Muito antes dos aparelhos celulares: a história do orelhão, o telefone público que surgiu na cidade do Rio de Janeiro

O primeiro aparelho de telefone nesse formato colocado nas ruas para que as pessoas pudessem fazer ligações (inicialmente) usando fichas foi instalado no Rio e depois se espalhou pelo Brasil

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Foto: Clovis Silveira

Dados da 35ª Edição da Pesquisa do Uso da TI, divulgados em 2024, conduzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostram que há mais celulares do que pessoas no Brasil. Por isso, é estranho pensar em um mundo onde alguém precise de um aparelho de telefone público para fazer ligações. Comprar ficha e enfrentar fila para se comunicar com alguém parece uma realidade estranha se comparada aos dias de hoje. Só que isso já aconteceu e tenho certeza que muitos leitores do DIÁRIO DO RIO têm histórias desses tempos que nem são tão longínquos assim.

No dia 20 de janeiro de 1972, portanto há 53 anos, foi instalado o primeiro orelhão na cidade do Rio de Janeiro. O telefone público, colocado nas ruas para que as pessoas pudessem fazer ligações (inicialmente) usando fichas, logo depois se espalhou pelo Brasil.

Não é exagero falar em “logo depois”. Cinco dias após ser inaugurado no Rio de Janeiro, um orelhão foi instalado na cidade de São Paulo. O aparelho foi crido por Chu Ming Silveira, uma arquiteta chinesa radicada no Brasil a partir de 1951.

chu ming Muito antes dos aparelhos celulares: a história do orelhão, o telefone público que surgiu na cidade do Rio de Janeiro

Chu Ming Silveira, a inventora do orelhão. Foto: orelhao.arq.br

Antes da invenção de Chu Ming Silveira já existiam aparelhos para o uso de quem não tinha telefone em casa. Eles ficam em padarias, bares, farmácias e outros comércios. Mas alguns problemas como muitas filas nos estabelecimentos e dificuldade para ouvir o que estava sendo falado do outro lado da linha fizeram esse formato não ser o ideal.

A partir daí, a Companhia Telefônica Brasileira (CTB) desenvolveu cabines circulares de fibra de vidro e acrílico e, para testar a novidade, instalou 13 delas na cidade de São Paulo. Também não deu certo. A ficha logo caiu.

Essas cabines eram fechadas e ficava calor lá dentro, passaram a ser alvo de vandalismo e ocupavam muito espaço nas calçadas. Uma outra saída precisou ser pensada. Aí ideia de Chu Ming Silveira foi atendida.

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Foto: orelhao.arq.br

A mudança foi comentada em uma crônica de Carlos Drummond de Andrade para o Jornal do Brasil: “A primeira experiência foi aquele fiasco. As cabinas cilíndricas despertaram a agressividade, o instinto predatório de alguns , e logo se tornaram ruínas. O usuário repelia a dádiva. Eram feias? Nem por isso. Eram úteis, mas os destruidores não repararam na utilidade. Vingavam-se, talvez, nas pobres cabinas, das frustrações e irritações acumuladas durante anos de mau serviço telefônico. Para não falar no gosto puro e simples de arrebentar, que dorme nas cavernas psíquicas do suposto civilizado, e que, se ninguém está perto para servir de alvo, ou com receio de levar a pior na arrebentação, desaba sobre as coisas, que não reagem. A CTB não desanimou, e saiu-se com o telefone protegido por uma cuia invertida: um, dois, três aparelhos geminados. Agiu tão depressa, e bolou tão bem a coisa, que os vândalos ficaram tontos e não contra-atacaram, senão em escala mínima. A população tomou conta das cabinas, que não são cabinas, são uma cuia gozada, a céu aberto, uma cuia que fala. Simpatizou com elas. Aprovou-as”.

Chu Ming – que chefiava a seção de projetos do Departamento de Engenharia da CTB – contava que partiu da forma do ovo, segundo ela “a melhor forma acústica”, para encontrar a solução. E funcionou. Por décadas.

