No verão carioca, entregadores que trabalham de bicicleta chegam a pedalar 70km em dias de calor

Embora tenhamos altas temperaturas em praticamente todos os meses no Rio, esses trabalhadores sentem na pele que no período mais quente do calendário a situação piora muito

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O verão da cidade do Rio de Janeiro é conhecido pelas altas temperaturas, os banhos de mar, o clima de alegria no ar. Porém, não é assim para todo mundo. Os entregadores de aplicativos, que trabalham em bicicletas pelas ruas da cidade, sofrem mais que o normal nesta época do ano. Embora faça calor em praticamente todos os meses no Rio, esses trabalhadores sentem na pele que no período mais quente do calendário a situação piora.

Uma pesquisa do projeto Field Project da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio), divulgada em julho do ano passado, mostra que a maioria dos entregadores trabalha de 9 a 12 horas por dia para receber menos que um salário mínimo. Faça chuva ou faça sol, literalmente. Alguns chegam a rodar mais de 70 quilômetros por dia de bicicleta. Outros podem fazer até mais que isso.

A título de comparação, 70 quilômetros é um pouco menos que três Linhas Amarelas. A via, que passar por 13 bairros e 23 comunidades da cidade do Rio de Janeiro, tem 25km de extensão.

Gabriel, um entregador que trabalha de bicicleta pelas ruas do Rio de Janeiro, estima que pedale cerca de 20 quilômetros por hora de trabalho. Nos dias de sol forte, ele conta que “costumo trabalhar com uma blusa de proteção UV e filtro solar”. Itens comprados por ele mesmo, pois nenhum aplicativo de entrega os disponibiliza para os entregadores. “A Uber [Eats] não dá quase suporte nenhum. Nunca recebi um kit ou algum auxilio. Já me disseram que eles têm uma central no Norte Shopping, mas que só oferece máscara para a Covid, nada ligada ao calor ou chuva”, destaca Gabriel.

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Os entregadores afirmam que a plataforma Ifood tem um programa chamado Ifood Pedal, que consiste no aluguel de bicicletas elétricas e nesses casos (alugando as bikes), o entregador ganha um kit com alguns itens, entre eles uma garrafinha para tomar água e uma blusa de proteção contra os raios de sol. Mas só tem acesso ao kit quem aluga as bikes elétricas. Caso contrário, os trabalhadores têm que comprar as peças no site do aplicativo.

No verão do Rio de Janeiro chove muito. E forte. E de uma hora para outra. Esse é outro problema pelo qual os entregadores que trabalham de bicicleta passam. Gabriel diz que sempre olha a previsão do tempo antes de sair de casa, no intuito de se preparar. Contudo, às vezes, a chuva cai de surpresa e o jeito é “parar em algum lugar para esperar passar ou, se estiver com pedido, entregar debaixo de água mesmo”.

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Bicicleta usada para entrega estacionada enquanto a chuva diminui no Centro do Rio

Médicos alertam que a exposição ao calor excessivo pode trazer problemas de saúde como desidratação, aumento do estresse, danos renais, males respiratórios e até mesmo infartos, derrames e câncer de pele.

“Por mais que pedalar seja uma ótima atividade física, fazer isso por horas e horas no sol, calor, chuva, em uma atmosfera estressante de cobrança, pedidos e mais pedidos de entrega, pode ser bastante prejudicial à saúde dessas pessoas”, pontua a médica clínica geral Ingrid Nascimento.

Há, ainda, a preocupação com acidentes, que, segundo dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (INFOSIGA), aumentam no verão, principalmente nos fins de semana. Os motivos responsáveis pelo aumento de acidentes de trânsito no verão são os mesmos do resto do ano: bebida ao volante, excesso de velocidade, falta de cinto de segurança e o uso do celular. Sem ciclovias funcionais e seguras, os ciclistas correm riscos. Desde 2010, como mostra um levantamento feito pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), quase 13 mil internações hospitalares causadas por atropelamento de ciclistas foram registradas no Sistema Único de Saúde (SUS). 

No Rio de Janeiro, o índice de ciclistas acidentados subiu 94% no período destacado, de 2010 a 2020. É um dos estados com maior variação neste número, portanto, um dos com mais acidentes, ficando atrás de Rio Grande do Norte (1.250%), Pernambuco (678%), Mato Grosso do Sul (400%), Mato Grosso (240%), Minas Gerais (129%), Santa Catarina (143%), Amapá (117%), Ceará (110%) e Sergipe (100%). Embora sejam dados estaduais, vale ressaltar que a maioria dos casos se deu na capital ou na Região Metropolitana.

Diante de tantos problemas, alguns entregadores, que têm opção para trabalhar em outra função, aposentam as bicicletas. Caso de Leandro, um dos que já rodou mais de 70km em um dia de trabalho e que acabou trocando as duas rodas por um balcão: “Comecei a fazer entrega de bicicleta um pouco antes da pandemia. Começou como uma renda extra e logo depois de um tempo, virou o meu fixo. Mas hoje em dia larguei, por conta do verão, sol de 40 graus, trabalhando correndo risco de passar mal, pegar um câncer de pele. Hoje trabalho em um bar”.

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Leandro rodando em um dia de sol forte no Rio de Janeiro

Procuradas para comentar o tema da matéria, a maior parte das principais empresas de entregas por aplicativos que atuam na cidade do Rio de Janeiro com entregadores trabalhando em bicicletas ainda não responderam os contatos da reportagem do DIÁRIO DO RIO.

IFood informou que busca constantemente realizar parcerias com órgãos públicos, empresas e restaurantes, para a criação de espaços de apoio para os entregadores parceiros nas cidades. Chamados de Ponto de Apoio, já são mais de 1000 espaços em 14 cidades, onde os entregadores podem usar instalações sanitárias, tomar água, usar tomadas e ter um espaço para aguardar a preparação dos pedidos com mais conforto. 

A Uber Eats anunciou que vai encerrar suas atividades no Brasil a partir do dia 08/01.

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