Um projeto de incentivo ao acesso à literatura tem chamado a atenção no Complexo da Maré. Anderson Oli e Camila Mendes, educadores e moradores da região, criaram o “Leituras na Favela”, uma iniciativa que contempla oficinas de leitura e contação de histórias que valorizam o protagonismo negro, indígena e feminino, com textos de autores pertencentes a esses grupos sociais. Por meio das questões vivenciadas no cotidiano, a leitura se torna uma aliada na democratização do conhecimento.
Com início em fevereiro, o projeto realiza suas atividades sempre às terças-feiras na Biblioteca Municipal Jorge Amado, localizada na Areninha Cultural Herbert Vianna, na Baixa do Sapateiro. A iniciativa atende crianças e adolescentes entre 4 e 14 anos, matriculados na rede municipal de ensino. Com duração de seis meses, as oficinas promovem o acesso a direitos básicos por meio da leitura.

“Ao alcançar crianças e jovens moradores do entorno, local conhecido como Nova Maré (Casinhas), eles vivenciam questões pertinentes à favela, como a dificuldade de acesso à saúde, cultura e lazer. Oportunizamos, em nossas oficinas, um espaço de escuta e acolhimento. O público, em sua maioria, é composto por pessoas negras, de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social”, destacam os idealizadores.
Incentivo à leitura enfrenta desafios, mas revela potencialidades
Incentivar a leitura em territórios periféricos não é tarefa fácil. A democratização do conhecimento enfrenta uma série de dificuldades estruturais e sociais. Além disso, com o avanço das tecnologias, as crianças passam mais tempo expostas às telas, o que compromete a concentração e a capacidade de interpretação dos jovens.
Uma pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) apontou que 53% dos brasileiros não leram nem parte de um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Já a 6ª edição da “Retratos da Leitura no Brasil” revelou que apenas 27% dos brasileiros leram um livro inteiro no mesmo período — e a maioria dos leitores está na fase escolar, com 77% sendo estudantes.
Em contrapartida, uma estudo feito pela Festa Literária das Periferias (FLUP), em 2024, mostrou que 74% dos moradores de regiões periféricas leem livros. O estudo revelou ainda que esse público demonstra forte interesse em ampliar o acesso à leitura.
Para os idealizadores do “Leituras na Favela”, essa realidade se confirma: “Um dos nossos participantes disse que o fato de termos ido até a escola para convidá-lo fez toda a diferença para que ele participasse do projeto. Isso mostra que o nosso acolhimento e nossa proposta são diferenciais”. Ainda assim, a adesão às oficinas não é constante: “Por se tratar de leitura oralizada, muitos ainda não têm o hábito. Mas compreendemos que se trata de um processo de adaptação”, pontuam.
Atualmente, o projeto conta com 30 alunos e 10 profissionais. Anderson e Camila pretendem expandir a iniciativa para outras comunidades da Maré. “Percebemos que as crianças demonstram entusiasmo pelas atividades e ficam mais interessadas. Os pais relatam que elas ficam ansiosas pelo dia do encontro“, afirmam.
Projeto teve início em experimento universitário
A ideia do “Leituras na Favela” surgiu em 2021, durante a leitura dos livros exigidos pela banca examinadora da UERJ para o vestibular. Na ocasião, dez jovens participaram das atividades entre janeiro e julho por meio de videochamadas. “Comprovamos que a precarização dos recursos públicos para a educação é evidente e que as dificuldades são inúmeras”, explicam os educadores, que hoje atendem também jovens e adultos com até 65 anos.
Para formar as turmas, os idealizadores visitam escolas, instituições locais e fazem divulgação nas redes sociais. Ao apresentar as atividades nos próprios espaços, conseguem atrair o interesse dos alunos. “Nossa metodologia busca incentivar a leitura a partir da conexão com os livros e as histórias, promovendo encontros presenciais e interação entre os leitores. Acreditamos que o acesso à leitura amplia oportunidades e enriquece o repertório sociocultural. O livro nos permite conhecer e refletir sobre nossa própria vida e outras realidades”, comentam.
Cada participante recebe gratuitamente um kit de leitura para acompanhar as atividades. O projeto “Leituras na Favela” é contemplado pelo edital Pró-Carioca, programa de fomento à cultura carioca da Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Cultura.
Serviço
Leituras na Favela
- Local: Biblioteca Municipal Jorge Amado, Complexo da Maré
- Atividades às terças-feiras: 15h às 16h – Contação de história/ 16h às 17h30 – Leitura Compartilhada
- Instagram: @leiturasnafavela