O bom político – I

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Politic por Ghazaleh Ghazanfari

O que nos leva a sempre criticar os políticos? Temos para com eles uma gritante relação de insatisfação que faz brotar em nosso espírito um sentimento que chega às raias do escárnio, do desprezo. Os políticos, então, são para nós seres desprezíveis, que despertam sentimentos regidos pelo ódio e pela desconfiança, quase sempre arrolados na esteira de um estigma como seres insuportáveis.

Para nós, o lugar que o político ocupa é aquele de um quadro já pintado, já configurado em seus matizes, por vezes demoníacos, concluído numa definição que é salpicada de significações que se estruturam como verdadeiras injúrias. Ou seja, do ponto de vista do cidadão comum, o político é isto, é aquilo. Ele é. Nada mais que isto. Portanto, o político já está de antemão sentenciado, condenado perpetuamente pelo imaginário social. Mas, qual a razão desta interpretação tão negativa? Eles são mesmo dignos de tamanha maledicência?

Em todo caso, podemos inferir que a imagem distorcida que temos do gestor político não se deve, em hipótese alguma, à presença deste ou daquele fator ligado à corrupção. A ideia de uma possível corrupção se alimenta naquilo que já está ali, que vige por baixo, nos bastidores da relação de desprezo que o cidadão comum mantém com seu governante. O político como alguém sinônimo de corrupção é então consequência e não causa desta mácula exuberante. Com isso, não queremos ver que uma autoridade política ocupa um lugar de referência primordial na vida psíquica de cada um de nós. Daí eles se tornam os responsáveis por nossos sofrimentos, decepções, infortúnios e contrariedades que assolam e esmaecem os rumos de nossa vida cotidiana. Imputamos a eles as razões de nossas impotências e fracassos, além de esperarmos que realizem tarefas impossíveis.

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O homem que exerce o lugar de autoridade política realmente nunca é bem visto. Isto não é recente, não é de agora. Trata-se de algo que remonta a séculos e não se dirige necessariamente à pessoa que dará corpo à função. As razões destes sentimentos exacerbados devem-se, em grande parte, ao fato de que vivemos para com ele uma magistral suposição, uma idealização que se dirige fundamentalmente ao lugar que ele ocupa na sustentação de uma organização social. Acreditamos que o gestor político pode responder aos nossos anseios, nossas faltas. Ele ocupa, assim, para cada um de nós e para os grupos sociais, o lugar daquele que sabe e que deve, portanto, nos orientar sobre o que fazer para que as coisas caminhem melhor. Por isso mesmo, o lugar que o homem político ocupa faz nascer uma função que se demarca como verdadeira suposição de saber. É aquele que tem as respostas, que sabe a direção a se tomar. Mas não queremos saber de nada disso! A saída imediata será aquela de uma assombrosa desconfiança que irá nutrir-se de uma paixão hedionda que mescla amor e ódio, a partir de uma visada persecutória e emotiva: isto dificulta qualquer entendimento sobre o de que se trata nesta relação, sobre o que está na base do laço social, o governar e ser governado, sua razão lógica e sua necessidade estrutural.

De fato, há um sentimento de insatisfação que rege toda expectativa em relação ao homem que exerce o poder político e ao que ele poderia fazer por nós, cuidando cada vez melhor de nossas vidas, iluminando mais e mais nossos caminhos, não permitindo que algo de mal nos aconteça. É certo e seguro: desejamos viver uma vida de paz e harmonia, sem nos perturbarmos com isso ou aquilo, sem que seja necessário que nos responsabilizemos por nada, sem pagamento algum. Nesse sentido, os políticos serão os responsáveis pelo nosso bem-estar, pois depositamos neles esperanças exageradas, e nos acomodamos numa alienação.

É realmente isto! Depositamos nos políticos uma contundente esperança, outorgamos a eles uma responsabilidade desmedida de resolução de nossos problemas, que se traduz em algo que vem recobrir a fragilidade e a penúria que habita nossos ideais. Ou seja, trata-se de uma expectativa impensada, fruto de nosso desamparo radical que nos leva a demandar, do outro, responsabilidades e afazeres capazes de locupletar a falta que marca a fragilidade do ser humano. Uma espécie de terceirização daquilo que podemos e devemos realizar como cidadãos na construção de um futuro menos doloroso. Exigimos, daqueles que nos representam publicamente, tudo aquilo que serve para aplacar os desígnios cruéis que a realidade da vida nos impõe.

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Médico, Psiquiatra e Psicanalista. Especialização e Mestrado em Psiquiatria (UFRJ); Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Brasília, Rio de Janeiro e Vitória; Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); Editor-chefe da Companhia de Freud Editora
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