Márcia Silveira – ‘O Lugar’: distanciamento e culpa nas relações familiares

Colunista do DIÁRIO DO RIO opina sobre o livro ''O Lugar'', da autora Annie Ernaux

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Capa do livro ''O Lugar'' - Foto: Divulgação

O pai de Annie Ernaux morreu dois meses após ela ter conseguido a certificação para ser professora. A partir da morte do pai, Annie retorna até o início do século XIX para contar a vida deste homem, um camponês da região da Normandia, que depois se torna operário e, mais tarde, consegue, com dificuldade, abrir seu próprio negócio.

Foi na adolescência que Annie e seu pai começaram a se distanciar, quando ela passou a se dedicar aos estudos e à leitura. O pai, mesmo progredindo e chegando a ser considerado rico pelos parentes, viu-se diante de uma barreira intelectual que apenas a filha conseguiu ultrapassar e que a levou a mudar de classe social – o lugar de um não era mais o lugar do outro. O desenvolvimento através dos estudos e a consequente distância de seus pais deixa em Annie um sentimento de culpa, como se tivesse traído suas origens.

”Reencontrava meus pais como eles sempre tinham sido, sem as atitudes ‘sóbrias’ ou a linguagem correta, que agora me pareciam naturais. Eu me sentia afastada de mim mesma.”

Em alguns trechos do livro, Annie descreve fotografias em que ela e o pai aparecem. As vestimentas, as expressões e os objetos que eles faziam questão que estivessem nas imagens ajudam a puxar o fio da memória e recriar o período em que viveu com os pais.

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”Gostávamos de tirar fotos com os pertences que nos enchiam de orgulho: o café, a bicicleta, mais tarde o Citröen 4CV, no qual ele apoia a mão, levantando um pouco, com esse gesto, o casaco. Em nenhuma foto ele aparece sorrindo.”

A autora faz uma excelente reconstituição da época em que seu pai viveu, o que é fundamental para a compreensão da trajetória da família. Não à toa, o texto da orelha do livro trata a narrativa de Ernaux como uma autossociobiografia. Annie relata que chegou a tentar escrever a história de seu pai em formato de romance, mas logo percebeu que a melhor forma de ”contar a história de uma vida regida pela necessidade” seria com uma escrita neutra, e não de maneira ”’cativante’ ou ‘comovente”’.

”O Lugar” foi lançado originalmente em 1983 pela Éditions Gallimard. Sucesso de público e de crítica, o livro lançou Annie Ernaux à fama. No Brasil, foi publicado em 2021 pela editora Fósforo, que também lançou outras duas obras da autora: Os Anos e O Acontecimento.

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Nota
O Lugar
Bacharel em Filosofia, pós-graduada em História da Arte. Escritora e revisora. Mãe do Bruno e da Daniela. Bibliófila.
marcia-silveira-o-lugar-distanciamento-e-culpa-nas-relacoes-familiares O pai de Annie Ernaux morreu dois meses após ela ter conseguido a certificação para ser professora. A partir da morte do pai, Annie retorna até o início do século XIX para contar a vida deste homem, um camponês da região da Normandia, que...
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