Marcus Vinicius Dias: Chegou a vez da assistência

O médico Marcus Vinicius Dias fala sobre o mercado da Saúde Suplementar

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O mercado da Saúde Suplementar atende atualmente a mais de 50 milhões de brasileiros que buscam, seja por meio de seu CPF, seja através do CNPJ ao qual estão ligados, uma tentativa de hedge ao Sistema Único de Saúde. Em termos percentuais, esse número de clientes, representa cerca de 25% da população brasileira. Em termos absolutos, bate a população da Argentina, da Espanha, ou da Colômbia, para citar alguns países. Em cifras monetárias, esse setor movimenta algo próximo a 350 bilhões de Reais por ano. Levando-se em consideração que o setor de saúde como um todo consome cerca de 10% do PIB nacional e que, deste percentual, 60% aproximadamente, é gasto pela Saúde Suplementar, contra 40% do SUS, (que atende 75%  da população), podemos ter uma idéia do tamanho e da importância deste setor na economia brasileira.

Um outro dado econômico que chama a atenção para a Saúde Suplementar é o valor de mercado de suas empresas. As que recorreram ao mercado de capitais para alavancar suas operações transformaram-se em queridinhas dos analistas de sell side e de buy side. Além disso, transformaram seus controladores em mega bilionários e verdadeiras celebridades do mundo financeiro, em virtude do êxito patrimonial que os colocaram na lista dos mais ricos do Brasil. O número de IPOs (ofertas primárias de ações na Bolsa de Valores) na Saúde  Suplementar ocorreu de modo progressivo e permitiu levantar recursos que, ao cabo, levaram ao aumento das empresas, consolidação do setor, concentração de serviços, aumento de margens por meio de sinergias e ganho de escala que, em última análise, levaram a um aumento de eficiência, traduzindo-se em maiores lucros.

Enquanto a Faria Lima celebrava este novo mercado do “petróleo”, estudiosos do setor, fossem eles atuários, gestores, pesquisadores e, principalmente, os usuários, chamavam a atenção, por meio de relatórios, fóruns, artigos de opinião e, sobretudo, nos sítios de reclamação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, para o fato de que o tão desejado sonho de se ter um plano de saúde, muitas vezes, na prática, se tornava um pesadelo. Passando ao largo do aumento da sinistralidade, do excesso de judicialização, da incorporação irracional de tecnologias custosas, da falta de métricas de resultados qualitativos que orientassem o consumidor, aliado a uma percepção, generalizada, de que a Saúde Suplementar não era o pior dos mundos porque havia o sistema público, o mercado de capital, por meio de seus relatórios e análises, recomendava a “compra” dos ativos que subiam, pregão após pregão, resultado atrás de resultado trimestral, a uma estratosfera de preço que parecia não ter fim.

Mas de um bom tempo para cá grandes marcas do setor já apresentavam margens espremidas e balanços desfavoráveis que motivaram a troca de executivos como se muda de treinador de futebol no Brasil. Em paralelo a isso, as “campeãs” das casas de análise mostravam, a cada Demonstração de Resultados, uma característica que, embora não desanimasse o investidor, nem tampouco estava ao alcance do usuário, já chamava a atenção dos expertos do setor: via de regra o lucro destas empresas (ou o pequeno prejuízo) se dava às custas de receitas financeiras, e não em virtude das operacionais. Dito de outro modo, é como se a padaria tivesse um lucro, não pela venda de pães, mas pela aplicação financeira que o padeiro fez com sua gerente no banco. Do ponto de vista contábil, lucro é lucro. Mas ao abrir uma padaria, em tese, espera-se lucrar com a venda de pães, e não com rentabilidade da conta corrente.

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Quem entra para saúde quer vender e lucrar com saúde. Pelo menos assim deveria ser. Na prática, o que se via num sistema já viciado era o lucro com a doença. Mas de todo modo, o cor do negócio era a assistência, era a prestação de serviço médico, seja de diagnóstico ou de tratamento. Mas, em suma, o negócio era Medicina. A rede “A” de hospitais, a “B” de planos de saúde, a “C” de administração de benefícios”, não se apresentavam nas Juntas Comerciais como bancos. A idéia era trabalhar, lucrar e crescer prestando assistência à saúde.

Mas a “profissionalização” do setor, com a abertura de capital, expansão comercial, e a transformação destas marcas em sonho de consumo de investidores, trouxe para o centro do negócio, o CFO (Chief Financial Officer), que é a pessoa das Finanças Corporativas. Num primeiro momento, veio como elemento de apoio à área assistencial, viabilizando e potencializando a sustentabilidade operacional, alma mater do negócio, ou seja, a assistência. Com o tempo, ganhou protagonismo como o cara que garantia o bônus da galera e os dividendos dos acionistas. Por fim, foi alçado ao responsável único pela manutenção de pé da empresa, cuja operação era permanentemente deficitária e graças a genialidade do financeiro seguia existindo. Mas nos parece óbvio que o padeiro ou volta a lucrar com os seus pães ou então tem que mudar de ramo, e se transformar em um agente financeiro, para seguir viável economicamente. Ao seguir incompetente na venda de pães, mais cedo ou mais tarde, será surpreendido por um telefonema da gerência do banco lhe advertindo que acabou o milho, e, portanto, não tem mais pipoca.

O cerne do problema do merecido (mas insustentável) destaque do CFO nas empresas de saúde é que ele levou a uma atrofia do setor operacional, que no caso é a assistência. Relegado ao plano inferior a área médica primeiro se encolheu, depois passou a sonhar em se tornar financeira e, por fim, se ressentiu em não ter mais espaço e ser culpada por toda tragédia financeira da empresa. Esqueceu-se, com isso, daquilo que ela, a assistência, sabe muito bem, e o financeiro não sabe, e nem saberá, nunca: cuidar da saúde do seu cliente.

Ao ser espremido no board das empresas de saúde, o médico, encurralado, buscou aprender Finanças, Contabilidade, Atuária, Liderança, mas esqueceu-se de manter vivo o seu Santo Graal: a Medicina. Embora as casas de investimento olhem para o currículo do CFO para recomendar uma “compra” ou uma “venda” de ações, a fonte pagadora deste sistema, o beneficiário, quer, ao cabo, saber se o plano que ele contratou lhe dá direito ao médico “Y”, ao hospital “W” ou ao laboratório “Z”. No fundo, o usuário, que alimenta o sistema, não quer saber de balanço, nem de onde o financeiro fez seu MBA. Mas gosta de ostentar que seu médico é membro da Universidade “XPTO”, deu aula no congresso da sociedade internacional das galáxias e que o tratamento que lhe foi oferecido deu resultado excepcional.

A sobrevivência de qualquer negócio passa pela percepção do cliente de que o produto/serviço vendido por aquela empresa é diferenciado e tem preço. A isso, dá-se o nome, corriqueiramente, de valor. A Saúde Suplementar, como em qualquer atividade econômica, deverá seguir esta máxima se quiser se manter viva. Para isso, a verdadeira revolução contábil e financeira é dar, enfim, vez ao Valor, e não só ao preço ou à margem. E na Saúde Baseada em Valor, o que interessa, sempre, e unicamente, é o melhor resultado assistencial possível ao menor custo unitário. A assistência vem primeiro que o custo neste modelo. E, nele, a Medicina tem primazia sobre a Finança…

*Médico pela UFF, com residência em Ortopedia pelo INTO, MBA em Gestão de Saúde pela USP e Mestrado em Economia pelo IBMEC. É servidor do Ministério da Saúde e atualmente ocupa o cargo de Diretor Geral do Hospital Azevedo Lima.

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