e internacionais por conta do edital que o Governo Federal chegou a publicar, colocando esse patrimônio histórico/ arquitetônico (dentre outros) à venda a qualquer setor que se habilite a comprá-lo.  Todas as entidades ou organismos de arquitetura, história ou cultura irmanaram-se petrificados com a ideia de se” privatizar a nossa história”, de se vender “algo que não tem preço”; “uma obra de arte que tem que estar aberta ao público”; “o nosso Coliseu”; “o nosso Versailles”; “a nossa Torre Eiffel”, dentre outros justos gritos de misericórdia.

O segundo futuro edifício, o Museu, é centro de uma polêmica menos midiática, já que o prédio ainda nem existe e a discussão está mais no campo do paisagismo urbano. Há poucos anos, o desejo de se preservar a vista livre aos prédios históricos da orla central do Rio de Janeiro (alguns dos quais este Museu faria parte do conjunto) levou à decisão de se demolir a concretude do elevado da Perimetral (outra polêmica que rendeu…). Agora, diante do programa de necessidades do Museu, qualquer prédio que se construa nessa localização longilínea do referido píer, tornar-se-á uma barreira visual, tal e qual, para esse mesmo conjunto arquitetônico que se quis preservar outrora, bem como bloqueará a visão marítima de dentro para fora do continente.  Perguntas como, se é necessário edificar sobre esse píer histórico, ou se o IPHAN vai autorizar essa barreira predial, estão nas pautas do dia.

No primeiro caso, a argumentação favorável baseia-se no fato de que, graças a seu “tombamento”, que tem força de Lei, o “Palácio”, não será maculado pelos novos compradores. No segundo caso, a argumentação favorável, no caso de o IPHAN objetar pela vista, diz que somente a Lei de Deus é imutável; que a lei dos homens é feita para ser discutida…

Diante de antíteses desse tipo, fica claro que não se macula, ou se coloca em risco, patrimônios arquitetônicos, paisagísticos, quais sejam, por motivos de qualquer espécie que não o de salvar vidas, fosse esse o caso.  

Hoje sabemos que a pasta da Educação não faz mais parceria nem com a Saúde nem com a Cultura. O Museu, que também não é da pasta da cultura, e sim das Forças Armadas, talvez encontre mais “poder de fogo” para sua defesa, ainda que não seja o melhor para a cidade. Já a atual Educação, talvez encontre na pasta da Economia seu novo parceiro; ainda que, neste caso, esteja mais para seu algoz. A concretização de ambos os casos, da forma que se apresentam, ajudam a enterrar de vez o título que há pouco mais de um mês a cidade perdeu: Capital Mundial da Arquitetura.

*Leila Marques. Arquiteta e Urbanista CEFET/RJ e Conselheira do CAU/RJ

Localização do MUSEU MARÍTIMO: Atual Espaço Cultural da Marinha

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Palácio Gustavo Capanema

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[1] http://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-palacio-capanema/#!/map=38329&loc=-22.908855000000013,-43.17368700000001,17

[2] https://www.marinha.mil.br/dphdm/roteiro-espaco-cultural-da-marinha

[3] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-08/marinha-define-projeto-arquitetonico-do-museu-maritimo-do-brasil-0

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