A criação do Ministério da Educação pelo governo de Getúlio Vargas impôs a necessidade de se construir uma sede. Uma vez escolhido o terreno na esplanada do Castelo, o ministro Gustavo Capanema abriu concurso público para a escolha do projeto.
Os arquitetos vencedores do certame, no entanto, nunca viram sua ideia sair do papel. Capanema, com o endosso presidencial, queria erigir muito mais que um mero edifício, mas o símbolo de projeto de nação. A tarefa coube a uma comissão de jovens arquitetos que em sua maioria não tinha chegado aos 30 e que acumulava pouca experiência profissional.
Os bastidores deste anárquico percurso é reconstituído pela arquiteta e urbanista Sandra Branco Soares em Capanema Maru (Editora Jauá), já à venda nas livrarias Travessa de todo o Brasil e que estará disponível em versão digital a partir de 20 de dezembro.
A Demora na construção
O livro é o primeiro do gênero a revelar em detalhes as muitas idas e vindas que ajudam a entender o porquê da construção do prédio, inspirado pelos preceitos de Le Corbusier, ter durado oito anos, entre o momento da instalação da pedra fundamental e a inauguração oficial.
Não foi só a pouca experiência da equipe liderada por Lúcio Costa – integrada ainda por craques do porte de Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos e Jorge Machado Moreira – mas também o preciosismo do próprio ministro Capanema que, por exemplo, mandou acrescentar mais quatro andares ao projeto depois de já assentada a laje dos doze previstos inicialmente, para desespero dos engenheiros da Divisão de Obras do Ministério de Educação e Saúde e depois do Departamento Administrativo do Serviço Público.
10 anos de pesquisa
Capanema Maru é resultado de 10 anos de pesquisa da autora, servidora do Iphan que trabalhou por mais de 20 anos no Departamento de Patrimônio Material, instalado no Palácio Capanema. Sandra valeu-se de plantas, croquis, ofícios e centenas de outras fontes primárias para chegar a uma reconstituição saborosa de todo o processo desde a sua concepção até seus usos mais recentes. O título faz referência ao apelido pelo qual ficou popularmente conhecido o Palácio, Maru, devido à sua semelhança com embarcações japonesas que circulavam pela Baía de Guanabara.
Com uma narrativa cativante, Sandra Branco faz o leitor viajar ao tempo em que o Ministério da Educação tinha em seu corpo de funcionários nomes como os dos poetas Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro, e Vinicius de Moraes e do escritor Mário de Andrade. Era um momento histórico tão conturbado que, mesmo sendo Capanema um católico devoto, houve quem enxergasse na planta baixa da sede a representação da foice e do martelo.
Arquitetos e estudantes de arquitetura vão encontrar em Capanema Maru vasto material iconográfico como dezenas de fotos raras do processo construtivo. As plantas e croquis revelam deslizes do jovem time que viria a se tornar os maiores ícones da arquitetura modernista brasileira. Depois da obra já concluída, deram-se conta que para o jardineiro ter acesso ao terraço suspenso ele teria que passar pelo gabinete do ministro. Resultado: foi necessário aumentar a quantidade de intercolúnios do pilotis de seis para sete. A primeira ampliação havia ocorrido um ano após o início das obras, quando o edifício passou de 12 para 16 pavimentos, na tentativa de recuperar sua proporção como mostra a ilustração da página 80.
Os outros artistas do Capanema
Capanema Maru ainda reverencia os artistas que deram o toque final à obra prima da arquitetura mundial. Sandra Branco revela como foram os bastidores da concepção e realização dos painéis de azulejos e murais de Cândido Portinari e do paisagismo de Roberto Burle Marx, além de lançar luz sobre o trabalho da escultora Adriana Janacópulos, uma das únicas mulheres a deixar sua marca no Capanema com a sua Mulher sentada. O prédio conta com criações de Bruno Giorgi e Celso Antonio. No capítulo 7, “O prédio do MEC”, como é mais conhecido, surge com seus aspectos políticos, culturais e até pessoais por parte de seus idealizadores, e confirma o valor simbólico do edifício e sua esplanada para a população. Encerram o livro resumos biográficos dos principais nomes envolvidos na realização deste marco arquitetônico.