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Orelhão com a logo da antiga CTB. Com o tempo, os aparelhos foram ganhando novas cores e as marcas das operadoras do serviço. Foto: João Paulo Chagas

Falando em funcionar, por muitos anos os orelhões funcionaram com fichas, que eram compradas em bancas de jornal, padarias e outros comércios. Em 1992, indo na esteira de mudanças que a Eco-92 propôs, as fichinhas deram lugar aos cartões.

Por décadas, os orelhões fizeram parte da vida dos brasileiros. Foi uma longa ligação. Mesmo quando os telefones fixos e os primeiros celulares ficaram mais acessíveis financeiramente, os aparelhos idealizados por Chu Ming Silveira estavam lá, nas ruas de muitas cidades do país.

De acordo com dados da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, em 2001 haviam 1,4 milhão de aparelhos no Brasil. De acordo com a mesma Anatel, ainda tem 66 mil orelhões funcionando em território nacional.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Não se deve confundir a marca CTBC (Companhia Telefonica da Borda do Campo) com CTB (Companhia Telefonica Brasileira). O logotipo desta era bem antigo, algo como um sino de igreja, não tinha nada a ver com o logotipo da CTBC. A primeira foto no início da reportagem não é no RJ, mas em São Paulo (vê-se o logotipo da TELESP).

    Parabéns à Dona Chu pela invenção, era o que dava pra fazer e atendeu as necessidades. Já hoje, graças a Deus, não dependemos mais de orelhões.

  2. Me lembro que em São Paulo fizeram um orelhão de concreto, um trambolho brutalista que parecia ter sido feito num dos países da cortina de ferro. Tudo pra combater os vândalos. O povinho não muda…

  3. O desenho dos orelhões era muito bom, pois além da boa acústica (tá, se tivesse uma britadeira na rua, não fazia milagre, e dependia, também, da qualidade da ligação do “outro lado”) ele se destacava nas ruas. De longe se avistava, e ainda podia ser decorado, pois existia área suficiente para soltar-se a imaginação.

    O orelhão servia, também, como “classificados” informais, com cartões colados no seu interior oferecendo os mais diversos serviços autônomos, inclusive o da profissão tida como a mais antiga do mundo.

    A felicidade era quando se descobria que um orelhão estava dando linha “sozinho”, ou seja, ligava-se de graça. Fazia fila nos bairros para se falar com toda a família, tudo 0800, que ainda não existia naquela época.

    Outra felicidade era encontrar um orelhão desocupado no momento de uma pancada de chuva de verão. Ele também servia de guarda-chuva, do tórax pra cima.

    Se não funcionaram melhor, deva-se aos destruidores, que vandalizavam os aparelhos, e às falhas da própria companhia. Era comum encontrar telefones “mudos” ou quebrados, sem o fone, ou sem o próprio aparelho.

    Faltou lembrar que os cartões que substituíram as fichas tornaram-se objetos colecionáveis. Assim como os selos, eles estampavam figuras “ilustres”, datas comemorativas, fotos de paisagens brasileiras, etc. Fazia-se trocas, igual figurinhas de álbuns.

    Comparado com os recursos que temos hoje, principalmente para os jovens, que já nasceram com tudo pronto, na mão, era ruim, mas era o que tínhamos, e nos serviu muito.

    PS: Que gatinha era a Chu Ming Silveira.

    • a profissão mais antiga do mundo é a de anestesista, quando Deus botou adão pra dormir e fez uma costectomia. acho que era a “outra” hein? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  4. lendo sobre o orelhão, onde e como se compravam fichas, vem uma voz cavernosa no fundo de minha mente: “grande coisa, quem não sabe disso?”. mas subitamente, lembro que muitos viventes não estavam aqui quando o orelhão funcionava com fichas e depois com cartões.

    e, bizarrice, ano passado precisei fazer uma ligação a cobrar dum orelhão, porque deixe o celular em casa. minha esposa estranhou ou pirim-pirim-pirim e desligou. rsrsrsrsrs

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