Sandra Branco Soares é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutora em Restauro dei Monumenti pela Università degli Studi di Roma (Itália). Trabalhou no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por mais de 20 anos. Lecionou nos cursos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Santa Úrsula e da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, atuando nas disciplinas de História e Teoria da Arquitetura e das Artes, História e Projeto de Restauração.
O que disseram sobre o “Capanema Maru”
“É tão esquisito e escandalosamente maluco o edifício novo do Ministério da Educação que o bom humor popular já lhe deu o nome: ‘Capanema Maru’. ‘Capanema-Maru’ porque surgiu do cérebro do Sr. Gustavo Capanema e traz no conjunto e nos detalhes a linha excêntrica dos navios japoneses, aqueles ‘marus’ “.
Vanguarda, Rio de Janeiro, 20 de abril de 1945.
“Era o único edifício moderno no Rio e era muito ridicularizado. A princípio a reação era de combate. Foi, durante anos a fio, combatido, ridicularizado por todo mundo. Aquele edifício era conhecido no Rio de Janeiro como “Capanema Maru”, nome que o povo lhe dava porque tinha forma de navio e “Maru” eram os navios japoneses que frequentavam muito o porto do Rio de Janeiro. Mas os artistas, os escritores, de um modo geral, e o próprio Presidente Vargas, eram a favor da renovação”.
Gustavo Capanema, Revista Módulo – Depoimentos, nº 85, maio de 1985.
O mais fraco (politicamente) dos Ministérios ia aos poucos vencendo ironia de uns, má vontade de outros, indiferença de muitos. Ninguém acreditava na nova sede própria. Era um projeto demasiado estúrdio e mesmo subversivo, pois, visto do alto, (assim o declarou um grave articulista, numa grave revista ligada a círculos militares) tinha aspecto de foice e martelo. A coisa estranha lentamente se delineava no espaço, em meio a trocadilhos e créditos negados pela Fazenda; até que um dia, composta, a forma esguia e desengonçada se manifestou em sua pureza, e era uma construção leve e forte, de azul transparência e engenhosa simplicidade.
Carlos Drummond de Andrade, Correio da Manhã, 15 de fevereiro de 1955.
Do ponto de vista abstrato a composição das formas é tão firme, os ritmos são tão claros, o movimento é tão franco, tão leal, as luzes são tão intensamente vibrantes, o material está tão bem compreendido e sentido… Do ponto de vista imagem o grupo é de uma fidelidade excepcional. Repare o que há de juvenil nessas figuras, de sadio, de feliz, de alegrias. E, no entanto, transpira um sentimento de dignidade humana, e elas são graves e nobres. Não sei como o Giorgi conseguiu conservar essa nobreza tão grave quase rápida até. Mas repare: não há dentro dum movimento tão decidido um mais mínimo perigo de espevitamento. Nem de desperdício.
Mário de Andrade, em carta de 16 de outubro de 1943.
(…) Que me importam elevadores prateados
Por dentro, se por dentro e por fora estão parados?
Vou querer é regressar ao Rex
Quero a água quente do Rex
A campainha do Rex, o silêncio, o barulho do Rex…
Abgar Renault, Correio da Manhã, 9 de abril de 1950, saudoso da sede provisória que o Ministério ocupou na Cinelândia
O Ministério da Educação no Rio de Janeiro, que considero um marco da arquitetura moderna, é bem construído, mas sua conservação parece precária, já que se apresenta muito sujo e com vazamentos, que poderiam facilmente ser reparados.
Walter Gropius, em 1954
Este prédio, esta nobre casa, este palácio, concebido em 1936 (…) é duplamente simbólico: primeiro porque mostrou que o gênio nativo é capaz de absorver e assimilar a inventiva alheia, não só lhe atribuindo conotação própria, inconfundível, como antecipando-se a ela na realização; segundo porque foi construído lentamente, num país ainda subdesenvolvido e distante, por arquitetos moços e inexperientes mas possuídos de convicta paixão e de fé, quando o mundo, enlouquecido, apurava a sua tecnologia de ponta para arrasar, destruir e matar com o máximo de precisão.
Lúcio Costa, em ‘Registros de um vivência’ (1995)
Parabéns à autora por uma obra necessária num momento em que o Capanema é colocado em dúvidas (pelo governo que deveria preservá-lo) quanto ao seu valor arquitetônico, histórico e cultural para a cidade do Rio de Janeiro e até mesmo ao Brasil. Desejo sucesso!